A
tarde já ia a meio quando o clínico estacionou junto da cerca que rodeava a
casa. Há mais de duas horas que parara de chover, e o vento acalmara bastante, soprando agora com pouca intensidade. A tempestade
passara, mas demoraria ainda algum tempo até que os seus efeitos no rio, nas
árvores arrancadas pela raiz e nas casas destelhadas desaparecessem.
-Boa
tarde, doutor, - saudou Luísa ao abrir a porta ao médico.
-Boa
tarde Luísa. Peço desculpa pela demora, mas tive que ver dois doentes de última
hora. Onde está o doente?
-Por
aqui doutor - disse encaminhando o médico para o quarto.
O
homem agitava-se febril apesar do antipirético que tinha tomado ainda não havia
quatro horas. Depois de um rápido olhar ao doente, o clínico perguntou:
-O
que lhe aconteceu? Há quanto tempo está assim?
Não
sei doutor. Era quase uma da manhã quando o Tejo começou a arranhar a porta e a
ladrar aflitivamente. Fui ver o que se passava, e encontrei-o meio inconsciente
à entrada da cerca.
-Não
pensou chamar uma ambulância e mandá-lo para o hospital?
-
Não me ocorreu, só pensei que precisava de um banho e uma bebida quente. Hoje
disse-lhe que ia fazer isso e ele suplicou-me angustiado que não o mandasse para
o hospital.
- Muito
bem, vou examiná-lo.
- Obrigado.
Aguardo lá fora, se for necessário alguma coisa basta chamar.
Saiu do quarto fechando a porta atrás de si. Não soube quanto tempo esperou até que o médico saiu, mas a
espera pareceu-lhe interminável. Uma vez na sala, o médico disse:
-
Parece tratar-se de um estado gripal, mas continuo a pensar que devia ir para o
hospital. Lá lhe fariam exames para despistagem de outro tipo de problemas, coisa que eu não lhe posso fazer aqui.
-Será
que a gripe foi causada pela tempestade de ontem? Quando o encontrei estava
gelado e encharcado.
-
Não Luísa, a gripe como deve saber é transmitida por um vírus. O que aconteceu
ontem podia ter-lhe provocado hipotermia e matá-lo de frio, ou
provocar-lhe um resfriado, mas não lhe causaria a gripe. A chuva, o frio e mais do que isso, a exaustão, podem
sim ter acelerado a progressão do vírus que ele já teria em incubação. E então minha amiga,
chamo a ambulância?
-
Não sei doutor, não podia medicá-lo e aguardávamos até amanhã, para ver se
melhorava? Parece ter pavor do hospital, fez-me prometer que não o mandaria para lá.
- Muito
bem, vou aviar a receita e trago-a cá, já que não convém a Luísa, deixá-lo aqui sozinho. Quando eu voltar, vai seguir à riscas o que lhe digo, e amanhã volto a observá-lo. Se melhorar pode continuar o tratamento, aqui em casa, mas caso contrário eu mesmo chamo imediatamente a ambulância. Nunca se sabe quando
não está uma pneumonia em desenvolvimento atrás de uma gripe. Também devo
avisá-la de que o vírus da gripe é altamente contagioso. E pode já estar contagiada.
- Nunca
tive gripe, nem quando há três anos o meu irmão, esteve aqui bastante mal e fui eu que cuidei dele, como o doutor decerto se lembrará.
- Já não me recordava dessa gripe do seu irmão. Mas não se deve fiar muito nisso. O organismo nem sempre tem as mesmas defesas. Então já sabe, siga à risca as
instruções que lhe dei nessa altura. Vou à farmácia e volto já com os medicamentos.