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31.1.21

29.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE X



Quando voltou depois de almoço, encontrou em cima da secretária, uma caixa com papel de impressora, que ela abriu para tirar algumas folhas e guardar as restantes. Acabara de ligar o gravador, quando ele entrou no escritório.

- Olá. Já viu o papel?
- Sim. Já o guardei. Acabei de verificar que já cheguei ao fim do que estava no gravador. A cópia, está impressa e arquivada numa pasta.

- Muito bem. Gostaria que lesse para mim. Há muito tempo que não leio um livro.
- E tem algum preferido?
- Sim. Tinha comprado “Os poemas possíveis” de José Saramago, que não cheguei a ler. Deve estar algures nessa estante. Gosta de poesia?
- Sim, embora não conheça o livro em questão, mas procuro-o já.

Percorreu a estante até encontrar o que ele pediu. Sentou-se dizendo:
-Aqui está. Posso começar?
-Por favor.

Processo (a)
As palavras mais simples, mais comuns, 
As de trazer por casa e dar de troco, 
Em língua doutro mundo se convertem: 
Basta que, de sol, os olhos do poeta, 
Rasando, as iluminem. 


Com voz pausada, ela foi lendo, um após outro, os poemas do autor, perante o silêncio dele. Um quarto de hora depois foi interrompida.
- De momento chega. Importa-se de conversar um pouco? A Isabel lê muito bem. Sente o que está a ler. E decerto, este não é o tipo de poeta, que uma jovem prefere.
- Porquê?
- Pelo que me leu, não são poemas de amor  e esses são normalmente, os que as jovens mais gostam de ler.

- Realmente nunca tinha lido poemas de José Saramago, embora tenha lido muitas  das suas obras em prosa. Mas contrariamente ao que diz, senti, que eram poemas de amor. De amor à liberdade, à fraternidade, e à luta por um mundo melhor. É talvez um amor diferente, mas nem por isso deixa de ser amor.

- Tem um excelente sentido de análise. Não é muito vulgar nas jovens de hoje.
- Talvez eu nem seja tão jovem assim. Ou talvez tenha tido um bom mestre, - respondeu perscrutando-lhe o rosto, tentando adivinhar alguma emoção.
- E teve?
- Sim. Um grande amigo, que me iniciou nas leituras, ensinando-me a buscar o 
verdadeiro sentido daquilo que lia.

Será que ele se lembraria dela? De quando leram juntos, os "Contos da Montanha" de Miguel Torga, ou "Por Quem os Sinos Dobram"  de  Hemingway? Ou ainda como lhe ensinou a gostar de Saramago, lendo-lhe "Levantado do chão" e explicando-lhe um Alentejo sofrido e lutador, que ela não conhecera e ainda não dera na escola.  Dos livros que lhe emprestou, e que ela lia com sofreguidão, só pensando em estar à altura dele? Se o fez, não deixou transparecer no seu rosto nenhum sinal visível.
- Pode-se dizer então, que gosta muito de ler.
- Gosto? Sou uma leitora compulsiva.



(a) - José Saramago, em "Os poemas possíveis". 3ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 1981.

27.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE IX


Nessa noite, pegou no último livro de Tomás Reis, "Sonho ao luar," e releu algumas páginas.
Estava quase convencida que tinha descoberto o pseudónimo de Hélder Figueiredo.
Pesquisou o autor, na Internet, mas a única coisa que encontrou, foi o nome dos vários livros, publicados e o nome da editora. Nem uma fotografia, nem a idade, nada que o identificasse. Era muito estranho.

Apesar de ter adormecido tarde, acordou cedo. Tomou banho, vestiu -se e foi para a cozinha preparar o pequeno-almoço. Preocupou-se por não encontrar a avó, que sempre se levantava cedo, e foi ao quarto, onde também a não encontrou. Começava a ficar assustada quando a porta se abriu e a avó entrou com o missal na mão. Tinha ido à missa das sete. Era o dia do aniversário da morte do marido.

Isabel, acabou de fazer as torradas, aqueceu o leite para a avó, e fez um sumo de laranja para ela.
Acabada a refeição deu um beijo na idosa, e saiu apressada, pois faltavam apenas trinta minutos para as nove horas.
Encontrou Hélder com outro homem que lhe apresentou como sendo o seu advogado. Ele estendeu-lhe o contrato que ela leu e assinou. Depois despediu-se e partiu.

- Continuo com o trabalho de ontem? – perguntou quando ficaram sós
- Sim. Preciso desses capítulos acabados. Vou à cidade. Precisa alguma coisa?
- Há pouco papel para impressão.
- Mais alguma coisa?
- Penso que não.

Ele saiu, enquanto ela ligava o computador, a impressora e o gravador, iniciando assim o seu dia de trabalho.
Às onze horas, Antónia, apareceu com um chá e biscoitos.
Porém ela estava demasiado entusiasmada, com o livro, pelo que bebeu apenas o chá e continuou o trabalho.
Quando acabou de imprimir a última folha, desligou o gravador, organizou as folhas imprimidas, furou-as e arquivou-as numa pasta.

Olhou o relógio. Hora de almoço. Desligou o computador. Hélder, ainda não tinha voltado, não podia esperar, ele podia decidir almoçar na cidade 

                                                    

26.1.21

POESIA ÀS TERÇAS - ESTOU CANSADA



 

ESTOU CANSADA

 

 

Estou cansada

dos homens que adormecem ao sol

como lagartos.

Estou cansada dos ideais esquecidos

condenados sem nenhum recurso

nas mentes abarrotadas de ambição

dos líderes políticos.

 

Estou cansada

das aldeias, de terras abandonadas

regadas

pelas lágrimas ardentes

de idosos sem forças

 pobres, solitários e doentes.

 Estou cansada de mulheres sofridas

que morrem às mãos

de quem jurou amá-las

E de crianças que não sabem rir

órfãos da vida e de sonhos

com a fome a corroer-lhe as entranhas

 

  Estou cansada

  dos operários submergidos no desespero

  dos salários de miséria

  que tornam caricato o pensamento

  dum sol que nasce igual para todos.


     Estou cansada

     das promessas das campanhas eleitorais

     De políticos incompetentes

     Ou corruptos

     Para quem o povo nada importa.

     Estou cansada desta hipocrisia

     que corre em linhas de incerteza

     nos lábios dos homens sem tempo

     nem idade.

 

 

Elvira  Carvalho

 


25.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE VIII

 


Pela primeira vez, viu no seu rosto um leve sorriso.
- Bom parece que está empenhada em mostrar serviço.
- Entusiasmei-me, nem dei pelas horas, - disse ao mesmo tempo que parava o gravador. Imprimiu a última folha, e fechou o computador. Teve vontade de lhe dizer que gostava da história, mas temeu que ele pudesse pensar que estava a intrometer-se.

- Deve estar cheia de fome. Vou pedir à Antónia que lhe faça um lanche.
- Não precisa. Daqui a pouco são horas de jantar. Bom, então até amanhã.
Ele não respondeu. Parecia perdido em qualquer mundo só dele.

Já na rua, a jovem respirou fundo. Tentava recuperar a calma, mas estava difícil. Tinha mais dez anos, era uma mulher adulta, mas no seu íntimo sentia-se como a adolescente de dezasseis anos.

Chegou a casa, tomou banho, mudou de roupa e foi para a cozinha, onde a avó se afadigava a fazer o jantar.
- Senta-te avó. Eu acabo de fazer o jantar. Desculpa, estive toda a tarde a redigir o novo livro do Hélder. Ainda não descobri o nome que usa como escritor, já que confirmei na Internet e não existe nenhum livro publicado por Hélder Figueiredo. Dizes que há dez anos não vinha cá?

-Mais ou menos. Lembro que há uns três anos, vi as janelas abertas, mas foi só um dia, não cheguei a vê-lo. Ou veio buscar alguma coisa e partiu de seguida, ou foi alguém a mando dele. Hoje admirei-me de o ver passar para o lado da serra, e fiquei a pensar o que é que fazias lá em casa, se ele não estava. Eu pensava que ias escrever o que ele te ditava.

- Não é preciso que esteja presente, avó. Quando ele tem ideias novas, dita-as para um gravador. Depois eu oiço e redijo. Isto quando se trate do livro. Haverá muitas outras tarefas que não a redação do livro, mas que fazem parte do trabalho de uma secretária.
- Bom, a falar verdade, eu continuo a achar esta ideia maluca. Penso que devias voltar para a cidade, e procurar dar um rumo à tua vida, esquecendo essa paixão de menina, que temo só te traga infelicidade.

- Pode ser avó. Mas tenho que tentar. Não tens ideia de quantas noites, passei sem dormir a pensar nele. Se não o esqueci, quando não sabia nada dele, como vou esquecê-lo agora, que o tenho aqui e  sei que precisa de mim.
- Temo que confundas piedade com amor, filha.
- Não te preocupes. Sei a diferença. A comida está pronta. Vamos jantar?






24.1.21

DOMINGO COM HUMOR


 













Hoje é um dia de dever cívico um dia importante porque se trata de dia de eleições e quase estive para não apresentar esta rubrica. Porém pensando bem é tão importante rir um pouco como ir votar. Assim que me desculpem aqueles que se sentirem ofendidos


23.1.21

PORQUE HOJE É SÁBADO



Victor Da Silva & Anna Melnikova ‘I am not There’ The London Gala Ball 2020


Não se esqueçam de que votar é um dever de cidadania. E não esqueçam também, as máscaras e a caneta! E por favor não aproveitem a saída para ficar na rua em conversas com amigos ou vizinhos. 


Bom fim de semana

22.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE VII


Três dias depois, no início da tarde, o telemóvel tocou. Não conhecia o número. Com mão tremente atendeu.
- Estou!
- Isabel Antunes?
-Sim
- Hélder Figueiredo. Está disponível para vir a minha casa, agora?
- Sim, claro. Vou já para aí.

Virou-se para a avó.
- Chamou-me. Não te esqueças que não deves dizer a ninguém, que estou cá.
 -Isto não está certo, filha. As pessoas conhecem-te. Vens para cá todos os anos. 
- Não te preocupes. Desde que não o digas ao casal que vive com ele, não estou a ver ninguém que lho vá dizer.

Pouco depois estava no escritório.
- Boa-tarde, senhor.
- Boa-tarde, Isabel. Se ainda está interessada no emprego, ele é seu. Pode começar amanhã às nove? O meu advogado deve trazer ainda hoje o contrato. Ou talvez amanhã de manhã. Tenho uma boa parte do meu próximo livro, gravado e espero que o consiga redigir rapidamente.
- Darei o meu melhor, senhor.
- Por favor, esqueça o senhor. Trate-me por Hélder.
- Se desejar, poderei começar agora mesmo a redigir, o livro. Não tenho nada para fazer de momento e posso adiantar já. É só dar-me o gravador.

Ele parecia surpreso.
-O gravador está na gaveta da direita.
- Redijo só para documento, ou deseja que imprima também?
- Preciso de uma cópia impressa, além da cópia em documento que deve ficar no computador e guarde outra cópia do documento numa pen drive
- Muito bem

Ela dirigiu-se ao computador que abriu, verificou a impressora, pôs-lhe papel, retirou o gravador e ligou-o. Começou a escrever, aquilo que ouvia. Segundos depois ouviu a porta bater e reparou que estava sozinha no escritório.

Trabalhou sem descanso durante duas horas, e depois deu-se um pequeno descanso. Continuava sem saber o pseudónimo dele, mas o que tinha ouvido era muito interessante, e o estilo lembrava-lhe o do seu escritor favorito, Tomás Reis.

Tomás Reis, o escritor mistério cujos livros eram  “best-seller” mas que ninguém conhecia. Seria Hélder o misterioso autor? Seria pelo facto de ter cegado que não se deixava conhecer? E que acontecera para ter perdido a visão?
 
Teria sido um acidente? Doença? Como ela desejaria saber. Porém de uma coisa tinha a certeza. Se queria manter-se junto dele, não podia fazer perguntas. Teria que ganhar a sua confiança para que as confidências pudessem chegar.
Retomou o trabalho, e ainda teclava quando às sete horas ele regressou ao escritório.

20.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE VI

 


Isabel abriu o portão e disse ao homem que estava no jardim, que ia por causa da vaga de secretária. Ele pediu-lhe para esperar, e entrou em casa. Voltou pouco depois e levou-a ao escritório. Ela ia olhando para a casa. Estava bonita, mais moderna, mas mais impessoal. Tão diferente daquilo que ela se recordava.

O homem abriu a porta, deu-lhe passagem e fechou-a atrás dela. Na sua frente, Hélder encontrava-se recostado num cadeirão, com o cão a seu lado. Tinha vestido umas calças cinzentas, e um polo azul-escuro.

Mentalmente fez as contas. Se ela tinha vinte e seis anos, ele tinha trinta e seis. Parecia mais velho. Tinha já alguns fios de cabelo branco. O rosto moreno, continuava bonito, apesar dos óculos escuros, que escondiam os outrora brilhantes, olhos castanhos.

- Bom-dia, - saudou. - Venho por causa da vaga de secretária.
- Bom-dia. A agência não me informou de que tinham mandado alguém.
- Bom, é que não vim mandada pela agência.
- Como assim?
- É que ouvi um comentário no talho, em que diziam que estava à procura de uma secretária. Eu estou a trabalhar num escritório de advocacia na cidade, mas como moro aqui se conseguisse empregar-me cá, era muito melhor para mim. Assim resolvi tentar a minha sorte.

- E diz que trabalha num escritório de advocacia? Naturalmente vai dar-me o nome e número de telefone para que possa confirmar e tomar referências.
- Claro, sem problema.
- Bom, se decidir dar-lhe o lugar, quero que saiba que não quero mexericos, não quero saber que a minha vida ande na praça pública. Também poderá, uma ou outra vez, sair mais tarde. De qualquer modo será sempre compensada monetariamente cada vez que o seu dia, vá para além do  horário normal.

- Não tenho por hábito falar da vida de ninguém,- retorquiu ela
- Já nos conhecemos? Parece-me que reconheço a sua voz, - disse franzindo a testa, como a procurar recordar-se.
 - Passei por si, ontem na praia e saudei-o. Deve ser daí – apressou-se a dizer Isabel.
- Talvez, – não parecia muito convencido. - Como disse que se chamava?
- Não disse. Chamo-me Isabel Antunes.

Era o apelido de sua mãe, antes do casamento. Tinha a certeza que apesar de não poder mudar o nome, ele não associaria aquele apelido a ela. Se é que ele se lembraria dela.
- Bom, deixe-me os seus dados, e o número de contacto. Terá notícias em breve.
Ela já estava preparada para isso. Retirou a folha da mala e estendeu-lha. Ele rodou o braço na procura do papel e encontrou-o.

- Bom dia, senhor, - disse ela voltando-se e encaminhando-se para a porta. Abriu-a e saiu. Mal chegou ao jardim ligou para o escritório e falou com a telefonista da empresa, dizendo-lhe que era provável que lhe ligassem para pedir referências sobre ela. Devia dar as melhores, como secretária, e de maneira nenhuma dizer que era advogada. Só então se dirigiu à casa da avó.
“A sorte está lançada. Vamos ver onde me levará” – murmurou.

19.1.21

POESIA ÁS TERÇAS - REGRESSO - ROGÉRIO PEREIRA


Recebi há dias, numa prova de amizade,  e gentileza do nosso amigo Rogério Pereira, do blogue  Conversa Avinagrada este livro de poesia.  Quem me conhece, sabe que gosto imenso de poesia, mas tenho grande dificuldade em comentá-la. Sempre disse que a poesia,  sente-se não se comenta. 

Muito menos me atreveria a comentar o conteúdo deste livro, onde o poeta, que se assume como um Ser indivisível da sua Alma e do seu Contrário, deixou a segunda bem expressa em cada verso, nos poemas deste livro.


 REGRESSO

Pediram-me que fosse árvore,

com olhos de implorar...

Não uma árvore qualquer, 

mas com ramos de abraçar,

tronco forte

bem enraizado,

suavemente inclinado.


Aceitei e gostei.

Gostei que o vento me sussurrasse.

Uma ave em mim pousasse

escolhendo-me para seu ninho.

Gostei de me sentir enorme, gigante

dando conforto e sombra à caminhante.


Gostei de me desnudar, perder folhagem

atapetando a paisagem

Gostei de sentir a seiva quente

percorrer-me como quando era gente...


Aí, senti saudade de voltar

e voltei em festa...

Quem antes via apenas a árvore, 

pode agora ver, através de mim, a floresta



Rogério Pereira

18.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE V

 





Ferveu o leite, fez o café, pôs manteiga nas torradas, e finalmente sentou-se em frente à avó. Comeram em silêncio, a jovem não se atrevia a dizer à idosa, o que tão bem planeara à noite. Quando acabaram, a avó colocou a sua enrugada mão sobre a dela, e disse com ternura:

- Vá lá filha, desembucha. Ou corres o risco de sofrer uma indigestão.
- Como é que sabes que te quero dizer alguma coisa?
- Olha, Isabel, eu sou velha, mas não sou cega. Sei que ficaste abalada com o que te contei ontem, sobre o Hélder. Também ainda conservo a minha memória e lembro-me bem como vocês foram inseparáveis noutros tempos. Depois não sei o que se passou, mas os dois fugiram. Tu levaste cinco anos sem voltares, ele levou dez. 

-Nunca te perguntei nada, mas não é preciso ser muito esperta para saber que alguma coisa se passou entre vós. Talvez não saibas, mas sempre que estava por cá, ele vinha-me visitar, fazia-me um bocado de companhia ao serão e eu gostava de conversar com ele. Era como um neto. Esteve ausente, dez anos, voltou e não me veio ver, uma única vez. Pode ser que seja por amargura, por estar cego. Mas pode ser por algo mais que só vocês saberão. E então, agora já podes dizer à tua velha avó o que te atormenta?

- Ó avó, não se passou nada. Eu fiz uma coisa estúpida e ele ficou aborrecido, mas isso foi há tanto tempo que nem já se lembrará.
- E tu, esqueceste? – perguntou a avó perscrutando-a com o olhar.
-Claro avó, - mentiu e teve a certeza de ter corado. Mas a avó não disse nada. Ou não deu por isso ou fingiu que não viu. 
E ela acrescentou:

- Sabes, gostava de tentar a vaga de secretária. Sem ele saber quem sou, mas para isso, não podias dizer nada a ninguém.

A avó sorriu ironicamente

-Queres dizer que trocas a tua carreira de advogada, pela de secretária dele? Pensava que tinhas sentido uma paixoneta de garota, mas vejo que é algo bem mais sério.
-Ó avó não é nada disso. É só que tenho pena dele, e como estou de férias…
- Olha Isabel, se há coisa que me aborrece é que me tomem por tola. Vai lá ver se consegues a vaga, eu não direi nada a ninguém, também o que poderia eu dizer? Que a minha neta, anda a apanhar lenha para se queimar, e eu não sei como protegê-la?
-Obrigado, avó. És um amor, - disse abraçando e beijando a idosa.

                                                

16.1.21

PORQUE HOJE É SÁBADO





Hauser- Piano concerto nº 21   (Mozart)

Bom fim de semana


Nota: Lembram-se, de vos ter falado do Jorge Sineiro do blogue O Sino da Aldeia, e de vos ter dito que era um blogue que valia a pena ler? Bom o Jorge esteve afastado dos blogues 5 anos e quando regressou as coisas não correram bem, o blogue não atualizava o feed e ele desistiu temporariamente. Depois de  muito tentar ele acabou fazendo um novo blogue, uma cópia do primeiro intitulado O Sino de Aldeia. De modo que quem lá foi e gostou, se quiser voltar pode fazê-lo AQUI . Não se arrependerão.

15.1.21

SONHO AO LUAR - PARTE IV



Depois do jantar, como já era tarde, e a avó se deitava cedo, Isabel arrumou as suas roupas e como a noite estava quente resolveu dar um passeio. Enquanto o fazia, pensava no que a avó lhe tinha contado. Hélder estava cego. Como era possível? O que teria acontecido? E era escritor? Ela nunca ouvira o seu nome ligado à literatura, nem vira nenhum livro dele. Decerto usaria um pseudônimo. Mas qual? 

De súbito viu-o no passeio do outro lado da rua, e agora sim, reconheceu o cão guia. Ficou parada no passeio, vendo como o cão parava junto do portão do jardim, que ele abria, e entrava, fechando-o atrás de si.

Sentiu uma pena enorme dele, e dela que em dez anos não esquecera um único dia, a vergonha da rejeição que sofrera, e o amor que desde menina lhe devotava.

Lentamente tomou o caminho de casa, uma ideia martelando na sua cabeça. A avó dissera que ele andava à procura de uma secretária. E se ela fosse essa secretária? Tinha aquele mês de férias, e depois podia pedir férias sem vencimento. Afinal nunca lhe davam casos importantes para defender pois no escritório, todos sabiam que mais cedo ou mais tarde sairia, para ir viver com a avó e montar um escritório passando a exercer lá a sua profissão.

 Mas enquanto montava ou não o escritório, enquanto arranjava clientes, podia ser secretária dele. A questão era que ainda não tivesse preenchido a vaga, e que não soubesse quem ela era. Para isso teria que pedir segredo à avó.

No dia seguinte, falaria com ela. Depois iria, vê-lo e tentar ganhar o lugar de secretária. Talvez quem sabe, ficasse a saber a razão daqueles dez anos de ausência,  do que tinha feito entretanto, e do seu pseudônimo literário. 

Será que ele se lembrava dela? Que guardaria uma boa recordação daqueles tempos, ou ficara tão zangado que a eliminara das suas lembranças?
A noite estava bastante quente. Isabel, tomou banho, enfiou um curto pijama de Verão, e finalmente adormeceu.
 
Acordou cedo. Lavou o rosto, escovou os dentes e dirigiu-se à cozinha, onde encontrou a avó a fazer as torradas.
Deu-lhe um beijo e disse:
- Senta-te avó, eu faço o pequeno-almoço. 

13.1.21

SONHO AO LUAR -- PARTE III



Agora, Isabel tem vinte e seis anos, é advogada, trabalha num escritório de advocacia, e encontra-se de férias, que mais uma vez decidiu passar na casa da avó, que ela adora e com quem está a pensar, passar mais tempo. Na verdade, anda a estudar a hipótese de montar o seu próprio escritório de advocacia, na aldeia.
 
 A terra , tinha evoluído muito nos últimos anos, devido à proximidade da praia e da serra, o que a tornava única para o turismo. Ela nunca fora muito apegada aos pais. A mãe era professora,  e o pai médico, não dispunham de muito tempo para a filha, a quem não faltava nada material, mas faltava o carinho e atenção que uma jovem sensível como ela, necessitava. 

Por isso estava sempre a sonhar com as férias em casa da avó, e talvez por isso se tivesse apaixonado como uma tonta por Hélder Figueiredo.

A avó recebeu-a com o carinho de sempre. Disse que estivera à sua espera para jantar, mas como se fizera tarde e precisava tomar a medicação a horas certas, já jantara. Mas o seu prato estava no forno.

A jovem levou a mala para o seu quarto, lavou o rosto e voltou para a cozinha. Sentou-se à mesa. Enquanto comia ia conversando com a avó. A certa altura disse:

- Não sabia que o teu vizinho estava cá. Vi-o na praia.
- Sozinho? – Admirou-se a avó
- Sim. Estava sentado perto das dunas com um cão.
- Deve ser um cão guia, - disse a avó
- Um cão guia? - espantou-se a jovem. - Para que quer ele um cão guia?
- Ora filha, para que é que um cego, há de quer um cão guia?

Deixou cair o garfo, o rosto sem cor.

-Cego? O Hélder, está cego? Desde quando?
- Não sei. Sabes há quantos anos não o via? Dez anos. Há dez anos que ele não vinha para cá, que não sabia nada dele, quando de repente há três meses, chegou uma carrinha cheia de homens e começaram a remodelar a casa toda. E depois na semana passada, ele chegou com o cão e um casal idoso e instalaram-se. Ainda não falei com ele, mas encontrei-me no talho, com a mulher que vive lá em casa, e conversamos. Disse-me que é a cozinheira, o marido é motorista, e percebe um pouco de jardinagem e o patrão é escritor e está cego.

-Muito amigas se fizeram para que te contasse tudo isso.
-Sabes como é, nestas terras pequenas. Depois eu confessei-lhe que o conhecia desde menino. E sabes que mais? Disse-me que veio para escrever um novo livro e que anda à procura duma secretária para lhe ajudar.


11.1.21

SONHO AO LUAR -- PARTE II

 




Passou os meses seguintes a sonhar com as férias junto da avó, para voltar a vê-lo. E apesar da diferença de idades, e de ele ter menos tempo por estar empregado, todo o tempo livre que tinha, passava-o com ela.

No ano em que fez quinze anos, não o viu, pois nesse ano, ele tinha viajado, com os pais, e as férias foram uma desilusão para ela. E mais um ano se passou, e de novo, chegaram as férias e desta vez ele estava lá. 
Triste, meio deprimido, com a recente morte dos pais num acidente de automóvel, apoiou-se na amizade e alegria de Isabel, e os dois estiveram mais unidos que nunca, ao ponto de na aldeia se dizer, que um, era a sombra do outro.

Isabel tinha acabado de fazer dezasseis  anos, tinha crescido muito, media  mais de um metro e setenta,  mas contrariamente a outras jovens que nessa idade já têm formas bem femininas, ela era demasiado magra, as suas ancas ainda não se tinham arredondado, os seios eram como dois  botões de rosa por desabrochar. Mas naquele peito quase liso,  batia um coração de mulher, que ansiava, por beijos e afagos do homem que amava. 

Sem qualquer suspeita, do que ela sentia, ele via-a apenas como aquilo que era, uma menina. E como tal a tratava. Continuavam a ser amigos inseparáveis, ria-se com as coisas que ela dizia, por vezes zangava-se e repreendia-a, enfim tratava-a como trataria uma irmã mais nova, se não fosse filho único.

Até à véspera da sua partida, altura em que ela tomara uma atitude, da qual ainda hoje se envergonhava.

Confessara-lhe que o amava, e pedira-lhe com todas as letras que fizesse amor com ela, enquanto despia a blusa, mostrando-lhe os seios pequenos e túrgidos, como pequenos frutos, mal despontando da flor.
Inicialmente, ele ficara espantado. Depois começara a barafustar, apertou-lhe o braço com violência, obrigou-a a vestir a blusa, disse-lhe que nunca mais a queria ver, virou-lhe as costas e afastou-se.

Ela chegou a casa da avó com os olhos vermelhos e o coração dilacerado. Felizmente a avó parecera não dar por nada, e no dia seguinte ela regressou a casa dos pais. Durante cinco anos manteve-se afastada da casa da avó, com a desculpa do muito que precisava estudar durante as férias para entrar cedo na faculdade.

Quando se sentiu com forças para voltar, era já uma mulher muito diferente. Tinha vinte e um anos e o seu corpo tal como um botão de rosa que desabrocha numa flor espetacular, tinha-a transformado numa bela mulher. Mas Hélder não estava por lá, como não estivera nos outros cinco anos que se seguiram.