Há 47 anos atrás, o 25 de Abril e a revolução dos cravos entrou na minha vida quando ainda era uma jovem cheia de sonhos. Em África onde me encontrava a acompanhar o marido que era militar, eu sonhava com a Liberdade com o fim da guerra e sobretudo com uma vida melhor e mais igualitária para todos. Oriunda de uma família muito pobre, nasci numa barraca sem água e sem luz, e dividi com dois irmãos mais novos, uma infância onde não havia nada que uns pais a trabalhar arduamente e a sofrer, com medo de um dia não terem a uma sopa, e um pedaço de pão para nos matar a fome. Com onze anos, depois de ter completado a 4ª classe, fui trabalhar. Fazia recados, tocava o gado na nora, da quinta do ti’ Pereira, para que a água não faltasse na rega e carregava padiolas de estrume que vinham pelo rio em fragatas para adubar as terras. Mais tarde aos 14 anos fui trabalhar para a Seca do Bacalhau. Como quase toda a gente que vive assim, o meu maior sonho na altura era viver numa casa de pedra, com água e luz e uma casa de banho com uma banheira, pois sempre tomávamos banho na selha, onde a mãe lavava a roupa.
Quando casei concretizei enfim esse sonho, e vivi outros que nunca me atrevera a ter. Quando aconteceu o 25 de Abril pensei que a vida dos portugueses ia enfim tomar um novo rumo. Com a Liberdade não íamos mais olhar o nosso vizinho com desconfiança cada vez que desabafávamos sobre as dificuldades da vida, já que até aí muitos iam presos um ou dois dias depois de certos desabafos. Pensei também que com o fim das guerras coloniais, a vida dos jovens portugueses ia melhorar muito. Iam deixar de ser obrigados a partir para a guerra, iam deixar de voltar estropiados, física e mentalmente. Íamos enfim ter um País mais justo, mais igualitário. Íamos dar aos nossos pais uma velhice digna e aos nossos filhos um futuro melhor do que o nosso. E uma parte desses sonhos concretizaram-se com a democracia é verdade. Ninguém mais foi preso por pensar diferente do regime e a guerra colonial acabou.
Somos um país melhor do que naquela época.
Mas está longe daquilo que o povo sonhava. Porque passaram quarenta e sete anos, e os nossos filhos continuam a ser obrigados a procurar em terras estranhas, o futuro que o país lhes nega. Ou então amordaçam os sonhos e a esperança e limitam-se a sobreviver. Os mais velhos que trabalharam duramente toda a sua vida, chegam à velhice, com o permanente dilema de escolher entre comer, ou pagar a medicação quase sempre necessária à medida que os anos aumentam, e a saúde escasseia. Porque as reformas de miséria, que grande parte dos idosos recebem pouco ultrapassa os 300 € mensais. Somos um País cada vez mais idoso, e as esperanças do 25 de Abril nos darem uma velhice mais digna já se esbateram há muito. A democracia está meio adormecida, anestesiada pela corrupção que cresce como erva daninha.
Dos sonhos de há quarenta e sete anos, resta-nos a Liberdade, sem dúvida a maior conquista de Abril. E a vida sem Liberdade não faz sentido é verdade. Mas pergunto:
-E a Liberdade sem pão, faz?
É URGENTE ACORDAR A DEMOCRACIA, antes que aqueles que nunca a quiseram, acabem com ela de vez.