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2.2.22

ARMADILHAS DO DESTINO - PARTE VIII


Com o tempo, Luísa aprendeu a empolar o sofrimento, que já de si era intenso, com a intenção de que o marido atingisse mais rápido o clímax, e  deixasse de martirizá-la. E durante algum tempo conseguiu-o. Mas um dia tudo piorou. Nunca soube se ele descobriu, ou se simplesmente estava a perder o controlo sobre a sua doença. Sim, porque ela acreditava que aquilo só podia ser doença.

 O facto é que a partir desse dia, o marido tornou-se muito mais violento. Tinha o corpo cheio de nódoas negras, dos violentos beliscões que ele lhe dava, tinha cada vez mais medo dele, mas as ameaças de morte que lhe fazia mantinham-na amordaçada. E depois a quem recorrer? O pai, - descobrira-o agora - tinha um cancro em fase terminal. Confessou-lhe mesmo, que a única razão de a ter forçado ao casamento com Álvaro, fora a certeza da sua morte próxima, e o medo de que o idealismo de Nuno, mais tarde ou mais cedo, a arrastasse para terras desconhecidas, para o meio da miséria.

  Álvaro era rico, mais velho, cuidaria da sua jovem esposa, faria tudo para que fosse feliz. Fora esse o único pensamento, que o levara a forçá-la a casar com o vizinho.
A compreensão de que não fora por ambição, como ela pensara, que o pai a empurrara para aquele casamento, mas pelo desejo de a deixar protegida, quando partisse, levou um pouco de conforto ao seu coração, mas roubou-lhe a hipótese de lhe demonstrar como estava errado.

Como se diz a um homem que está às portas da morte, que empurrou a filha para um inferno, que fatalmente, a levaria a seguir o caminho, da primeira mulher do genro? Luísa não se atreveu.

A sua dor pela morte do pai, foi como acender um rastilho, que incendiou a perversidade do marido. Durante meses, ela foi sistematicamente violada, sodomizada, submetida às práticas mais estranhas e aberrantes, do sexo.

Emagrecera, o seu rosto estava pálido, os olhos encovados, os cabelos sem brilho. Era prisioneira do marido. Só saía à rua com ele. Sempre vestida de preto. Quando as pessoas se aproximavam para os cumprimentar, sentia a mão do marido como garra apertando o seu braço. O medo era tanto que lhe amordaçava a voz.
Ele desculpava-se com o facto de a esposa estar deprimida pela morte do pai. Os vizinhos olhavam-na com pena, e alguns associavam a sua figura, à da primeira esposa de Álvaro, pouco antes de se suicidar.

Foi na noite do primeiro aniversário de casamento que o marido entrou numa espiral de loucura. O maior medo dela, era quando ele a vendava. Não saber o que lhe ia fazer a seguir, paralisava-a de pânico. Era como se estivesse a morrer dia após dia.
Achando que tudo o que já lhe fizera, não lhe estavam a infringir um sofrimento tal que o excitasse o suficiente, naquela noite, tal como fazia muitas vezes voltou a amarrá-la à cama. Não percebeu o que ele ia fazer, até  sentir uma dor atroz  logo abaixo do ombro, enquanto o intenso cheiro a carne queimada, se lhe introduzia no cérebro, com tal violência que ainda agora parece senti-lo. 

Atada à cama, Luísa gritava de dor e retorcia-se tentando libertar-se. Isso excitou-o de tal modo, que em breve atingiu a plenitude e se deixou cair para o lado suspirando de prazer. Não se preocupou em desatar a jovem, que exausta, chorava de dor e humilhação. Levantou-se, e saiu do quarto. Voltou alguns minutos mais tarde, com um copo de leite, e sentou-se na beira da cama e desatou-a.
- Vá, bebe o copo de leite e descansa. És uma cabra, mas eu gosto de ti. Quero-te bem amanhã.

Não esperou resposta, nem ela se atreveria a responder. Com medo do que se seguiria se recusasse o leite, bebeu-o de seguida e  poisou o copo na mesa-de-cabeceira. 
- Toca a dormir! - Ordenou ele, estendendo-se na cama e apagando a luz.
Cheia de dores, ela mordia o lençol para não chorar. Compreendera que o marido era louco, e tinha medo que o seu choro o excitasse de novo. 

13 comentários:

chica disse...

Afff...quanta raiva me faz sentir um monstro desses. Que nojo! Que ela acorde!!! beijos, chica

José Luís Outono disse...

Horrendo mundo da violência doméstica!
Gosto do traço!

noname disse...

Este conto, não será (infelizmente) tão irreal quanto nos possa parecer.Vai-se tendo conhecimento disso a cada dia e com maior frequência.
Se por um lado, o medo as paraliza, por outro a quem recorrerem?

Bom dia, Elvira

Emília Pinto disse...

Infelizmente, há tantos casos destes!!!! Arrepia só de saber que há monstros destes. Espero que estejas bem e que o resultado dos exames que foste fazer sejam satisfatórios. Um beijinho
Emilia

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Infelizmente um caso muito actual.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Maria João Brito de Sousa disse...

"Aquilo" é mesmo doença! E uma doença que faz vítimas que frequentemente morrem, ora dos ferimentos, ora através da fuga que é o suicídio...


Forte abraço, amiga!

Tintinaine disse...

Doentes da mona há em todo o lado! É fugir deles!

Beatriz Pin disse...

Olá Elvira, nos deija uma historia para não durmir. Pensar que estas cousas se passam na vida cotià é para sentirse terribelmente afectadas como mulheres que somos e cómo podemos ser tratadas.
Melhor sosinhas que ma acompanhadas!
Uma aperta!

Cidália Ferreira disse...

Jesus Cristo!! Que episódio pesado. Mas, acho que também existe na vida real:(
-
A Leveza da mariposa

Beijos, e um excelente dia!

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Tanto sofrimento e dor a vida desta jovem mulher.
E saber que na vida real tantos casos semelhantes acontecem.
Uma tristeza enorme que nem encontro palavras para classificar.
Beijinhos e saúde.
Ailime

teresadias disse...

Custou, mas li.
Um monstro que merece um fim com grande sofrimento. Força, Elvira.
Beijo.

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Como já disse no comentário anterior, essa violência é uma realidade cruciante no mundo, infelizmente!
Abraços fraternos!

João Santana Pinto disse...

É difícil considerar que haja vidas assim… infelizmente acredito que não são assim tão poucas e a Elvira sempre retratou estes temas sem medo.
Falamos de igualdade como se fosse algo que já existe, falamos de igualdade e não nos recordamos que há outros direitos interligados e que as vítimas acabam muitas das vezes por serem induzidas em graves problemas psicológicos a pensar que a culpa é delas e que merecem o que lhes está a acontecer.
Um conto extraordinário, abraço e até já