Acordou cedo. Virou-se, procurando Fernando, mas a cama estava vazia. Esticou a mão e passou-a pela almofada que ainda mantinha a forma da sua cabeça. Estava fria. Não gostou. Saltou da cama, tomou duche e arranjou-se, pensando se o que se tinha passado na véspera, tinha acontecido mesmo ou ela tinha sonhado.
Preparava as torradas quando ele apareceu na cozinha.
Bom dia, - disse sorrindo, enquanto a abraçava
-Deixaste-me sozinha,- queixou-se desviando o rosto para evitar o beijo. Porquê?
-Nada me daria mais prazer do que acordar a teu lado, doutora. Mas, e se o Diogo acordasse e fosse ter contigo ao quarto? Várias vezes o vi fazer isso quando acorda cedo. O que é que a cabecinha dele, ficaria a pensar?
Ele tinha razão. Que raio de mãe era ela que se esquecera do filho?
- Desculpa. Pões-me tão doida que não consigo pensar. É claro que temos de conversar com ele. Mas é melhor fazê-lo quando voltares.
- E porque não hoje? Tens medo, de que não volte?
-Não. Mas sinto-me inquieta. E se te acontece alguma coisa?
- Ouviste o que disse o inspetor. Não vai acontecer nada. E estou muito esperançado, de que à vista da minha casa, das minhas coisas eu recupere a memória.
- E se isso acontece e esqueces este espaço de tempo? Se não te lembras de mim?
- Isso não é possível, doutora. Estás aqui dentro, -disse apontando para o peito.
A eficiente doutora Helena, aquela que sabia sempre o que fazer, e que não tremia quando tinha de empunhar o bisturi, estava longe da mulher apaixonada, carente e insegura, que se sentia mal, só de pensar o que podia acontecer, naquela separação. Naquele momento as fatias de pão saltaram na torradeira, e ela concentrou-se em tirá-las e substitui-las por outras.
Então o menino entrou na cozinha e depois de beijar a mãe, foi abraçar o tio, que o sentou nos seus joelhos.
- Bom dia, Campeão. Sabes que hoje começou um novo ano?
- Sei, E tu sabes que este ano já vou para a escola? Já sou crescido.
- Claro que sim, - disse com um sorriso. E como um menino crescido, vais escutar o que o tio Fernando, tem para te dizer sem ficares triste, está bem?
- Vais-te embora? – perguntou muito sério.
Os dois adultos, entreolharam-se admirados com a perceção da criança.
- Tenho que ir, preciso resolver uns assuntos na minha terra. Mas volto em breve. Gosto muito de ti, Campeão. E da tua mamã. Gostava de ficar a viver convosco para sempre. Levar-te à escola, assistir às tuas atividades, levar-te a passear.
- Vais casar com a mamã?
Mais uma vez, os adultos se entreolharam.
- Gostavas que o fizéssemos?
- Sim. E depois eu já podia dizer aos meus amigos que também tenho um papá!
Emocionados, os dois adultos abraçaram a criança.