Foto do Incêndio do Teatro Nacional D. Maria II-
foto do DN
Os anos mudam, mas a vida na Seca, como no resto do país nada melhora. Pelo contrário, a repressão é cada vez maior, o medo também. No início desse ano o sogro do Manuel, morre em Lisboa em casa de uma filha.
Na Seca o pessoal continua a sua labuta diária, cada dia mais preocupada com os filhos, pois toda a gente tem um amigo, ou um vizinho cujo filho foi mobilizado para a guerra em África.
Manuel não era racista. Nunca conhecera nenhum negro, mas sabia que existiam e para ele eram criaturas de Deus como ele. Desde que tinha o rádio ouvia algumas vezes uma estação emissora que contava o que se passava nas províncias Ultramarinas. A mulher estava sempre a ralhar pois era muito perigoso ouvir aquele emissor, mas o facto de viver isolado junto ao rio, não era muito credível que por ali andassem os homens da PIDE. Eles preferiam outros ambientes, as tabernas por exemplo, onde os homens com um copito a mais se tornavam mais confiantes e descuidados. Ou os locais de trabalho.
Depois tinham-lhe dito que colocando um copo de água sobre o aparelho, eles não conseguiriam saber o que ele estava a ouvir, desde que o rádio não estivesse com o som demasiado alto. Não sei se havia alguma base científica para isso, sequer sei se seria verdade, mas ele acreditava nisso e fazia-o sempre religiosamente, como quem cumpre um ritual. Depois como em boca fechada não entra mosca, ele não comentava com ninguém o que ouvia.
No Verão desse mesmo ano, Galvão Teles aumenta a escolaridade obrigatória para seis anos, mas aos filhos do Manuel já de nada serve que já estão a trabalhar excepto a do meio que continua a tirar excelentes notas, e que será finalista no próximo ano.
Dir-se-ia que 64 fora o princípio do fim do regime fascista, e da guerra no Ultramar, que nesse mesmo ano se estendeu a Moçambique, com a primeira acção da FRELIMO, em Chai no distrito de Cabo Delgado.
As colónias desde Cabo Verde a Moçambique estão em guerra com Portugal, pelo seu direito à independência.
E esse ano termina com o grande incêndio que destruiu o Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa.