Quando às dez horas Anabela entrou na sala de tratamentos, Joaquim acabava
de ajudar o patrão a deitar-se na marquesa e afastava-se para encostar a
cadeira à parede.
- Bom dia, - saudou
Ouviu um resmungo do doente que supôs fosse a retribuição à sua saudação
enquanto Joaquim saía da sala fechando a porta atrás de si.
Levou o aparelho das corrente TENS para junto da marquesa e enquanto
colocava as esponjas na placa perguntou:
-Como se tem sentido. Ainda tem muitas dores? Sente ou não alguma melhora
com os tratamentos que tem feito? Sei que oito dias de tratamentos, são muito
pouco para o seu problema, mas gostaria de ter algo para dizer ao doutor
Azevedo quando falar com ele logo.
Tiago manteve-se em silêncio.
Ela retirou-lhe a toalha e aplicou as placas nas costas, voltando a colocar
a toalha sobre elas.
-Vou ligar agora, avise quando estiver com a intensidade correta.
- Está bom.
Ela parou de rodar o botão e afastou-se para a mesa de trabalho. Pegou no Smartphone
e fingiu estar a falar com alguém:
-Bom dia, doutor:
Depois de um curto silêncio como se estivesse a escutar o que lhe diziam do
outro lado, continuou:
- Bom doutor, não sei que lhe diga. O doente não fala comigo, nem para me
dizer se tem dores, se sente algumas melhoras, se tem frio, fome, calor. Eu sei
que não é mudo, por causa das duas palavras que me diz quando ligo as TENS. Mas
não sei se perdeu a memória, e só lembra essas duas palavras, se está em greve
de conversa, ou se com a explosão ficou surdo e não ouve as minhas perguntas.
- Não seja tonta, - disse Tiago soerguendo o tronco apoiado nos dois
cotovelos, - dê-me o telemóvel que eu falo com o meu tio.
-Um momento doutor, eu ligo mais tarde, -disse ela apressando-se a largar o
telemóvel e a correr para a marquesa.
-Deite-se. Não sabe que não se pode mexer, que as placas saem do lugar?
Esperou que ele obedecesse, retirou a toalha e reposicionou as placas no
lugar, voltando a cobri-lo com a toalha, dizendo em seguida:
-Quando a sessão terminar vamos conversar. Penso que oito dias são tempo mais que suficiente para me demonstrar que não gosta de mim e não me quer aqui.
Aflige-me que me considere tão estúpida. Mesmo uma criança teria entendido isso
em muito menos tempo. Mas quer saber de uma coisa? Isso não me interessa nada.
Homens teimosos, com a mania de autossuficiência, com um ego maior, que o Monte Evereste, que não os deixa dar um ai, mesmo quando por dentro estão a sangrar
de dor, já conheci muitos na minha profissão e tenho a certeza de que o doutor
também. E penso que se deve ter sentido desorientado o suficiente com esses doentes, para
saber como eu me sinto consigo.