Tiago era, antes de ir
para a última missão, um jovem médico de trinta e três anos, um idealista, de
um metro e oitenta e cinco, ombros largos e cintura estreita. No rosto moreno, de cabelos
castanho-escuro, os olhos azuis, herança da avó materna, pareciam dois pedaços
de céu, que faziam suspirar todas as mulheres que o viam.
Filho único, com pais que o adoravam, com uma namorada que lhe dizia que o amava e que ele sonhava ser a sua companheira de vida e a mãe dos seus filhos e a profissão que sonhou ter desde menino, Tiago tinha todas as razões para se
sentir um homem realizado e feliz. Todas menos uma. Não gostava da desigualdade
que havia entre os povos africanos, e alguns asiáticos e o resto do mundo.
Sentia-se um privilegiado e pensava que a sua missão no mundo não era tão egoísta que lhe fizesse ser feliz sem fazer nada, para melhorar de alguma maneira a vida daqueles para quem ela fora madrasta. Fez algumas missões, integrado nos médicos sem fronteiras e nunca se sentiu tão feliz, como ajudando os mais desfavorecidos da sorte. Na última missão em que se integrou nessa organização, no Malawi, conheceu outros médicos que
pertenciam a uma ONG alemã, fez amizade com um deles e disse-lhe que no futuro
ainda iriam trabalhar juntos.
A missão correu bem, e no regresso Tiago pediu a namorada em casamento e
decidiram casar no ano seguinte. Todavia quatro meses depois, Peter, o médico
inglês, com quem fizera amizade no Malawi, telefonou-lhe. Iam partir em breve,
para uma missão na República Centro-Africana e perguntou-lhe se ele queria ir.
Tiago não hesitou. Entrou em contacto com a ONG para ser integrado na
equipa. Quando o disse à noiva, Sandra zangou-se. A missão acabaria quase na
data do casamento e eles precisavam tratar de tantas coisas, não podia deixar
todo o trabalho para ela. Tiago respondeu-lhe que os seus pais a ajudariam no
que fosse preciso, e de resto a missão terminaria dois meses antes da data
marcada, era tempo suficiente para tratarem do que faltasse e não cedeu.
Três meses depois Tiago era atingido pela explosão que o deixou quase morto. Evacuado de avião para o Hospital na Alemanha, foi submetido a várias cirurgias, inclusive algumas de origem estética para amenizarem cicatrizes. Esteve quase um mês em coma e mais quarenta e cinco dias até que os médicos decidiram que podia ser transferido para um hospital português. O rosto não sofrera mais que uma pequena cicatriz na testa e uma maior do lado esquerdo da face que lhe atravessava desde o nariz até à orelha, mas que um cirurgião plástico tinha feito o "milagre" de a transformar em pouco mais de uma linha avermelhada, que provavelmente com o tempo mal se notaria.
A força da explosão apanhara-lhe o lado esquerdo do corpo e as costas. De
alguma forma o braço protegera-lhe o peito, mas no ventre, do lado esquerdo as
lesões desciam-lhe até à virilha.
Tanto na Alemanha, como em Portugal, os médicos asseguraram-lhe que voltaria a andar, embora por causa das lesões sofridas no ventre, não tivessem certeza, de que a sua parte genital e o seu aparelho reprodutor voltariam a funcionar. Foi essa afirmação médica, que o deprimiu e lhe tirou a vontade de lutar para recuperar o movimento das pernas.
De que servia voltar a andar se não voltasse a sentir-se homem. Afinal
estava na fase melhor da vida, ia casar, sonhava com filhos. E como ia dar essa
notícia à noiva? Não seria capaz. Todavia teria de terminar o noivado e
afligia-se com o sofrimento que lhe ia causar. Felizmente, não teve de o fazer,
pois Sandra ao saber que estava paralisado, disse-lhe que não tinha jeito para
enfermeira, gostava de passear, dançar, era jovem, tinha uma vida inteira pela
frente, não se ia prender a um inválido.
Tirou o anel de noivado, pousou-o na mesa de apoio ao lado da cama e saiu
sem esperar resposta, deixando-o a pensar na sua crueldade e em como poderia ter-se
enganado tanto com o caracter da jovem.
Certo que ele mesmo já tinha decidido livrá-la daquele noivado, mas nunca o
faria da forma tão cruel.
7 comentários:
Afinal não estamos só perante uma enfermeira...
Bfds
Na segunda-feira volto para saber o que aconteceu a seguir!
Bom fim de semana!
Vai encontrar de novo o amor e o final vai ser feliz. Bom fim de semana, Elvira e espero que estejas bem de saúde. Um beijinho, querida Elvira
Emilia
Boa tarde Elvira,
Excelente narrativa!
Sandra foi mesmo muito cruel.
Beijinhos e bom fim de semana com saúde.
Ailime
Começamos agora a compreender porque razão o Tiago desistiu de viver...
Mas ou me engano muito ou não tardará muito a recuperar o amor à vida.
Forte abraço, Elvira!
E assim ficámos a conhecer as razões do desalento do jovem médico. Com o sentido prático da enfermeira acho que uns abanões de 'realidade', no sentido de lhe fazer ver que não se luta apenas pelos outros, mas também por nós, ele vai reagir.
Um abraço, Elvira.
Olá, Elvira!
Muito coisa foi agora explicada.
Não tarda o amor tratará todas as cicatrizes.
Beijo, bom domingo.
Enviar um comentário