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14.4.23

CICATRIZES DA ALMA - PARTE XXXVIII

 


Quando às dez horas Anabela entrou na sala de tratamentos, Joaquim acabava de ajudar o patrão a deitar-se na marquesa e afastava-se para encostar a cadeira à parede.

- Bom dia, - saudou

Ouviu um resmungo do doente que supôs fosse a retribuição à sua saudação enquanto Joaquim saía da sala fechando a porta atrás de si.

Levou o aparelho das corrente TENS para junto da marquesa e enquanto colocava as esponjas na placa perguntou:

-Como se tem sentido. Ainda tem muitas dores? Sente ou não alguma melhora com os tratamentos que tem feito? Sei que oito dias de tratamentos, são muito pouco para o seu problema, mas gostaria de ter algo para dizer ao doutor Azevedo quando falar com ele logo.

Tiago manteve-se em silêncio.

Ela retirou-lhe a toalha e aplicou as placas nas costas, voltando a colocar a toalha sobre elas.

-Vou ligar agora, avise quando estiver com a intensidade correta.

- Está bom.

Ela parou de rodar o botão e afastou-se para a mesa de trabalho. Pegou no Smartphone e fingiu estar a falar com alguém:

-Bom dia, doutor:

Depois de um curto silêncio como se estivesse a escutar o que lhe diziam do outro lado, continuou:

- Bom doutor, não sei que lhe diga. O doente não fala comigo, nem para me dizer se tem dores, se sente algumas melhoras, se tem frio, fome, calor. Eu sei que não é mudo, por causa das duas palavras que me diz quando ligo as TENS. Mas não sei se perdeu a memória, e só lembra essas duas palavras, se está em greve de conversa, ou se com a explosão ficou surdo e não ouve as minhas perguntas.

- Não seja tonta, - disse Tiago soerguendo o tronco apoiado nos dois cotovelos, - dê-me o telemóvel que eu falo com o meu tio.

-Um momento doutor, eu ligo mais tarde, -disse ela apressando-se a largar o telemóvel e a correr para a marquesa.

-Deite-se. Não sabe que não se pode mexer, que as placas saem do lugar?

Esperou que ele obedecesse, retirou a toalha e reposicionou as placas no lugar, voltando a cobri-lo com a toalha, dizendo em seguida:

-Quando a sessão terminar vamos conversar. Penso que oito dias são tempo mais que  suficiente para me demonstrar que não gosta de mim e não me quer aqui. Aflige-me que me considere tão estúpida. Mesmo uma criança teria entendido isso em muito menos tempo. Mas quer saber de uma coisa? Isso não me interessa nada. Homens teimosos, com a mania de autossuficiência, com um ego maior, que o Monte Evereste, que não os deixa dar um ai, mesmo quando por dentro estão a sangrar de dor, já conheci muitos na minha profissão e tenho a certeza de que o doutor também. E penso que se deve ter sentido desorientado o suficiente com esses doentes, para saber como eu me sinto consigo.

 

9 comentários:

Pedro Coimbra disse...

O que eu gosto de mulheres de armas!!
Bfds

Tintinaine disse...

Passou ao ataque frontal, pode ser que resulte.
Boa sexta que amanhã é sábado!

Emília Pinto disse...

Tratando-o assim, ela vai conseguir amansar o doente. E no fim, vão ficar juntos, pelo menos era o que eu queria. Tu decides, Elvira. Espero que estejas bem de saúde. Um beijinho e bom fim de semana
Emilia

chica disse...

Que doente chato com esse comportamento.Ninguém aguenta! Mas acho ela saberá tratá-lo e fazer deslanchar o tratamento e cura! Tomara! beijos, chica

Maria João Brito de Sousa disse...

Se há forma de arrancar um doente emudecido pelo sofrimento à sua obstinada mudez, a sua protagonista conhece-a bem :)

Um grande abraço, Elvira!

Cidália Ferreira disse...

Ela é exigente! :))
.
Um olhar perdido, desiludido, ou talvez não
.
Beijos, e um bom fim de semana.

Jaime Portela disse...

Uma conversa pode eventualmente desanuviar a teimosia do doente...
Continuo a gostar da história.
Beijo, minha amiga Elvira.

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Um capítulo de que gostei muito desta bela história.
Vamos ver quem vai vencer a batalha.
Beijinhos e saúde.
Ailime

teresadias disse...

A Anabela sabe como gerir o assunto.
Aguardo pela conversa com o "Doutor".
Bjs