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1.3.16

MANEL DA LENHA - PARTE XXI


Senhas de racionamento.

 Pouco antes do término do racionamento do açúcar,  sem senhas e com falta dele para as crianças, o Manel apostou com o amigo Bernardino, que faria os três quilómetros até à estação dos barcos no Barreiro em menos de 15 minutos. Se ganhasse, o amigo dava-lhe a sua senha para o açúcar. Se perdesse, ele ia sachar uma "courela" na quinta. Feita a aposta o Manuel lá foi a correr, sempre acompanhado pelo Aires e pelo Firmino, dois dos vigias da Seca que o acompanharam de bicicleta.. Percorreu a distância em 12 minutos controlados pelos dois. Ficou estoirado, mas ganhou a senha para o açúcar. E os filhos não tiveram que tomar o mata-bicho amargo.
Em Março desse mesmo ano, acabou o racionamento do açúcar, ao mesmo tempo que o seu preço baixava. Uma boa nova para o Manuel, já que se gastava bastante açúcar com as sopas de café, e até para misturar à banha, com que se barrava o pão para o lanche das crianças.
O chiqueiro continua vazio à espera do leitão que ainda não conseguiu comprar, e o terreno à volta sem cultivar por falta de água.
 Mas ele aprendeu a apanhar no rio Lambujinhas, e canivetes.  Nos seus tempos livres, sempre que a maré estava vazia, o Manuel arregaçava as calças quase até à virilha, pegava uma lata de zinco, e lá se fazia ao lodo. Voltava todo sujo, mas quase sempre com comida para uma ou duas vezes.
Porque se algo atormentava o Manuel, era o pensamento de que a família passasse fome. Tudo o resto era naquela altura de somemos importância para ele. Com a barriga cheia tudo se enfrenta melhor , era o que sempre dizia.
Por vezes, Manuel participava com alguns amigos pescadores na pesca por cerco no rio. Eles espetavam estacas em circulo, numa parte do rio. Presa nas estacas, uma rede. Faziam-no com a maré cheia. Quando ela começava a vazar, todo o peixe que estava no circulo tentava acompanhar a água e ficava preso na rede. Manuel não era pescador, nem o pessoal que vivia na Seca fazia "cercos" Mas como morava ali à beirinha do rio, às vezes dava uma ajudinha aos pescadores, e estes sempre compensavam com uns peixes.
Nas noites quentes de Verão o Manuel senta nas escadas de madeira, que dão acesso ao barracão, pega o filho ao colo, olha as estrelas e sonha. Sonha com um poço, que lhe permita cultivar o terreno à volta da casa, sonha com o porco no chiqueiro, sonha com uma bicicleta, e pouco mais. Manuel anda muito cansado e também preocupado. A mulher nunca mais foi a mesma desde o parto do filho mais novo. Enquanto acaricia o miúdo, ele engole as lágrimas de remorsos sentindo-se culpado. Se ele não quisesse tanto um filho… Se ela não tivesse ficado grávida logo de seguida ao parto da miúda…
Se ele tivesse dinheiro para a levar a um bom médico… se...se...
A vida do Manuel era uma sequência de ses…

16 comentários:

Luis Eme disse...

Um bom retrato de um tempo que desejamos que não volte...

abraço Elvira

Portuguesinha disse...

Caramba! Não está fácil.
Mas de facto, engravidar logo a seguir a um curto resguardo... Não é nada recomendável. Mulheres nesse tempo, ainda me espanta, como podiam viver largos anos! Porque não se ficavam pelos 3 filhos ou 3 gravidezes, ultrapassavam a dezena!

Mas julgava que era mais fácil encontrar na natureza os alimentos. Com um rio ao lado, peixe não falta! Faltará talvez, tempo para pescar. Mas existem armadilhas. Manel e a família podiam viver de peixe o ano inteiro. e quanto à rega, construia uma pipa para guardar a água da chuva. Plantava e colhia.

chica disse...

E esses SEs podem tudo mudar! Tá linda a história! Quanto trabalho e falta de tudo! bjs, chica

Edum@nes disse...

Nesse tempo tal como hoje, era mau para os pobres, mas era bom para os ricos! Pela experiência que tenho da vida. Não tenho saudades dos anos 50. Após a revolução dos "CRAVOS",em 24 de Abril de 1974, a vida dos pobres em Portugal, melhorou significativamente. A pobreza continua, mas, não tão severa como era antes da revolução. Não creio que algum pobre, muito pobre, desse tempo tenha saudades. Como tenho ouvido dizer a alguns pobres de espírito, que no tempo de Salazar, é que era bom!

Tenha uma boa noite, amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

esteban lob disse...

Me recuerda la década de los años 40 en mi infancia chilena. Había racionamiento eléctrico y en los distintos barrios se cortaba la luz por horas relativamente fijas.Lo que más incomodaba a muchos era que no había modo de escuchar radio, a tantos años de la llegada de la televisión y los otros medios actuales de contacto con el mundo.

Rogério G.V. Pereira disse...

Escreves com a memória
e fazes História

Em menino, foram tantas as vezes que percorri esses lugares da margem certa da vida, do Barreiro ao Lavradio, pela Baixa da Banheira e daí até à Moita e ao Chão Duro... eram tempos próximos dos que descreves...

Ontem estive por aí (Biblioteca Municipal do Barreiro), e tudo me pareceu tão diferente...

Portuguesinha disse...

Já lhe respondi por lá :)
Mas depois de sair desta história pensei: " E coelhos? O Manel podia criar coelhos ao invés de outro animal. Reproduzem-se «como coelhos» e tanto dava para criar como para comer" - e achei piada porque, até parece que posso mudar alguma coisa no destino de "Manel" - tal é a vontade que dá de ajudar após ler.

Mas criar coelhos, como aliás tudo o resto, também pode correr mal. Naquele tempo também existiam pragas, que matavam verduras ou animais. Coelho precisa de água e de verdura... Mas se tudo corre-se bem...

Até parece que posso mudar o destino de Manel...!

Bela história sobre o Barreiro, sobe a seca, os costumes e uma saga familiar... em tanto similar a outras.
Estou ansiosa pela conclusão.

Odete Ferreira disse...

Repito-me, Elvira: acompanho a narrativa com muito interesse, sobretudo pelo retrato social de uma época, de um lugar e das suas gentes, pobres de tudo...
Obg por a escreveres e partilhares.
Bjo :)

Anete disse...

Elvira, uma boa noite... Certamente já deve estar dormindo!
Vida sacrificada, sofrida a de Manuel e família. Lembro bem da Piedade no início do conto, muita luta que se estende...
Torcendo para que venha uma virada na sua sorte. Tomara! É muita perseverança e esperanças...

Boa 4a feira. Venha comer um bolinho comigo mais tarde no Vida & Plenitude...
Beijinhos

Pedro Coimbra disse...

As nossa vidas têm sombra vários "se".
Não vale a pena pensar muito nisso.
Um abraço

Isa Sá disse...

A vida é feita de "ses"...

Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

Rosemildo Sales Furtado disse...

Conforme afirmei no comentário anterior, o Manel continua honrando a calça que veste.

Abraços,

Furtado.

Gaja Maria disse...

Meus pais contam histórias parecidas desses tempos. Por qui não havia a Seca do bacalheu mas as fábricas de vidro onde se começava a trabalhar aos 8 e 9 anos e se tinha uma vida dífícil como a do Manuel...

Laura Santos disse...

Que vidas tão difíceis!...Com a mulher doente, e nem ter dinheiro para levá-la a um médico...:-(
xx

Unknown disse...

Muita dificuldade na vida do herói. Narrativa que segue interessante.
Beijo*

Zilani Célia disse...

NOSSA, QUE PENA DO MANUEL.

http://zilanicelia.blogspot.com.br/