Seguidores

18.3.16

MANEL DA LENHA - PARTE XXXV




Iniciava-se a década de 60, a gloriosa década de 60, o mundo inteiro está em mudança, mas em Portugal, a politica de isolamento, castrava à nascença, qualquer indício de modernidade vindo do estrangeiro. Por outro lado a maioria do povo seguia uma vida de miséria, provações e medo.  E na seca, a vida continuava absolutamente igual ao que sempre fora.  A mulher do Manuel, era simultaneamente porteira,e trabalhadora da Seca,  já que era ela quem abria o portão, para o pessoal que vindo do Barreiro, encurtava caminho, passando pela caldeira do Alemão, e seguindo junto ao rio, até ao portão de entrada na Seca, que lhe ficava à porta. Quando passavam as últimas pessoas, fechava o portão à chave, e seguia com elas para o trabalho de lavar, salgar, banhar, estender ou enfardar o bacalhau. À tarde saía um pouco mais cedo para ir abrir o portão, por onde o pessoal passava de regresso a casa. Cabia-lhe ainda, a ingrata tarefa de revistar os cabazes que o pessoal trouxera com o almoço, não fora alguém esconder nele algum bacalhau. Na Seca havia outro portão, que servia para os trabalhadores que moravam na Telha, ou vinham de Palhais, ou Santo António. Era a entrada principal por onde passavam os carros.
Além dos três filhos com pequena diferença de idade, o casal cuidava ainda dum sobrinho, que tinha quase a idade do filho deles, e tinha escrito aos tios, logo que terminou a primária, a pedir para vir morar com eles, pois queria fugir da miséria na aldeia.
No casarão vivia ainda o cunhado mais novo  do Manuel, que entretanto saíra da tropa e fora trabalhar para a Siderurgia no Seixal. Namorava uma rapariga de Palhais, que trabalhava na Seca, queria juntar uns tostões para o casamento e vivendo com a irmã não pagava renda, era mais fácil.
A filha mais velha já trabalhava na Seca, sempre ajudava o orçamento.  Ficou assim a trabalhar na seca durante a safra. O pior eram os meses em que o trabalho na seca estava parado. A miúda já se inscrevera em lojas, mas sempre queriam alguém com experiência e ninguém tem experiência antes do primeiro trabalho.
O pequeno terreno que desbravara ao mato, ajudava com os legumes, e a mercearia ele mandava pôr no rol, que pagava religiosamente quando a próxima safra começava.
A filha do meio estudava na Escola Industrial e Comercial Alfredo  da Silva no Barreiro, porque depois de muito pensar, de pesar os prós e os contras, Manuel decidiu que ia dar à filha a oportunidade de estudar. Pelo menos naquele ano, depois se veria se ela sabia ou não aproveitar a oportunidade. O filho, que finalmente começara a falar como gente, recuperara o tempo perdido, e está agora na 4ª classe no Barreiro. 

18 comentários:

Jaime Portela disse...

Tempos difíceis, os dos anos sessenta, apesar de ser uma década gloriosa. Ainda me lembro das primeiras calças de ganga americanas que tive - LEVIS ou LOIS - que eram contrabando vindo de Espanha. E genuínas, porque nesse tempo não havia contrafação... Para lá, ia café, também genuíno...
Em Viana, onde também havia uma seca do bacalhau, o ambiente social era muito parecido com o que é descrito no texto.
Mais um magnífico capítulo, gostei imenso.
Bom fim de semana, querida amiga Elvira.
Beijo.

Portuguesinha disse...

Gostava de ter os meus por perto, para lhes fazer uma série de perguntas sobre esses tempos. Uma vez perguntei ao meu avô sobre o que tinham para comer e ele respondeu com tanta satisfação e alegria que pode dar à filha uma papa que no tempo dele não existia... Ao ver aquele brilho no olhar, aquela satisfação, senti muito melhor o que devia ter sido esse tempo.

Também existia interajuda e solidariedade como hoje é raro de encontrar. Isso das famílias abrirem a porta de casa a outros familiares distantes, por exemplo. E se ajudarem como podiam. Hoje em dia ninguém quer viver numa casa que tenha mais que os pilares base da família: pai, mãe e filhos. Se aparecerem avós, tios, enteados, primos e demais... provavelmente acabam por ser tratados como intrusos.

Abraço

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Um retrato fiel deste país "pequenino" e a preto e branco como era naqueles anos de repressão económica e cultural.
Um abraço e bom fim de semana.

Isa Sá disse...

A passar para acompanhar a história e desejar um bom fim de semana!

Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

António Querido disse...

Acho que passei pela Caldeira do Alemão, para dar entrada clandestina na Escola de Fuzileiros, no regresso da prova de sobrevivência pelo Alentejo, mesmo junto ao Rio Coina, do lado de Palhais o meu coração batia a 200 à hora, porque se fosse apanhado tinha que estar oito dias a pão e água até chegar o último, grandes bons e maus tempos aquela recruta! Um abraço também ao filho da Escola.

chica disse...

Acompanhando com carinho e atenção teus escritos lindos! Adorando! bjs, chica

Fê blue bird disse...

Amiga Elvira, a sua excelente memória e capacidade de escrita associada é uma lição de história para as gerações que desconhecem o que se passou em Portugal nesta época.

Um beijinho e bom fim de semana

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde, relata a realidade deste pequeno Portugal que tem a grandeza do seu povo, são as memorias dos anos 60 que as gerações mais novas deviam de ter conhecimento para ficarem mais ricos na sabedoria.
AG

São disse...

Os anos sessenta deveria ser devidamente ensinados às gerações actuais!!

Dureza, miséria e falta de liberdade eram o quotidiano no nosso país

Bom fim de semana e abraços

Elisa disse...

Estou sempre por aqui! Estou a adorar Elvira ! Beijinho e um bom fim de semana
elisaumarapariganormal.blogspot.pt

Rafeiro Perfumado disse...

Ainda me lembro de, na primária, ter feio uma visita de estudo à Seca do Bacalhau. Presumo que por esta altura já esteja tudo destruído. Beijinho!

Patrícia disse...

Bom fim de semana minha querida Elvira! Um beijinho grande

www.blogasbolinhasamarelas.blogspot.pt

Edum@nes disse...

Os anos 60 em Portugal e a vida dos portugueses no seus país, nem atava nem desatava. Um país mergulhado numa ditadura, de cujo o seu principal ditador, Salazar, sabia que o povo era mais fácil de dominar, quanto mais atrasado fosse! Por isso tentava tudo por tudo para atrasar o seu desenvolvimento! Sem se preocupar com as Províncias Ultramarinas, onde as populações indígenas começavam a dar sinais de revolta contra a presença dos colonos.Teimosamente, não quis ou soube dialogar com os seus dirigentes, tendo, portanto, acontecido o que mais tarde se verificou. Uma exemplar descolonização? Dizem os responsáveis que a apadrinharam! Continuamos a pagar os erros dum passado longínquo e dum passado recente!

Tenha uma boa noite e um bom fim de semana, amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.

Edum@nes disse...

Corrijo: Não quis ou não soube dialogar!

Rosemildo Sales Furtado disse...

Lendo e gostando como sempre.

Abraços,

Furtado.

Zilani Célia disse...

LENDO.
http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Unknown disse...

A História do chão muito bem contada.
Beijo*

Laura Santos disse...

Que triste a tarefa de ter que revistar os cabazes que traziam com o almoço, para ver se não levariam bacalhau...!
xx