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28.4.21

CRISTINA

 baseado numa história real.



A década de sessenta, rinha começado há pouco, quando Cristina nasceu. Era a primeira e viria a ser a única de um casal que já não era muito jovem para a época. Hoje os tempos são diferentes, as mulheres são mães mais tarde, mas naquele tempo, raramente uma mulher, era mãe do primeiro filho depois dos vinte e cinco anos. Pouco tempo depois do seu nascimento, o pai perdeu o emprego, e passaram por um tempo de crise, já que naquela época, um homem com trinta e cinco anos, já era velho demais para a maioria dos empregos.
Enfim conseguiu um emprego e a situação estabilizou, mas o medo do futuro roubou a Cristina a felicidade de ter um irmão.
A menina cresceu assim, com todos os zelos, mimos e confortos que sempre têm os filhos únicos, mas que não compensam a alegria do abraço de um irmão ou irmã, com quem nos podemos zangar, até brigar, mas com quem sempre acabamos por dar um abraço, partilhar uma brincadeira, ou um segredo.
Muito inteligente, foi crescendo, sempre com boas notas, mas com pouca vontade de estudar. Quando completou o Ensino Secundário, deu os estudos por terminados e entrou no mercado de trabalho. Era uma jovem muito bonita, alta, morena, com grandes olhos escuros e farta cabeleira levemente ondulada, (com o que sempre embirrou pois gostava dos cabelos lisos). Pretendentes não lhe faltavam, mas nunca se entusiasmou com nenhum, vá-se lá saber porquê.
Aos vinte anos Cristina tinha tudo para ser uma mulher feliz. Era bonita, tinha um bom emprego e acabara de comprar um carro. Casamento, filhos, tudo isso estava muito distante, ela tinha uma vida inteira pela frente, tudo viria a seu tempo. Pouco depois de completar vinte e um anos, Cristina adoeceu. Fraqueza muscular, infeção urinária, visão dupla. Recorreu ao médico, fez análises, tomou antibióticos, a infeção cedeu e pouco depois estava bem. Retomou a vida normal, transformou um amigo em namorado, não gostou da transformação, mandou o namorado passear, e foi vivendo o melhor que podia e sabia, dentro dos cânones normais para uma jovem da sua idade, naquela época, com uns pais conservadores.
Dois dias antes dos vinte e três anos, Cristina voltou a adoecer. Novamente a fraqueza muscular, também tremores de movimentos, diminuição da acuidade visual unilateral. Mais uma vez recorreu ao médico que depois de repetidas muitas análises lhe disse que não encontrava nada de anormal, que provavelmente seriam nervos e lhe receitou uns “calmantes fraquinhos”
Duas semanas depois estava bem, e tudo parecia ter voltado ao normal, embora ela notasse que tinha menos força nas pernas. Os anos foram passando, Cristina ia tendo crises cada vez mais frequentes e cada vez mais intensas. Andava de médico para médico, ninguém descobria o que se passava, até que as crises, que inicialmente eram muito espaçadas, começaram a surgir de dois em dois meses, e só passavam com tratamento hospitalar.
Quando naquele dia de Março de mil novecentos e noventa e três, Cristina foi a uma consulta de oftalmologia, estava de novo com visão dupla. Tinha vinte e oito anos e há muito tempo, deixara de ter uma vida normal. O médico depois de a observar, disse-lhe que ela não tinha nada que ele pudesse tratar, mas que ia mandá-la a um neurologista amigo dele, a quem escreveu uma carta que fechou e lhe entregou.
Cristina assim fez. O neurologista depois de ler a carta, fez-lhe imensas perguntas e por fim mandou-lhe fazer uma tomografia, e uma ressonância ao cérebro.
Por essa altura, Cristina namorava já há uns dois anos, e o namorado acompanhou-a a fazer os exames.
Pouco tempo depois, os resultados ficaram prontos e Cristina foi de novo ao neurologista. Este examinou-os atentamente e depois deu o veredito. Cristina sofria de uma doença autoimune, a Esclerose Múltipla. 
Ela, nada sabia da doença mas imaginou que não seria nada bom. Pediu esclarecimentos ao médico que lhe disse tudo o que ele próprio sabia. Se hoje não se sabe muito sobre esta e outras doenças autoimunes, imagine-se naquela época.
Cristina chegou a casa, fechou-se no quarto e chorou. Chorou como nunca tinha chorado na vida. Chorou pelos sonhos, que morreram nesse dia, pela incerteza do seu futuro, pela tristeza de seus pais.
No dia seguinte, decidida acabou o namoro. Disse que nunca seria capaz de aceitar o amor de uma pessoa, sabendo que mais cedo ou mais tarde, ia fazer essa pessoa sofrer. Que não queria correr o risco de pôr no mundo um filho, que não sabia se poderia criar. E não houve quem a demovesse dessa decisão.
Durante alguns anos, Cristina manteve o emprego. Depois a empresa faliu e claro que ela não conseguiu novo emprego. Foi reformada por deficiência com trinta e oito anos.
Hoje Cristina, continua a viver com os seus velhos pais. Sofreu muito, cada vez que surgia um novo surto. Há uns anos que com a mudança de medicação, deixou de ter surtos, mas a doença continua a evoluir, embora de forma mais lenta. Apesar disso é ainda uma mulher muito bonita, apesar dos seus quase sessenta anos. Vive um dia de cada vez, como costuma dizer. Sorri com facilidade apesar de todas as provações que a vida lhe deu. De todos os sonhos que não realizou, de todas as alegrias que não viveu.


Fim


elvira carvalho


Nota: 
Em Portugal surgem 300 novos casos de EM por ano.
Na esclerose múltipla, o sistema imunológico do paciente provoca danos ou a destruição da mielina, uma substância que envolve e protege as fibras nervosas do cérebro, da medula espinal e do nervo ótico. Quando isso acontece, são formadas áreas de cicatrização (ou escleroses) e aparecem diferentes sintomas sensitivos, motores e psicológicos, que vão desde dormência nos membros até paralisia ou perda da visão.

Fui chamada para a vacina ontem, mas não ma deram.  Porque como já fiz um choque anafilático, disseram-me que só me dão a vacina com uma declaração por escrito do meu alergologista, em como a posso levar.

Para terminar o dia à beira de um ataque de nervos, uma cena de violência doméstica no terceira andar , que pareciam querer deitar o prédio abaixo e que obrigou à intervenção da polícia. Nem sei se vou conseguir dormir.

18 comentários:

Majo Dutra disse...

As doenças autoimunes impressionam-me muito. Tenho um jovem amigo virtual a quem dou apoio e carinho, enquanto puder...
Que tudo lhe suceda ds melhor forma. Abraço
~~~~

Pedro Coimbra disse...

Depois de um dia desses a situação só pode melhorar.
As doenças auto-imunes são um horror.
Viver como um vegetal e ter a noção disso deve ser um TORMENTO.

Tintinaine disse...

Coitada da Cristina! Que teria ela feito de mal para lhe estar reservada uma sorte dessas? Os padres fartam-se de dizer que Deus é justo e é nestas alturas que eu fico cheio de dúvidas.
Isso da vacina é mais uma encrenca! E se optar por não a tomar?

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Uma história triste que é baseada em factos reais , não deixa ninguém indiferente . Lidar com uma doença destas não deve ser nada fácil .
Tambem não deve estar facil para si esta situação da vacina , mas vai ver que tudo se vai resolver.
já sobre a violência domestica , embora não seja facil assistir a esses casos, deixe que a justiça trate do caso , não vá piorar a sua saude .

JR

chica disse...

Triste história da Cristina que, como tantas carrega essa doença anos e anos... Há cada doença que assombra!

Que pena não conseguiste a vacina! Agora vais pedis ao médico a receita?

E que triste cena que acabou em polícia aó por perto!
Lindo dia, te cuida! beijos, chiac

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Como diz o povo um mal nunca vem só minha amiga.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Maria João Brito de Sousa disse...

Nenhuma doença autoimune é meiga; aqueles a quem coube a má sorte de serem contemplados com uma herança tão pesada, precisam de se tornar, rapidamente, grandes especialistas em "corridas de obstáculos" ou serão psicologicamente esmagados pela doença.
Quanto ao seu dia... bem, nem sei que lhe diga, Elvira...


Forte abraço!

Emília Pinto disse...

Querida Elvira, de certeza que não é o caso, mas parece mesmo baseada no caso da minha prima que, hoje, talvez com 60 anos resiste a essa doença , agora já completamente imobilizada na cama. Os meus tios já partiram e resta-lhe a irmã um pouco mais velha que ela. Sempre foi muito bonita só que é loira e olhos claros. Começou com a doença talvez com 17 ou 18 anos, mas gostava de estudar e, já bastante doente, ainda tirou um curso superior, embora nunca tivesse exercido a profissão. Tem a sorte de ter podido contar sempre com acompanhantes, de dia e de noite o que, para a irmã é uma benção, pois seria completamente impossivel tê-la em casa numa situação destas. Assim, a Maria José, pôde continuar na sua casa devidamente acompanhada por profissionais. Vive no Brasil e por isso não sei dizer se continua lúcida, pois há muito que não viajo por causa da pandemia.
Quanto à tua vacina, Amiga, foi pena o que aconteceu, mas ao mesmo tempo, acho bom terem tido esse cuidado. Agora, falas com o teu médico e já ficas a saber o que gazer. Tudo se resolverá, Amiga! Um beijinho!
Emilia

noname disse...

O corte da vida, vivendo, é uma luta diária, é um sofrimento sem fim à vista.

Beijinho, Elvira

Maria Dolores Garrido disse...

O caso ou a história de vida que relata, Elvira, é mais um exemplo de pessoas que vivem estoicamente muitos anos, com grande sofrimento, mas sempre ligadas à alegria de poder viver. Conheço vários casos semelhantes, não só com esta doença mas com outras, como artroses, etc.
São heróis em quem se devia pensar antes de multiplicar queixinhas por tudo e por nada.
Quanto à vacina, se calhar, é mesmo melhor prevenir, embora seja uma deceção vê-la a desaparecer na praia.
A violência doméstica deve enervar um prédio inteiro! E para esta pandemia, não parece haver vacina!!
Um beijinho, Elvira, um dia calmo e feliz.

Edum@nes disse...

Não há doenças boas. Há sim umas mais más do que outras. Cristina nasceu para viver com a ajuda da medicina. Será esse o seu destino até morrer.

Sem remédio milagroso,
quem sofre não duvida
o sofrimento é doloroso
só acaba no fim da vida!

A mim não me doeu nada,
não estou armado em herói
não recuse ser vacinada
porque a vacina não dói!

A violência doméstica,
não se sabe se terá fim
no mundo é uma moléstia
exercida por gente ruim!

Tenha uma boa tarde amiga Elvira. Um abraço.

Cidália Ferreira disse...

Uma estória intensa e triste. Quantas Cristinas existem assim. Sofrem em silêncio. São-lhes roubados os sonhos... Gostei!

Pode ser que o Seu Médico lhe passa a carta!
Saúde

Beijos

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
A esclerose múltipla é uma doença incapacitante e pena a Cristina ter sido logo atingida por essa doença.
Quanto à vacina lá terá que aguardar.
Sobre a cena de violência doméstica, posso imaginar como deve ser horrível "assistir" sabendo o sofrimento da(s) vitima(s).
Que Deus a todos proteja.
Beijinhos,
Ailime

Fatyly disse...

Parabéns pelo blogue!
Quanto à Cristina hoje já se sabe muito mais sobre a doença o que faz com que comecem mais cedo em tratamentos mas essa doença e outras são assustadoras porque ser prisioneiro dentro de um corpo...não consigo dizer mais nada porque conheço 3 casos com doenças diferentes e ver é de partir o coração.

Quanto à vacina é uma chatice mas mais vale prevenir do que remediar e tiveram esse cuidado.

Quanto ao teu terceiro andar, aqui no meu prédio está tudo mais calmo porque a rapariga pôs o pai dos filhos fora de casa devido às sucessivas bebedeiras. Era agressivo só de língua e nunca lhe bateu nem aos filhos, mas ouvir era por demais sobretudo quando não acertava com o buraco da fechadura da porta.

Enfim, desejo-te um bom dia

Beijos

teresadias disse...

Há histórias de vidas não vividas que nos tocam profundamente.
Elvira, espero que tenha conseguido dormir...
Beijo.

As Mulheres 4estacoes disse...

Minha cunhada vive há anos numa cama com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) totalmente dependente dos cuidados do meu irmão, é muito triste.

Triste também são os casos de violência, seja ele qual for. É realmente de tirar o sono.

Espero que consiga a carta para vacina e que tudo corra bem.

Um abraço com carinho.

Portuguesinha disse...

Sinto tristeza por Cristina.
Sei por experiencia que não é uma bia decisão colocar o bem estar dos outros acima do nosso. Cristina nao casou nem teve filhos PORQUE EXISTIA A POSSIBILIDADE....

Imagine a Elvira, que tem o seu marido ha rantos anos, o companheirismo, o apoio, o afecto, as alegrias da maternidade. Tudo isto Cristina prescindiu por pensar mais no transtorno que ia causar aos outros e nso nas alegrias que afastava de si.

Pobre Cristina....

Espero que o seu ambiente da vizinhanca esteja melhor.

lourdes disse...

Todas as doenças autoimunes são más, mas há umas mais incapacitantes que outras.
A Cristina apesar de tudo conseguiu de certa forma aceitar e não achar que é uma "desgraçadinha", reagindo às adversidades e aos problemas que sempre vão surgindo.
Bjs.