O último dia daquele mês de agosto, amanhecera quente e com o céu ameaçando a continuação da chuva que se mantinha há vários dias, pois estava-se na época das chuvas, que rapidamente transformara a estrada de terra batida num lodaçal.
Tiago, saíra do pavilhão que lhes servia de residência com Peter, o amigo inglês de clínica geral, Paco o anestesista espanhol, e as duas enfermeiras religiosas, bolivianas, que substituiriam as outras duas que ficaram assistindo os doentes internados, durante a noite. Percorriam com dificuldade os poucos metros que os separavam do pavilhão hospital, dado o estado do caminho transformado num verdadeiro pântano. No país poucas são as estradas de alcatrão.
Os três homens comentavam entre si, que não se compreendia a extrema pobreza dum país, que sendo rico em diamantes e urânio e não chegando aos cinco milhões de habitantes, estivesse entre os mais pobres do mundo. Certo que o facto de não ter saída para o mar, e as suas exportações só poderem navegar pelo rio ate Brazzaville e depois terem que seguir de comboio até Pointe-Noire no Congo, dificulta e encarece as exportações.
Mas esse não é o principal problema. O maior problema do país são os
mais de oitenta grupos étnicos, com outros tantos dialetos, e o seu desejo de
cada um se impor e governar os outros o que leva a constantes guerras tribais.
“Digamos -dizia Paco, - que aqui se encontra a base da famosa Torre de
Babel”
O grupo encontrava-se a uns dez metros do hospital, quando de súbito se
ouviu um som pavoroso, como se um trovão tivesse rebentado ali mesmo e Tiago sentiu-se
projetado no espaço, enquanto sentia como se o rasgassem de alto a baixo. E de
súbito havia apenas um poço negro e Tiago mergulhou nele.
Acordou banhado em suor. Estendeu a mão e acendeu o cadeeiro. Carregou no botão que elevava a cabeceira da cama. Tinha os músculos contraídos e parte do corpo em fogo como se tivesse sido ferido naquele momento.
Pegou no copo e no
jarro de água, mas as mãos tremiam-lhe tanto que entornou sobre a cana uma boa
parte. Da gaveta da mesa-de-cabeceira tirou dois comprimidos de paracetamol que
engoliu.
No início depois que recuperou a consciência no hospital, revivia todas as
noites o acidente, tendo de tomar soporíferos para conseguir dormir. Aos poucos
a situação foi melhorando. Agora havia mais de uma semana que o pesadelo não vinha
atormenta-lo.
Chegara a pensar que enfim se teria livrado dele, e daí que apesar do seu
estado físico, não ter melhorado nada, em relação ao que ele ansiava, tinha-se
sentido mais calmo mais confiante. Mas agora o pesadelo voltara, e cada vez que
isso acontecia, era como se Tiago estivesse a ter o acidente naquele momento.
Ele sentia as mesmas dores, a mesma sensação que o seu corpo iria arder até ao
fim e o mesmo pensamento de que tinha chegado ao fim, não voltaria a ver os
pais nem a noiva.
Encheu de novo o copo de água que bebeu de um trago, como se acreditasse
que a água apagaria o fogo doloroso que o consumia.
Olhou o relógio. Três e meia da manhã. Não dormiria mais. Sabia disso,
tinha meses de experiência. Puxou a almofada para trás da cabeça, fechou os
olhos e assim aguardou o nascer do dia.
Esta história volta depois da Páscoa