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31.1.20

OS SONHOS DO GIL GASPAR - PARTE XXXIII


A tarde já ia a meio quando o clínico estacionou junto da cerca que rodeava a casa. Há mais de duas horas que parara de chover, e o vento acalmara bastante, soprando agora com pouca intensidade. A tempestade passara, mas demoraria ainda algum tempo até que os seus efeitos no rio, nas árvores arrancadas pela raiz e nas casas destelhadas desaparecessem.
-Boa tarde, doutor, - saudou Luísa ao abrir a porta ao médico.
-Boa tarde Luísa. Peço desculpa pela demora, mas tive que ver dois doentes de última hora. Onde está o doente?
-Por aqui doutor - disse encaminhando o médico para o quarto.
O homem agitava-se febril apesar do antipirético que tinha tomado ainda não havia quatro horas. Depois de um rápido olhar ao doente, o clínico perguntou:
-O que lhe aconteceu? Há quanto tempo está assim?
Não sei doutor. Era quase uma da manhã quando o Tejo começou a arranhar a porta e a ladrar aflitivamente. Fui ver o que se passava, e encontrei-o meio inconsciente à entrada da cerca.
-Não pensou chamar uma ambulância e mandá-lo para o hospital?
- Não me ocorreu, só pensei que precisava de um banho e uma bebida quente. Hoje disse-lhe que ia fazer isso e ele suplicou-me angustiado que não o mandasse para o hospital.
- Muito bem, vou examiná-lo.
- Obrigado. Aguardo lá fora, se for necessário alguma coisa basta chamar.
Saiu do quarto fechando a porta atrás de si. Não soube quanto tempo esperou até que o médico saiu, mas a espera pareceu-lhe interminável. Uma vez na sala, o médico disse:
- Parece tratar-se de um estado gripal, mas continuo a pensar que devia ir para o hospital. Lá lhe fariam exames para despistagem de outro tipo de problemas, coisa que eu não lhe posso fazer aqui.
-Será que a gripe foi causada pela tempestade de ontem? Quando o encontrei estava gelado e encharcado.
- Não Luísa, a gripe como deve saber é transmitida por um vírus. O que aconteceu ontem podia ter-lhe provocado hipotermia e matá-lo de frio, ou provocar-lhe um resfriado, mas não lhe causaria a gripe.  A chuva, o frio e mais do que isso, a exaustão, podem sim ter acelerado a progressão do vírus que ele já teria em incubação. E então minha amiga, chamo a ambulância?
- Não sei doutor, não podia medicá-lo e aguardávamos até amanhã, para ver se melhorava? Parece ter pavor do hospital, fez-me prometer que não o mandaria para lá.
- Muito bem, vou aviar a receita e  trago-a cá, já que não convém a Luísa, deixá-lo aqui sozinho. Quando eu voltar, vai seguir à riscas o que lhe digo, e amanhã volto a observá-lo. Se melhorar pode continuar o tratamento, aqui em casa, mas caso contrário eu mesmo chamo imediatamente a ambulância. Nunca se sabe quando não está uma pneumonia em desenvolvimento atrás de uma gripe. Também devo avisá-la de que o vírus da gripe é altamente contagioso. E pode já estar contagiada.
- Nunca tive gripe, nem quando há três anos o meu irmão, esteve aqui bastante mal e fui eu que cuidei dele, como o doutor decerto se lembrará.
- Já não me recordava dessa gripe do seu irmão. Mas não se deve fiar muito nisso. O organismo nem sempre tem as mesmas defesas. Então já sabe, siga à risca as instruções que lhe dei nessa altura. Vou à farmácia e volto já com os medicamentos.



4.12.19

OS SONHOS DE GIL GASPAR. - PARTE XXII




Estava-se de novo em Dezembro, o ano tinha passado a correr, dentro de dias Mariana comemorava o seu primeiro aniversário.
Gil tinha sido convidado para dar uma conferência na Universidade do Minho, evento que acontecia naquela tarde de Sexta-feira, dia quatro de Dezembro. E que como todas as que já dera estava a ser muito participativa, apesar da tempestade que assolava o país.
Mais tarde foi rodeado pelos alunos que queriam autógrafos e saber qual era a sua opinião em relação às novas tecnologias na escrita. Acreditava ou não que os livros em papel iam desaparecer no futuro. E não seria isso bom para o planeta sabendo-se que muitas árvores precisam ser arrancadas para escrever os livros. Gil não acreditava no fim do livro em papel por duas razões. Embora considerando que é muito mais prático transportar para qualquer lado uma biblioteca no Smartphone, do que andar com os livros atrás, não dá o mesmo prazer sentar-se num sofá a ler um livro em papel do que no telemóvel. Além de ser muito mais cómodo, para o corpo e para os olhos. Depois as baterias dos Smartphones, Tablets, e afins, causam muito maior impacto ambiental, do que o abate de algumas árvores, que podem ser substituídas em poucos anos. Sem falar que haverá sempre sítios no mundo onde muito dificilmente chegará algum dia a Internet.
Mais tarde foi convidado para o jantar e já passava das dez quando entrou no carro disposto a fazer a viagem de regresso ainda nesse dia.
O temporal continuava sem dar tréguas, o vento soprava forte, fazendo perigar a estabilidade do veículo e a chuva era tão forte que formava uma espécie de nevoeiro que cortava toda a visibilidade. Gil tinha os olhos a arder do esforço que fazia na tentativa de ver alguma coisa, e arrependia-se de não ter passado a noite num hotel, em vez de estar a viajar naquelas condições.
Ele não sabia se havia algum carro à sua frente ou atrás de si tão intensa era a chuva e tão fraca a visibilidade. Por isso o receio de acelerar e provocar um acidente, era o igual ao de diminuir a marcha. Não podia fazer nada mais do que manter-se assim e esperar que à medida que os quilómetros fossem percorridos a tempestade não fosse tão intensa.
De súbito, um relâmpago iluminou tudo à sua volta e Gil apercebeu-se de uma árvore caída para a estrada uns metros mais à frente, tentou travar, mas o carro derrapou, e ele perdeu o controle do mesmo. O automóvel deu umas duas voltas na estrada como se fora um pião e de súbito as rodas da frente deixaram de ter apoio e o carro mergulhou no vazio. Gil mal teve tempo de desapertar o cinto de segurança, abrir a porta e saltar. O corpo rolou entre pedras e ramos de árvores, enquanto ouvia um enorme estrondo que lhe deu a certeza de que o carro tinha embatido em qualquer coisa, talvez uma rocha.
A noite estava escura como breu, a chuva e o vento fustigavam-no.
Pôs-se de pé. Tinha que chegar à estrada, talvez algum carro o conseguisse ver. Mesmo que assim não fosse não podia ficar parado. Tinha que se movimentar. Porém dera apenas dois passos quando perdeu o equilíbrio. Sentiu-se a rolar pelo declive, entre pedras e ramos que lhe rasgavam a carne. De súbito, o corpo parou, a cabeça embatendo numa pedra maior provocando-lhe uma insuportável explosão de dor. Teve um último pensamento para a sua filhinha, e, mergulhou na escuridão.



Fim da 1ª parte



Bom amigos, aqui termina esta história, ou não. Ou seja, eu posso escrever ali apenas a palavra fim, e, cada um imagina e decide se o Gil morreu, ou se alguém se apercebeu do acidente e chamou socorro. Ou posso escrever, fim da primeira parte, e, continuar a história em Janeiro. Vocês decidem. O resto deste mês terão aqui todos os dias histórias de Natal.

10.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXI





Estacionou o automóvel junto à porta e saiu. Percorreu com o olhar o vasto jardim, e franziu a testa, pensando se a jovem já se teria ido embora, porém logo deparou com o carro cinza estacionado junto à porta da garagem e um sorriso distendeu os seus bem desenhados lábios. Subiu os três degraus até ao alpendre e abriu a porta. Ouviu vozes na cozinha e encaminhou-se para lá. Paula e a governanta conversavam animadamente sentadas à mesa, com uma chávena de chá e um pires de biscoitos na frente.
- Bom dia, – saudou.
- Bom dia, senhor. Não o ouvimos chegar, - disse a empregada levantando-se  apressada.
Paula também se levantou. Vestia um fato de calças e casaco de seda azul, com decote em bico, e calçava sandálias de salto. Elegante e muito feminina.
- O que achas do jardim? -perguntou o recém chegado.
- Muito bonito mas não serve para o evento.
- Não? – Admirou-se ele
- Se vieres comigo explico-te.
Saíram e caminharam até ao lago circundado de bonitas flores.
- Bom, supõe que ponho o altar entre aquelas duas árvores, lá ao fundo junto ao muro. Teríamos que por duas filas de cadeiras para os convidados que segundo a lista que me enviaste é de oitenta pessoas. Duas filas de quarenta cadeiras que poderíamos por naquela parte, ali há poucas flores, podem ser transplantadas para outro local e tapar os estragos com pedaços de relva natural. Até aqui tudo bem, mas onde vou colocar as mesas para a festa? Usando mesas redondas precisaríamos de dez mesas grandes, para os convidados mais duas para apoio. Tinha que destruir todo o jardim.
- Já viste a parte de trás da casa? Tem um espaço bastante grande todo relvado até à piscina, que delimita a área entre o lazer e quinta propriamente dita. Não podíamos fazer a cerimónia aqui e a festa lá?
- Vamos ver.
Caminhando lado a lado contornaram a bonita moradia, um belo edifício de dois pisos.
- É uma bela casa- disse a jovem.
-Gostas? Comprei-a há dois anos. Inicialmente porque era um bom negócio, pensava voltar a vendê-la, mas depois decidi ficar com ela. É um local sossegado, tem bons ares, muito espaço para as crianças, é o ideal para uma família, não achas?
Não respondeu de imediato. Não sabia o que se passava com ela em relação ao empresário. Começara por sentir um sentimento de raiva quando soube o que ele fizera ao pai, exacerbado quando o pai lhe pediu para casar com ele. Entretanto a raiva fora sendo substituída primeiro pela curiosidade, depois pela admiração, e mais tarde por uma inquietação, quando falava ou pensava nele. E pensava nele vezes demais para o seu gosto, tanto mais que quase esquecera, Adolfo, o médico com quem mantivera uma relação de quatro anos e cuja traição a levara a querer distância de todos os homens.
De súbito, António agarrou-lhe no braço e parou, obrigando-a a fazer o mesmo.
- Que aconteceu? – Perguntou abrindo os olhos de espanto sem saber se era por ele ter interrompido os seus pensamentos, se pelo choque elétrico que percorria o seu corpo, com a sensação que a mão dele provocara no seu corpo.
- Diz-me tu, - respondeu. -Porque de repente fiquei com a sensação que te ausentaste e me deixaste a falar sozinho.