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18.8.21

SINFONIA DA MEMÓRIA - PARTE VII




A colega despediu-se, depois de mais umas perguntas ao doente:
- Bom, Helena, tenho que ir. Conversamos amanhã.
- Amanhã estou de banco. Ligo-te, quando puder. Obrigada, por me teres avisado.
Helena puxou a cadeira para junto da cama e sentou-se:
- Fico feliz por ver que está em franca recuperação. Cheguei a temer que fosse demasiado tarde quando o encontrei.
- Já me contaram doutora. Sei que lhe devo a vida, e não tenho palavras para lhe agradecer. Foi muito corajosa.
- Não tem nada para agradecer, mas se o quiser fazer, agradeça-me pondo da sua parte todo o empenho numa rápida recuperação. E não me chame doutora. Guarde esse tratamento para a minha colega, que é a sua médica. Trate-me por Helena. Vou deixá-lo. Precisa descansar. Vou passando quando puder, para ver como vai. Sei que está a passar por uma experiência difícil, Tente não ficar desesperado, tenha a certeza de que a equipa médica que o acompanha, vai fazer tudo para o ajudar.
- É um desespero, não saber quem sou. Esforço-me por me recordar de alguma coisa e nada.
- Bom, - disse ela pondo-se de pé. – Tenho que ir, está quase na hora do jantar. Quer que lhe traga alguma coisa, quando voltar?
- Uma cabeça nova, - disse sorrindo pela primeira vez.
Helena, não pôde deixar de notar, como a expressão no rosto masculino, se suavizara com o sorriso. Estendeu-lhe a mão.
- Se isso fosse possível até eu quereria uma, - disse rindo.
Ele apertou-lhe a mão entre as suas, e disse com a voz enrouquecida.
- Obrigado. Nunca vou esquecer o que fez por mim, doutora

Helena não respondeu. Suavemente soltou a mão e virou costas, perplexa com os seus sentimentos. O que é que estava a acontecer com ela? Não podia estar a interessar-se por um desconhecido. Disse a si mesma que era apenas o interesse profissional dum médico pelo doente, e isso tranquilizou-a um pouco. Olhou o relógio. Tinha demorado mais do que queria, estava quase na hora de saída da empregada. Tinha que se apressar. Ainda tinha que passar pela pizaria, tinha prometido ao filho que levaria uma piza para o jantar. A rua fervilhava de gente aquela hora. As montras decoradas, mostravam que se estava quase no Natal e ela ainda não comprara os presentes. Tinha que o fazer no próximo fim de semana.




Parece que os leitores, estão tão às escuras como o sinistrado. Ninguém aventura um palpite?

3.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XV


Tinha chegado a hora de saída.
- Não podes ficar um pouco mais? Ainda temos um bom par de horas para acabar isto. – Disse ele quando viu que ela começava a arrumar a secretária.
- Terá que ficar para amanhã.
- Tens alguém à tua espera?
- E se tiver? O que é que isso tem a ver com o trabalho?
- Podíamos acabá-lo esta noite.
- Não faço serões. Mas se quiseres ficar, estás à vontade. Afinal a firma é tua.  E tens aí todos os documentos. Até amanhã.
Pegou no casaco e na mala e saiu sem lhe dar tempo a responder.
Chegou ao carro ao mesmo tempo que a amiga.
- Estive toda a tarde a pensar em ti – disse Luísa, antes mesmo de pôr o carro a trabalhar. - Estiveram quase duas horas, juntos. Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu que está a analisar o perfil de competência e capacidade de resposta de cada um dos empregados. Especialmente dos chefes, e fiquei com a impressão que se os relatórios que pediu hoje não forem o que espera, vão rolar cabeças.
- Parece estar determinado a levantar a empresa. Isso é bom para todos. Arranjar novos empregos é cada dia mais difícil. Mas e foi só isso? Ainda não te reconheceu?
- Reconheceu-me no primeiro instante que me viu, ainda que fizesse os possíveis para me deixar na dúvida. Hoje foi diferente. Provavelmente porque estávamos sozinhos.
- Queres falar sobre isso?
- Não importa. Parecia querer falar do passado, talvez justificar o injustificável, mas não lhe dei margem para isso. Deixei bem claro que só poderemos falar de trabalho.
- E ele, aceitou?
- Penso que sim, - disse encolhendo os ombros. Pediu-me a pasta dos mapas de pessoal e levamos o resto da tarde a analisar o perfil de cada um.
Tinham chegada à porta de casa de Luísa e como sempre, Tiago já estava à porta com o filho e o afilhado esperando-as.
Cumprimentaram-se, beijou o filho, abriu a porta traseira do carro para o acomodar, instalou-se ao volante e arrancou com um aceno de mão para os amigos. Era aquela a sua rotina diária.
Conduzia devagar, aquela hora, o trânsito era sempre muito intenso, enquanto escutava o filho dizer todo feliz, que tinha sido escolhido para representar um dos Reis Magos, na Récita de Natal com que a escola ia encerrar as atividades do primeiro período, dentro de duas semanas.




4.5.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXXVIII


- E foi tudo o que consegui saber.
As duas mulheres estavam sentadas à mesa da cozinha, cada uma com a sua chávena de chá. Cidália acabara de contar à enteada, tudo o que o marido lhe contara na manhã do dia anterior.
- Meu Deus, como pôde o meu pai acusá-lo de roubo, sem quaisquer provas?
- Não te recordarás,eras demasiado pequena, mas o teu pai era muito apaixonado pela tua mãe. Quando ela morreu, ficou desesperado. Dedicou-se aos negócios como se não houvesse amanhã. Com um único desejo. Esquecer. Tornou-se num homem insensível, cruel mesmo, em certas ocasiões. No escritório ninguém gostava dele, e ele sabia-o, mas isso não lhe importava. Naquela época nada lhe importava, nem mesmo tu. Aliás, disse-me que na altura te culpava indiretamente pela morte da tua mãe, já que ela teve um parto extremamente difícil, e nunca mais ficou boa depois disso. Nessa época, eu ainda não o tinha conhecido, mas quando o conheci, ele era detestável. Penso que descontava nos outros a dor e a raiva, pela perda da mulher amada. Ainda hoje não sei como pude apaixonar-me por ele, mesmo reconhecendo o seu mau génio. Talvez porque como disse Blaise Pascal, "o coração tem razões que a razão desconhece". Porque a verdade, é que apesar de reconhecer o seu mau feitio, me apaixonei por ele quase no primeiro dia em que fui trabalhar para a firma. 
Mas ele não casou comigo por amor. Casou porque percebeu os meus sentimentos e estava cansado e desorientado. Tu eras adolescente, tinhas entrado numa fase de rebeldia, e ele não sabia como lidar contigo.
-Mas, vocês pareciam tão apaixonados!
-Eu estava. E ele fingia na tua frente, porque eu lhe disse que se tu percebesses a nossa real situação não me ias aceitar, e eu nunca podia ser tua amiga e encaminhar-te na vida como ele desejava. Não foi nada fácil a minha vida na altura, mas eu tinha fé no meu amor por ele, e tu estavas faminta de amor, aceitaste-me muito melhor do que eu esperava, e ajudaste-me com o teu carinho. E acabei por conquistá-lo. Mas quando lhe pedi um filho foi outra luta. Ele temia que a história se repetisse, e só acabou cedendo quando lhe disse que se não me dava um filho, queria o divórcio. Mas tenho a certeza de que se me tivesse acontecido alguma coisa, o Miguel iria sofrer o mesmo, ou pior do que tu sofreste.
-Foi muito cruel. Ele perdeu a mulher, eu perdi mãe e pai, numa época em que qualquer criança precisa acima de tudo, do amor dos seus pais.
-Eu sei, querida. E sempre tentei compensar-te com o meu amor.
- Porque não me contaste antes?
- Porque não tinha a certeza se entenderias, tu não perdoavas a teu pai o quase desprezo com que te tratou, e tinha medo de que em vez de melhorar a vossa relação, a minha intervenção a piorasse. Estou a fazê-lo hoje, para que percebas a sua atitude naquela época. O que fez com o António, teria feito com qualquer outro empregado.
-Mas foi uma monstruosidade. Isso pode destruir a vida de qualquer um.
-Sei. E hoje o teu pai também sabe, e vive atormentado pelo remorso,todavia  o seu arrependimento não pode mudar o passado.
Por algum tempo, o silêncio reinou na cozinha. Paula lembrava as palavras do empresário a primeira vez que foi ao escritório, “arruinar o teu pai não paga um décimo do sofrimento que me causou” ou quando dias antes lhe entregara o envelope “desisti da vingança por ti. E também pela Cidália, porque me disseste que foi para ti a melhor das mães, e pelo Miguel que tanto te ama.” Será que realmente ele se importava com ela? Poderiam aquelas palavras no escritório serem realmente um declaração de amor? 
-Imagino que  António Ferreira deve ter sofrido muito, e compreendo a sua raiva - disse Cidália interrompendo-lhe os pensamentos.- Venho de uma família que nunca foi abastada, e sempre me lembro de ouvir meu pai dizer que a riqueza de um pobre era o seu nome honrado. Ele tinha muito orgulho do seu. Por isso entendo o seu desejo de vingança. O que não entendia, e me revoltava era o facto de ele te querer envolver nessa vingança. E que o teu pai, por medo da falência, estivesse disposto a pactuar com isso. Era imoral.


Porque amanhã é dia das mães, esta história volta Segunda-feira

13.3.18

A TRAIÇÃO - PARTE XVII




Antes do almoço, Odete telefonou à mãe, querendo saber como se encontrava, e informando que só iria vê-la no dia seguinte, pois estava em viagem com o marido.
- Acalma-te. Já te disse que a tua mãe está em boas mãos. Já falaste com o teu pai?
- Já. Mas não lhe falei da gravidade do estado dela. É melhor dizer-lhe quando chegar, talvez amanhã à noite, ou na segunda. Tive receio de que ficasse nervoso e tivesse algum acidente. 
-  Vamos almoçar. Não deves ter comido bem nos últimos tempos, estás mais magra. Não ajudas em nada a tua mãe se adoeceres.
A sua voz, soou calma, quase carinhosa, e a jovem não pode deixar de recordar o dom que ele tinha de a acalmar e lhe transmitir segurança, quando andava mais nervosa, por causa dos estudos. Que se passava com ele? Porque não pedira o divórcio? Se amava Inês porque estava sozinho? E porque a obrigara a voltar para casa? Pensaria ele que com a sua volta, salvaria o casamento? Na cabeça de Odete havia um mar de interrogações. E no coração continuava cravado o espinho da traição. Terminou o almoço quase sem dar por isso, tão embrenhada estava nos seus pensamentos.
Finda a refeição, voltaram para o carro. O sol brilhava lá no alto, o calor fazia-se sentir impiedoso. Odete voltou a pensar na mãe. Aquele calor cansava a mais saudável das pessoas, quanto mais a debilitada senhora.
Já no carro, em direção a Aveiro, ela resolveu que devia informar o marido, das suas intenções futuras.
- Quero que saibas que o ter voltado para casa, não me obriga a estar nela todo o tempo. Vou começar a procurar trabalho, não tenho paciência para levar todo o dia armada em fada do lar.
- Nem há necessidade disso. Adélia, a empregada é muito competente, trata da casa com esmero. Tem trabalhado só meio -dia mas pode passar a trabalhar todo o dia. Tenho a certeza de que ela não se importará. E se queres trabalhar, porque não? Nunca restringi a tua liberdade, não será agora que vou fazê-lo.
Odete soltou uma gargalhada forçada.
- Obrigas-me a viver debaixo do mesmo teto que tu. E dizes que sou livre? Estranha noção de liberdade a tua.
- Como obrigo-te? A decisão foi tua.
- Chantageaste-me.
O rosto masculino empalideceu. Não respondeu. Não podia censurá-la, se ele próprio não se sentia bem com o que fazia. Mas tinha uma desculpa. Amava-a, e queria-a de volta. Afinal sempre ouvira dizer que no amor e na guerra, todas as armas são legítimas. E ele lutaria com aquelas que lhe fossem mais favoráveis. O único receio que tinha, era de que naqueles anos de ausência ela se tivesse interessado por outro homem mais jovem. Os dez anos que os separavam sempre o incomodaram.
O resto da viagem decorreu em silêncio, concentrados que estavam nos seus pensamentos, cada um tentando adivinhar e analisar o que o outro sentia.


9.3.18

A TRAIÇÃO - PARTE IX




- Enganas-te. Para o caso de não te lembrares, não nos divorciámos, por isso continuamos casados. Vai. Fala com a tua mãe, e depois pensa no que te disse. Tens vinte e quatro horas para tomares uma decisão. Amanhã por esta hora espero-te em casa. Mas lembra-te que só depende de ti, o internamento e cirurgia da  tua mãe.
- Porquê João? Porque me queres na tua casa?
- Parece-me óbvio, não? Primeiro porque ainda somos casados, e não me agrada que a minha esposa se perca pelo mundo, sem que eu saiba como vive e com quem vive. Segundo porque a casa também é tua. Mas agora vai. Parece que te esqueceste que a tua mãe está lá fora ansiosa, e isso é perigoso para o coração dela. Amanhã em casa conversamos.
-E se a minha mãe não quiser ser operada? - Perguntou
- Nesse caso, nem tu nem eu podemos ser responsabilizados pelo que lhe acontecer. Até amanhã, Odete, - disse levantando-se e dirigindo-se ao gabinete ao lado, dando a conversa por terminada. Não queria que a sua expressão o traísse. Pensou que aquela era a hipótese meio maluca de recuperar a sua esposa. Com ela em casa, talvez ele conseguisse entender o que a tinha levado a abandoná-lo, e quem sabe o que podia acontecer com os dois debaixo do mesmo teto. O povo não dizia que onde há cinzas há fogo? Porém se a mãe dela, optasse por não ser operada, isso deitaria por terra o plano desesperado que arquitetara ao vê-la.
 Odete levantou-se e dirigiu-se à saída. Antes de abrir a porta que dava acesso à sala de espera tentou afivelar no rosto um sorriso, para não afligir mais a mãe. Mas sentia-se morta por dentro. Tinha sido para ela muito difícil ter de recorrer ao ainda marido, mas a vida da mãe era mais importante que o seu desejo de não voltar a vê-lo. Mas nunca pensou que João fosse fazer chantagem com ela. E como é que ela ia viver de novo na mesma casa que ele, sem acabar de destruir o seu próprio coração? Porque apesar dos quase quatro anos, de afastamento, o seu amor por ele continuava tão intenso como no dia em que abandonara o lar.
- Vamos, mãe? Como te sentes?
- Cansada, filha. Muito cansada.