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3.3.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXVI

 


Dirigiu-se à cozinha, onde Isilda punha o almoço no carrinho que o marido levaria ao doente.

- Joaquim – disse ela, -  se o doente lhe pedir para fechar as cortinas, não o faça. De hoje em diante não mais o quero, no quarto às escuras.

- Está bem, menina. O doutor Azevedo já nos avisou que eram as suas ordens que tínhamos de cumprir e não as do doutor Tiago. Só espero que ele não nos despeça.

- Não poderá fazê-lo. Tudo o que fazemos é em prol da sua recuperação e tenho a certeza de que daqui a uns tempos ele compreenderá isso. Agora pode ir antes que o almoço arrefeça.

-Que lhe disse? – perguntou o doutor Azevedo enquanto se sentavam à mesa.

- Que amanhã iniciaríamos os tratamentos, com ou sem a sua cooperação e que não ia admitir que mantivesse o quarto às escuras.

Creio que nesta fase é necessário contrariá-lo, espicaçar o seu amor próprio, desencadeando-lhe a raiva e o desejo de mostrar que estou errada. Sei que não vai ser fácil e estou preparada para que me agrida verbalmente na tentativa de que faça como as outras profissionais que me antecederam. Quando vir que nada do que me disser me fará desistir, começará a colaborar, quanto mais não seja para que o deixe em paz.

 Oxalá esteja certa. Deixei o plano de tratamentos na gaveta da secretária que está na sala de tratamentos. De qualquer modo, telefonarei amanhã à noite para saber como foi o dia. 

-Pelo que me disse do seu sobrinho, penso que se me mostrar dócil, e me mostrar magoada com a sua atitude, não vou conseguir outra atitude do que aquela que tem tido. E muito menos se perceber que tenho pena dele. Nenhum homem aceita bem a compaixão, muito menos alguém como o doutor Tiago. Ele queixa-se de dores, toma algum tipo de medicação?

-Penso que não. Na última consulta que fez no hospital, receitaram-lhe analgésicos e  antidepressivos. Mas o Joaquim diz que ele se nega a tomá-los. O neurocirurgião, queria enviá-lo para o Alcoitão para a sua recuperação, mas ele recusou e pediu alta. Quanto tempo pensa que ele levará até começar a reagir?

- Não me atrevo a tentar adivinhar. Não será nada fácil. Primeiro ele terá de aceitar o que lhe aconteceu, não só fisicamente, como o fim dos sonhos que teria com a noiva. E entender que a vida segue em frente, só pára quando morremos e que por isso é necessário acompanhá-la. Seria muito mais fácil se ele aceitasse a ajuda psicológica.

Todavia não vi o relatório dos médicos, não sei qual a lesão exata que ele terá. E como o doutor sabe, alguns danos na coluna são irreversíveis, outros são pouco importantes, mas entre os dois existe uma infinidade de lesões mais ou menos graves. Vou dar o meu melhor, mas não posso prometer milagres.

- Os relatórios estão com os pais, mas eu já os li. A cirurgia corrigiu o estrago maior, e segundo eles, não há nenhuma lesão irreversível. Ele tem alguma sensibilidade nas pernas, mas é incapaz de andar, ou mesmo suster-se de pé sem apoio. A opinião do neurocirurgião, é que ele pode recuperar por completo o uso das pernas, mas precisa de muita fisioterapia de estimulação e recuperação além claro, da força de vontade. A fisioterapia que lhe receitei é baseada nessa afirmação.

O resto da refeição, decorreu em silêncio e pouco depois, o doutor despedia-se do sobrinho e partia em direção à capital.


7 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Já ouviu dizer que nunca há um teimoso sozinho, não já??
Bfds

teresadias disse...

A Anabela vai ser capaz...

Elvira, escrever esta história não deve ter sido tarefa fácil. Tem uma linguagem técnica muito própria.
Eu continuo encantada.
Beijo, feliz fim-de-semana, muita saúde.

Tintinaine disse...

Vai começar a guerra em que a única arma usada vai ser a língua! Ele a tentar tudo para correr com ela e ela a dar tudo por tudo para mostrar o que vale!
A coisa promete!

Emília Pinto disse...

Vai ser mais fácil do que parece. Ele só precisa de um empurrãozinho e, na minha ideia, vai sair daqui um grande amor. Bom fim de semana, Elvira e saúde. Beijinhos
Emilia

Maria João Brito de Sousa disse...

Ah, não vai ser mesmo nada fácil, não...

Um abraço, Elvira!

Cidália Ferreira disse...

Ora muito bem. Mais um capitulo maravilhoso e interessante!
.
São estilhaços da vida que me fazem viver
.
Beijo, bom fim de semana.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Além da sua profissão Anabela é também determinada e boa psicóloga.
Beijinhos e saúde.
Ailime