Naquela manhã do dia 25 de Abril de
74, Rosa olhava-se no espelho e não se reconhecia. Apesar de não ter ainda 50
anos, Rosa estava cada dia mais velha, a face enrugada, os cabelos
embranquecidos, o corpo magro e alquebrado, resultado de ser toda a vida, saco
de pancada da própria vida. Pensava que já não tinha forças para se aguentar muito mais
tempo. A sua família tinha-se desagregado.
Do marido, não sabia há muito,
talvez estivesse preso, ou, quem sabe, tivesse morrido em qualquer prisão. As
filhas casaram e embora não vivessem longe, estavam cada dia mais desligadas da
casa materna, divididas entre o trabalho, o cuidarem da casa e dos filhos.
Dos dois rapazes mais novos, um
conseguiu realizar o sonho de ser fuzileiro e encontrava-se num destacamento no
Lungué-Bungo, no leste de Angola, enchendo de saudade e preocupação o seu
coração de mãe. O outro, que era contra a guerra, fugira de salto para a
França. Restava-lhe em casa um filho, cada dia mais doente, e uma filha
adolescente.
Sacudiu a cabeça, como se quisesse
abandonar todos os seus pesares, e dirigiu-se a casa do Sr. Doutor, onde
ultimamente trabalhava a dias, sem sequer sonhar que no seu País estalara uma
revolução que ia mudar toda a sua vida. Ela não sabia, mas a sua família não era
muito diferente da maioria das famílias portuguesas pois, nessa altura, o País
via-se sangrado da sua juventude. Uns partiam para a guerra do Ultramar, sem nunca saber se voltavam, ou ficavam por lá, vítimas de uma mina ou de alguma bala emboscada.
Outros fugiam para não serem obrigados a partir para uma guerra que não queriam nem entendiam.
Foi com surpresa e medo que Rosa
ouviu da boca da patroa, a notícia da Revolução. Medo porque a
"doutora"- era assim que ela gostava de ser tratada, embora o médico
fosse o marido - lhe deu a entender que a revolução era muito má para o País e
para eles, patrões, que talvez não pudessem continuar a dar-lhe trabalho. Rosa
ficou muito preocupada. Se ficasse sem trabalho, como ia pôr comida na mesa?
Mas quando chegou a casa, o filho explicou-lhe o que significava a revolução de
uma maneira diferente. Falou-lhe do fim da guerra colonial, da abertura das
prisões, do fim da P.I.D.E. e do sonho dum País mais igualitário. E o seu coração sofrido encheu-se de esperança.
Dois dias mais tarde, quando
Rosa chegou a casa, no fim de mais um dia de trabalho, teve uma grande surpresa ao encontrar o seu João. Muito magro,
o cabelo todo branco e o ar macilento, em nada se parecia com o homem com quem
casara. Apenas o brilho nos olhos encovados, lhe lembrava o João de antigamente. Apesar da
alegria do reencontro, Rosa estava preocupada com a saúde do marido. E tinha razão, porque se ele recuperava aos poucos as mazelas físicas, as psicológicas continuariam a
persegui-lo durante muitos anos.
Dias depois, Rosa e João
comemoravam pela primeira vez na sua vida o 1º de Maio em liberdade. E dois meses depois,
podiam abraçar o filho António, que regressara da França, ao saber que o novo
governo estava a negociar a independência das colonias e que, por isso, não
teria que ir para a guerra.
Continua
Para os amigos que já leram o conto, inicialmente ele terminava aqui. Como porém o final não me agradava muito, pois aparecia demasiado repentino, agora ele tem mais um capitulo. O próximo será o final