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8.6.20

ISABEL - PARTE XIX






Tanto o cabeleireiro, como o edifício dos correios, e o seu apartamento,   ficavam no mesmo quarteirão, e por isso Isabel não tinha levado carro. Recordou a conversa recente no escritório. 
Era Sexta-feira,  e ela sabia que este era o dia, que normalmente os jovens escolhem para sair à noite. Isabel, raramente saía à noite.
Não lhe apetecia ver os casalinhos a divertirem-se. Não que sentisse inveja deles. O que sentia era pena dela, e esse era um sentimento de que não gostava. Sabia que era uma mulher bonita. Estava habituada a ver a admiração nos olhares masculinos. Mas aproximava-se dos quarenta e começava a pesar-lhe a solidão. Onde estava a vida com que sonhara na juventude? Onde os filhos que tanto desejara? Todas as suas amigas da faculdade tinham casado, tinham filhos. Algumas até se tinham divorciado e voltado a casar.  Só ela continuava sozinha, presa às suas dolorosas recordações. Bom, para ser sincera consigo mesma, a verdade é que desde aquele dia na praia, as recordações, já não eram tão dolorosas assim. Quem seria, e que estranho poder tinha aquele homem que lhe roubara o sossego, com um olhar e pouco mais? Seria como ela um solitário? Onde viveria? Será   que algum dia voltaria a encontrá-lo?
Absorta virou a esquina e esbarrou em alguém, deixando cair os envelopes. Murmurou uma desculpa e baixou-se para os apanhar. O homem fez o mesmo e ao fazê-lo as suas mãos tocaram-se. Ergueu-se rapidamente e nesse momento ouviu a voz rouca, que ultimamente povoava as suas noites de insónia.
- Você? Vejo que continua muito distraída.
 Os olhos cinzentos do homem fixaram-na com tal intensidade, que ela teve a nítida sensação de que ele lia nela, como num livro aberto. Corou. O homem franziu as sobrancelhas e semicerrou os olhos.
- Desculpe - disse ela voltando-lhe as costas, e tentando afastar-se rapidamente do local.
- Espere! - A sua mão forte agarrou o braço de Isabel, obrigando-a a parar. - Não acha que nos devíamos apresentar? Afinal de contas para quem anda por aí a esbarrar um no outro, não podemos continuar desconhecidos. Chamo-me Luís. Luís Teixeira.
Estendia-lhe a mão. Morena, forte e cuidada. Isabel não teve outro remédio que fazer o mesmo. A voz saiu-lhe quase inaudível.
- Isabel Mendes
- Hum! Isabel! Nome de rainha, - disse ele apertando-lhe a mão.
Foi um aperto caloroso que  a fez tremer da cabeça aos pés como se fosse  atingida por uma descarga eléctrica. Inutilmente tentava acalmar-se. Tinha a sensação de que o homem ouvia as loucas palpitações do seu coração. E ali continuava ele na sua frente a olhá-la fixamente como se quisesse ler, alguma coisa nos seus olhos, felizmente protegidos pelos óculos escuros.
Bruscamente Isabel desprendeu-se e quase correu para o edifício dos correios.
Pouco depois, tendo sido já atendida, Isabel dirigiu-se aos expositores de livros, e, fingindo escolher um, lá permaneceu por quase meia hora, e quem sabe não teria ficado mais tempo se entretanto não chegasse a hora do encerramento. Tinha medo de voltar a encontrar aquele homem. Não se reconhecia. Ela que enfrentara com coragem a morte do marido daquela forma brutal. Que lutara pelos seus sonhos mesmo quando não dormia para cuidar dos pais. Que era feito daquela mulher forte, a quem a vida madrasta não assustava? Quem era aquela mulher que tremia feito criança assustada na presença de um quase desconhecido?

24.2.20

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XLII





- Mas tu és um homem famoso e muito rico. Como podes querer alguma coisa comigo? Não tenho mais que este pedaço de chão, esta casa, e a minha arte, que se me dá para viver não me deu fama, nem fortuna. Nem sequer sou uma beleza, como as mulheres com quem decerto estás habituado a conviver.
- Subestimas-te querida. Embora digas que não és uma beleza, és uma mulher muito bonita. O que acontece é que nunca te preocupaste muito com a tua aparência.  Tenho a certeza, de que bastará um pouco de maquilhagem, um novo penteado, e um tipo de roupa diferente, para que o patinho feio que julgas que és, se transforme num cisne esplendoroso, capaz de deixar qualquer uma dessas mulheres de que falas, cheia de inveja.
E para que saibas, um homem não procura só beleza na mulher dos seus sonhos, embora isso ajude muito numa primeira impressão. A minha falecida esposa, era uma mulher de grande beleza e nunca me fez feliz.
Agora chegou a hora da despedida. Conversei com a minha irmã, contei-lhe o que se passou e expliquei-lhe porque não dei notícias. E pedi-lhe para informar a polícia. Levas-me até à vila? Lá alugarei um carro que me leve a casa. Estou ansioso por ver a minha filha, mas já parto com saudades tuas.
Com dois dedos levantou-lhe o queixo e baixando a cabeça apoderou-se da sua boca, pondo naquele beijo toda a paixão que ela lhe despertara.
Ela enlaçou-lhe o pescoço e retribuiu com a mesma intensidade. Quando por fim ele a afastou, ela murmurou baixinho escondendo o rosto no seu peito.
- Faz amor comigo.
Ele afastou-a e mergulhou o olhar cheio de desejo nos doces olhos castanhos.
-Tens a certeza de que é isso que queres?
-Sim - balbuciou voltando a enlaçar-lhe o pescoço, o rosto corado, os olhos brilhantes de desejo. 
Então ele pegou-lhe ao colo e levou-a para o quarto.
Horas depois, despediam-se numa rua da vila.
-Vou manter-me em contato. E aguardar ansioso pela tua resposta.
Agora mais do que nunca, tenho a certeza dos meus sentimentos, e de que quero que faças parte da minha vida.
- Telefona-me esta noite. Quero saber como te sentes depois de reveres a família - respondeu Luísa abraçando-o.
As mãos dele afagavam-lhe os cabelos, os dedos roçando-lhe os lóbulos das orelhas. No seu olhar o desejo misturava-se com uma imensa ternura.
-Amo-te Luísa. Não te quero pressionar, mas por favor não me faças esperar muito!
Então os seus lábios desceram sobre a sua testa, num terno beijo de despedida.
Depois largou-a e afastou-se em direção a uma praça de táxis. Ela sentou-se ao volante, e ficou quieta, olhando como que hipnotizada para as costas do homem que falava com o motorista. Viu como abria a porta e a fechava depois de entrar. Viu o táxi arrancar na direção contrária em direção a Coimbra, e só quando ele desapareceu numa curva da estrada, limpou os olhos à manga da camisola, ligou o motor, fez a manobra de inversão de marcha e regressou a casa.