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27.2.21

PORQUE HOJE É SÁBADO



Victor Da Silva - Anna Melnikova | Showdance | Never Love Again | 2019



Desculpem o vídeo anterior ficou indisponível pelo que o troquei. Peço desculpa a quem já o tinha visto e comentado.

26.2.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE III

 


Aviso a quem me reconhecer. A foto é minha, só porque eu casei no mesmo ano da protagonista e queria uma foto da época. Esta história, não tem nada a ver comigo.


                                                               III



Agora, passados  dez anos, o rapaz decidira casar. E como muitos outros, queria fazê-lo com uma mulher da sua terra. Escreveu aos pais, dando conta dos seus desejos.
O pai dele, era amigo do pai de Sofia, conhecia-lhe a filha desde que nascera, e fez-lhe saber que gostaria da rapariga para nora. E quando o seu pai lhe  contou, ela limitou-se a perguntar  se casava e continuava na aldeia, ou se ia ter com o marido. E quando soube que era para ir para França, aceitou imediatamente.

Ia fazer vinte anos em breve, tinha a cabeça cheia de sonhos e a alma presa à submissão do regime de então que tirava às mulheres todos os direitos que não fossem o de procriar para manter a espécie. E mesmo com os filhos, eles só eram realmente seus, enquanto estavam no ventre materno, porque uma vez paridos, era o pai que detinha sobre ele, todos os direitos. (1)

Era jovem, queria fugir dessa vida. E só o podia fazer com o pai, ou com o marido. Com o pai era impossível, logo casar-se parecia ser a solução ideal.
Às vezes passava-lhe pela cabeça, a lembrança de que ia efetuar um casamento sem amor. Mas logo afastava essa ideia, pensando que também não amava ninguém, por isso, a lógica era que viesse a amar o marido com o tempo e a convivência. E  entregava-se a Nossa Senhora das Dores, de quem era devota, para que a protegesse da infelicidade.

Não tinha irmãos, coisa rara na época,  em que os casais tinham muitos filhos. Todavia um parto complicado  e uma parteira  que não tinha experiência suficiente, para perceber de início, que alguma coisa não estava bem, para chamar uma ambulância e mandar a parturiente para a maternidade mais próxima, resultou numa situação que quase matou mãe e filha. Quando enfim, resolveu mandá-la para a maternidade já era tarde.  Os médicos conseguiram salvar mãe e filha, mas não conseguiram evitar que a mãe, ficasse incapacitada para ter mais filhos.

A prima acabou de lhe  abotoar os inúmeros botões do vestido de noiva. Nunca iria entender porque o vestido tinha que ter mais de cinquenta pequenos botões nas costas.

Quando a mãe e a tia Ilda entraram no quarto para ver se já estava pronta,  a jovem reparou que ambas tinham os olhos inchados e vermelhos. Sabia porquê. A sua família era extremamente religiosa.
Ela mesma frequentara a catequese, fizera a comunhão solene e fora crismada. E agora ia casar-se apenas no registo. O noivo pediu para ser assim e ela não se importou. 

Nenhuma rapariga na aldeia, se atrevera a casar sem ser na igreja, muito menos as da sua família. Para a mãe, e tias, o casamento pelo registo não passava dum… como é que elas diziam? Ah sim, um amancebamento. As primas colocaram-lhe a tiara e o véu que prenderam à trança enrolada no alto da cabeça. O fotógrafo já aguardava no corredor para entrar no quarto e tirar as  fotografias da noiva, antes da saída para o Conservatório onde se realizaria o casamento. 



(1) Conheci casos, em que o casal não se entendia e por isso separaram-se, mas continuavam casados, pois que em Portugal não havia divórcio.
Cada um seguiu a sua vida e arranjaram outros companheiros. Se a mulher tivesse filhos do novo companheiro, eles só podiam ser registados como filhos do marido, e se este quisesse tirar-lhos, a lei permitia-o. Uma prima minha, esteve nesta situação. Separada do marido, teve dois filhos do companheiro que foram registados em nome do marido, e só depois do 25 de Abril e da legalização do divórcio, pôde mudar o registo dos filhos.

24.2.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE II

 


 




 A mãe, arrumou o quarto, pegou no vestido de noiva que estava pendurado no armário e estendeu-o em cima da cama alisando-o para ver se não haveria alguma ruga que lhe estragasse o brilho. Satisfeita com o resultado saiu e dirigiu-se à sala, onde as irmãs, cunhadas e sobrinhas esperavam. 
-Celeste e Maria João, - disse dirigindo-se às duas sobrinhas, a Sofia está a tomar banho, decerto agradeceria a vossa ajuda para se vestir e pentear, eu vou-me vestir.

Entrou no quarto de casal, onde o marido andava às voltas com o nó da gravata, e procurou no armário o fato que ia levar ao casamento da filha. Estava muito nervosa. A falar verdade não lhe agradava nada aquele casamento arranjado entre o marido e o pai do noivo. É verdade que eles eram amigos desde sempre, e que ele era boa pessoa. Mas o rapaz fora para a França ainda miúdo sabe-se lá no que se teria tornado. Não se conformava. Nem percebia porque a filha tinha aceitado aquele disparate.
  
Não conseguia aceitar a ideia, de que aquele  casamento,  ia levar a sua menina para o estrangeiro, sem saber quando voltaria a vê-la. Já tinha brigado com o marido, mas ele dizia-lhe, que apenas fizera uma proposta à filha, que ela aceitara. Não a forçara, nem sequer a aconselhara a aceitar. A decisão fora só dela, e  se era isso que ela desejava, eles não se podiam recriminar.

Já no quarto, depois do duche tomado, Sofia retirou da comoda um conjunto de peças íntimas, branco e um saiote comprido engomado, que serviria para armar a saia do longo vestido de noiva, e deu início à tarefa de se vestir, ajudada pelas duas primas.
-Não vestes combinação? - perguntou Celeste admirava.
-Não
Sabia que a mãe iria ralhar com ela, fazia-o sempre que ela não vestia combinação, mas era uma peça com que embirrava, e que pensava nunca mais usar a partir do seu casamento.

-Meu Deus Sofia, não sei como tens coragem de casar assim sem sequer conheceres o rapaz, - disse Maria João enquanto escovava o cabelo da prima. Eu não seria capaz.
-Eu também não, - disse Celeste, acariciando a seda do vestido. Ainda mais ir para tão longe, numa terra estranha, sem pai ou mãe, que te ajudem a ambientares-te. És muito aventureira.

Sofia limitou-se a sorrir. Estava feliz. Não porque estivesse apaixonada, ela nunca sentira tal sentimento por nenhum homem, apesar de sonhar com o amor.
Qual é a mulher que não sonha?  As mulheres sonham com o amor, antes mesmo de começarem a pensar em homens. Só muito mais tarde, quando se enamoram, dão ao sonho um rosto, põe um nome ao  amor. 

Mas ela mal conhecia o futuro marido. Lembrava-se dele, apesar de ainda não ter nove anos, quando ele com quinze, fora visitar uns tios que tinham emigrado há muitos anos para a França. E por lá ficou com eles. Afinal a visita, não passara de um estratagema, para fugir do país e da mais que certa ida para a guerra do Ultramar. Com aquela idade não foi muito difícil, dois anos mais tarde, seria impossível. Teria que recorrer à fuga clandestina.


Nota: Esta história será publicada às Segundas, Quartas e Sextas
.

23.2.21

POESIA ÀS TERÇAS - O MAIS DIFÍCIL

 


O MAIS DIFÍCIL

 

O mais difícil
hoje
não é sonhar
ainda que
o sonho
seja pérola negra
aprisionada
na ostra
do quotidiano.

O mais difícil
hoje
é inventar a Vida
no espaço agónico
da sobrevivência.



Este poema não é novo. Foi publicado em 2018 os mais antigos devem lembrar-se dele, até porque a Noname o publicou também num dos seus blogues. Reedito-o agora porque penso que nunca foi tão atual.



22.2.21

CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - PARTE I

 


À LAIA DE PRÓLOGO

Uma explicação para os leitores mais jovens, e também para aqueles que do outro lado do Atlântico me visitam. Nos anos cinquenta e sessenta do ano passado , os casamentos por procuração eram comuns em Portugal. A vida em Portugal, não oferecia situações de emprego para a maioria de um povo iletrado, que lhes permitisse sonhar com uma vida melhor.

 A saída era a emigração. Por outro lado a Europa saíra de uma guerra que a deixara semiarruinada e necessitava muita mão de obra para a reconstrução. Para quem queria trabalhar nas obras de reconstrução, a França era a principal saída. Os salários, eram principescos quando comparados com os salários em Portugal, não se exigiam habilitações literárias e fechavam-se os olhos à ilegalidade.  Isso fez com que milhares de portugueses inundassem Paris e outras cidades. Por outro lado no início dos anos sessenta, com a guerra no Ultramar, muitos jovens para fugirem dela, foram juntar-se aos seus familiares já emigrados.

 E de tal modo a emigração aumentou, que a determinada altura, foi publicada uma lei que proibia os jovens do sexo masculino de emigrarem, mesmo os mais jovens. Isso não os travou, apenas aumentou a emigração ilegal. Porque ficar em Portugal só tinha duas saídas. A ida para a Guerra nas Colónias, ou embarcar nos navios de pesca bacalhoeira durante vários anos, já que esses pescadores ficavam livres de irem para a tropa. A escolha era terrível em qualquer delas, a luta pela vida era difícil e a morte podia estar à espreita.

Acontece que os jovens que conseguiam emigrar, antes de terem cumprido o serviço militar, não podiam voltar a Portugal,  sob pena de terem que ir para a tropa e para a guerra, mesmo que a idade normal desse dever já tivesse passado. Na verdade um mancebo tinha que estar sempre pronto a ser chamado para defender a pátria desde os 18 anos até aos 44, altura em que realmente passavam à reserva. 

Por isso quando decidiam casar, pediam à família na terra, pais ou irmãos,  que lhes arranjassem uma boa rapariga, trabalhadora e que nunca tivesse namorado. E sabem porquê? Porque se já tivesse namorado podia não ser virgem, e naquela época, a virgindade era a joia mais preciosa de uma jovem. Raros eram os homens que se atreviam a casar com uma jovem que a tivesse perdido, pois estava sempre sujeito aos chistes dos seus amigos. Será que os jovens de hoje acreditam nisto? Podem crer. Perguntem aos vossos pais, ou avós.

Mas também havia aqueles que acabavam a tropa e só viam como futuro imediato a emigração. Muitos deles tinham na aldeia as suas prometidas, e fazia-lhes falta uma companheira para amenizar as agruras do trabalho e as saudades da terra. E foi assim que nasceram os casamentos por procuração.


                                                                  I



A década de sessenta chegava ao fim. Estávamos em Setembro, e o dia apresentava-se radioso.
Daqueles dias de sol, quando o calor ainda é forte, mas já não tem o ardor dos meses anteriores. Quando ao cheiro a maresia, se sobrepõe o cheiro das uvas maduras, e as idas à praia se tornam mais raras, na azáfama do regresso às aulas, e aos empregos na cidade. Nos campos fazem-se as colheitas do milho, feijão e batata, que mais tarde, acompanhados de um naco de carne, se transformarão em saborosas refeições. Nos lagares procede-se à limpeza e preparação dos mesmos, que na vinha a uva já se apronta para ser colhida.

Naquele dia, quando ela abriu os olhos, já o sol iluminava o quarto, num luminoso grito.
 “Acorda. Hoje é o teu dia. Um grande dia!”
O seu rosto iluminou-se num sorriso de saudação. Sorria para o sol, para a vida, para o passarinho que naquele momento veio poisar no parapeito da janela do seu quarto, encantando-a com o seu trinado.

Saltou da cama, e esticando os braços espreguiçou-se com prazer. Depois, foi até à janela, e abriu-a, deixando que o sol lhe beijasse o rosto moreno, de pele tersa e macia, como são as peles das jovens aos dezanove anos.
Inspirou profundamente, sentindo o cheiro dos goivos e frésias, existentes em quase todos os quintais da aldeia, e caminhos da aldeia, enquanto observava as galinhas que ciscavam no terreno em frente. 

Na casa ia uma grande azáfama. Escutou as vozes da mãe, das tias e das primas. Todas preocupadas com a cerimonia. Pareciam muito nervosas. Sorriu.
Ela sim, devia estar nervosa, e no entanto estava calma e relaxada. Como se o casamento que se realizava nesse dia não fosse o dela.

Nesse momento, a mãe entrou no quarto. Era uma mulher de estatura média, de figura roliça, cabelos e olhos castanhos, e cabelo apanhado num carrapito.
- Ainda nem tomaste banho. Já viste as horas?
A jovem sorriu:
- Não te preocupes, despacho-me rapidamente. E depois não é hábito, a noiva atrasar-se?
E dizendo isto dirigiu-se à casa de banho.



19.2.21

SONHO AO LUAR - PARTE XIX


Ele apertou-a nos braços e curvando a cabeça apoderou-se da sua boca, num beijo intenso e apaixonado, que a deixou tonta de felicidade.
- Achas que isto é um beijo de irmãos, Isabel?
- Não sei, não consegui perceber. Importas-te de repetir?
Ele não se fez rogado.                   


*********************************************************************




Algumas horas depois. 

Estavam os dois deitados. Com um dedo, ele contornava o desenho da boca dela.
- Desculpa Isabel.
-Porquê?
- Sei que todas as mulheres sonham que a sua primeira vez, seja algo muito especial. Desculpa desiludir-te. Porque não me disseste que ainda eras virgem? 

- Deves compreender que não era nada que me orgulhasse. Devia ser a única virgem no país aos vinte e seis anos. 

-A virgindade não é essencial na mulher que se ama. O essencial, são os seus  sentimentos. Mas também não é algo de que a mulher se deva envergonhar, como parece ser o caso na atualidade. Saber que me escolheste, para viver contigo esta experiência única, faz-me sentir um ser especial. O único receio, é que não tenha correspondido às tuas expectativas.  

- Não te preocupes. Estou muito feliz. Valeu a pena, ter esperado dez anos, por este momento sublime. Amo-te. Sempre te amei, desde a primeira vez que te vi. Mas tenho que te confessar uma coisa, - sorriu ao vê-lo erguer-se sobre o cotovelo numa atitude expectante. - Ainda não tinha jantado quando chegaste, e estou a morrer de fome.

Hélder  saltou da cama.
-Vou já à cozinha, ver o que se pode arranjar para resolver a situação. Não quero que a minha dama, morra de fome. Tenho planos para ela, bem mais interessantes.
Simulou uma vénia.  Ela soltou uma risada. Depois perguntou:

-Vais assim?
- Assim como? – perguntou por sua vez, mirando a sua própria nudez, para perguntar com ar de menino travesso.- Há alguma coisa de errado comigo? Não gostas do fato?
Saiu rindo, enquanto Isabel emocionada, acariciava o anel, que ele lhe enfiara no dedo, horas antes, quando a pedira em casamento.


FIM



Elvira Carvalho 


Gente a minha nova história ainda só tem 10 capítulos. Por isso e porque a maioria dos leitores atuais, não andava por aqui há quatro anos, vou fazer mais uma reposição. Peço desculpa aos mais antigos, que já a conhecem.
Entretanto a minha consulta de ontem para tirar os pontos do olho, foi cancelada. Recebi mensagem a dizer para aguardar carta com nova data.

17.2.21

SONHO AO LUAR - PARTE XVIII

 

- Esperava esclarecer tudo na volta. Mas então fugiste e não me atendias o telefone. Fui ter com a tua avó e abri-lhe o coração. É por isso que estou aqui.
- Meu Deus! – Exclamou a jovem, incapaz de entender, tudo o que ele lhe dizia.
- Desnudei-te a minha alma, Isabel. Agora é a tua vez. Porque foste até mim, com um nome falso? Porquê, abandonares a tua carreira de advogada, para estares ao meu lado?
- Tenho mesmo que to dizer? Não basta a humilhação que sofri há dez anos?

Pôs-se de pé. Doía-lhe o peito, ardiam-lhe os olhos, tremiam-lhe as mãos. Ele pôs-se igualmente de pé, aproximou-se dela, pôs-lhe as mãos nos ombros e fitou-a com seriedade.
- Santo Deus, Isabel! Que querias que eu fizesse? Que tomasse o que com tanta generosidade me oferecias? Seria monstruoso. Eras uma menina. Tinhas só dezasseis anos.

- Mas nunca mais me procuraste. E passaram dez anos, - queixou-se ela.
- Nos primeiros cinco anos esperei com ansiedade que voltasses. Todos os anos no verão, telefonava aos amigos, perguntava por ti. Se me tivessem dito que tinhas regressado, eu voltaria imediatamente. Para ti, para o teu amor.  Mas tu não voltaste. Então, pensei que o que te tinha movido, tinha sido apenas um impulso, uma criancice de menina que desponta para a vida e se confunde com o que sente. Pensei que estarias arrependida, e nem me querias ver. Tentei esquecer-te e dediquei-me à escrita. 

Depois tive o acidente, e já não fazia sentido procurar-te. Fiquei tão feliz quando apareceste. Tentei que falasses, logo no primeiro dia, quando te perguntei se não nos conhecíamos. Mas fingiste que não. Que podia eu fazer senão seguir o teu jogo, e aguardar?

-Mas disseste que eu era uma irmã, - queixou-se
- Foi por isso que fugiste? Porque eu disse que dez anos atrás, tinha tido uma amiguinha a quem amava como irmã? Não te parece uma maluquice, ter ciúmes daquela miúda?
-Não foram ciúmes. Foi o pensamento de que nunca seria, mais para ti. do que uma irmã.

16.2.21

PORQUE ME APETECE




Incendiary dance of cute children-dancers! A video that conquered the wh...




E porque hoje é dia de Carnaval, aqui estão as minhas Princesas. O Capuchinho Vermelho, que nem por nada deixa por o capuz e uma Diabinha.


E por fim uma foto de Carnaval de 1963


15.2.21

SONHO AO LUAR - PARTE XVII



Isabel, tivera um dia complicado no escritório. O telefonema de Hélder, no fim da manhã, contribuíra para uma desconcentração na parte da tarde, que a obrigara a um esforço extra para fazer alguma coisa de útil. Felizmente que no dia seguinte era sábado, podia descansar um pouco. Cansada, tomou um relaxante banho, espalhou sobre o corpo um creme hidratante, enfiou uma curta camisa de dormir, o robe de seda, e sem ânimo para fazer jantar, pensou em fazer um chá e duas tostas.

 Acabara de pôr a chaleira ao lume com a água para o chá, quando a campainha tocou. Espreitou pelo ralo, e ficou sem cor ao reconhecer o escritor. Olhou para si mesma, para a roupa inapropriada para receber visitas, que vestia, mas acalmou-se ao pensar que ele não podia vê-la. Mas seria mesmo ele? porque iria ele procurá-la, se nunca o fez em dez anos? E além disso ele nem sabia onde ela morava. Devia estar enganada. Nesse momento a campainha voltou a tocar de forma impaciente. Voltou a espreitar. Não havia dúvida. Era ele. Abriu a porta, quando ele se aprestava para tocar pela terceira vez.

- O que estás aqui a fazer? Como soubeste onde morava?
- Se me convidares a entrar, posso responder a isso e a muito mais.
- Mas estás sozinho? E o Rex?
Ele sorriu. Sem se dar conta, perguntando pelo cão guia, ela tinha-se denunciado.

- Já não preciso dele, - disse tirando os óculos e deixando-a mirar-se nos belos olhos escuros. Mas vamos ficar a conversar aqui ao pé da porta? Não me deixas entrar?
- Sim, claro, desculpa. Vem para a sala. Senta-te. Vou só apagar o lume, ia fazer um chá.

Regressou logo a seguir. Ele estava de pé, com uma foto dos dois na mão. Tinha sido tirada pouco antes de se separarem dez anos antes, e a lembrança do que tinha acontecido na época tingiu de carmim, as faces da jovem.

- Senta-te. Suponho que convenceste a minha avó a dar-te a minha morada, - disse sentando-se no sofá em frente dele. Só não entendo para quê? Dez anos é muito tempo, para ainda te lembrares de mim.
- Dez anos Isabel? Pensas mesmo que não te reconheci? Que não sei que eras tu que estiveste a meu lado estes dois meses?

Ela perdeu a cor. Balbuciou.
- Como o soubeste? E desde quando?
- Senti-o no primeiro momento na praia, quando me saudaste. Não quis acreditar, pensei que estava a ficar maluco, e por isso não te respondi. Depois, procuraste-me para te ofereceres como secretária, e fiquei meio convencido que realmente eras tu, mas a certeza, só a tive quando leste para mim. Lembrava-me bem quantas vezes, tínhamos lido um para o outro há dez anos. Quando falaste do teu amigo, senti vontade de te abraçar e te dizer que não podias esconder-te. Estavas dentro de mim, achar-te-ia sempre, mas depois pensei que devias ter uma razão para te esconderes, quem sabe tinhas um namorado, noivo, sei lá. 

Dez anos, é muito tempo, não sabia nada de ti, podias até ter casado. Esperei que fosses tu a falar. Além disso que podia eu oferecer-te, na situação em que me encontrava?  Mas logo depois, começou a acontecer algo, com que eu já não sonhava. Começava a distinguir formas e movimentos. Então assim que acabámos o livro,  fiz a mala e parti para Barcelona, pois tinha sido lá que tinha tentado todos os tratamentos para recuperar a visão, quando tive alta depois do acidente.    



E HOJE TAMBÉM ESTOU NO BLOGUE DA NOSSA AMIGA GRACITA.
AQUI   SE PUDEREM VÃO ATÉ LÁ

14.2.21

DOMINGO 14 DE FEVEREIRO - UM TRÊS EM UM

 PORQUE HOJE É DIA DE S. VALENTIM - DIA DE AMOR


                                                 Cliquem nas fotos para ver melhor

O ontem e o hoje do meu namorado


                                                             1964



                                                                               2021

Obrigado Amor! Obrigado Meu Deus!


MAS HOJE TAMBÉM É DOMINGO DE CARNAVAL - DIA DE HUMOR

E  eis-me aqui, prontinha para iniciar o desfile com o seguinte percurso. 

Saída de manhã, pela rua do corredor, onde haverá uma pausa  de porta fechada.

Saída da casa de banho, pela rua do corredor, rumo à cozinha. 

Pausa para o pequeno almoço, e lavagem da loiça. 

Novamente pela rua do corredor até à Praça da Sala. Abertura oficial da persiana e saída para a varanda, para uns minutos de ar livre e uma olhadela à fila na entrada de Lidl em frente. 

Volta à Praça da Sala, desfile até ao quarto, com paragem para a arrumação do mesmo, seguida de novo desfile para a cozinha para começar a preparar o almoço. De vez em quando haverá pequenas pausas para um olhar ao companheiro, um toque de mãos, um beijo carinhoso ou um passe de dança. Não por ser dia de S. Valentim, mas porque o amor é assim e porque os domingos são nossos, não temos que nos dividir com as netas.

E QUE TAL, GOSTAM DO TRAJE ESCOLHIDO PARA ESTE DESFILE?


E POR ÚLTIMO, HOJE É TAMBÉM DIA DE RECORDAR, QUE FOI PRECISAMENTE NESTA DATA, QUE EM 2018 FIZ O LANÇAMENTO DO MEU SEGUNDO LIVRO. E TALVEZ ESTEJA NA ALTURA DE PENSAR NUM TERCEIRO, SE CONSEGUIR ESCAPAR À PANDEMIA


E pronto espero que tenham gostado desta promoção...


12.2.21

SONHO AO LUAR - PARTE XVI






- Deves estar muito contente.
- Por voltar a ver, sim. Mas vinha doido para ver a sua neta. Que se passa com ela?
- Não sei, Hélder. Diz-me tu, porque a queres ver? Desde quando sabias que era ela?
- Quase desde o primeiro dia. A dona Lucinda conhece-me desde sempre. Sabe da amizade que me unia à sua neta. Também sabe como fiquei meio perdido quando os meus pais morreram. Sei que pode parecer estranho que tenha sido uma miúda, a fazer com que me reencontrasse, eu que era, já na altura um homem.

- Mas foi o que aconteceu. Ela era encantadora, tão simples, tão natural, e eu sentia-me feliz a orientá-la nas leituras, a mostrar-lhe o mundo como eu o via. Era como se tivesse uma irmã mais nova, para amar e proteger. E esse sentimento levou-me a recuperar da dor e desorientação em que a morte dos meus pais, daquela forma trágica, me tinha deixado.

- Por muito estranho que pareça, dada a nossa diferença de idades,  durante quatro anos, fomos os melhores amigos do mundo. Depois um dia descobri que se tinha apaixonado por mim. Fiquei zangado. Foi como se a vida me tivesse roubado de novo, como se a minha irmãzinha tivesse morrido. E de certa forma assim foi, já que desde esse dia, nunca mais fui capaz de a ver, ou de pensar nela, da mesma maneira. 

 -Fui para Lisboa, empreguei-me numa loja, e aluguei um pequeno apartamento com outro colega. Comecei a escrever. Sempre gostei muito de o fazer, mas nunca pensei que a minha vida seguisse esse rumo. Mas o livro foi um sucesso estrondoso, e de repente, o livro era traduzido em várias línguas, as edições sucediam-se, até se projetava um filme baseado nele, e então deixei o emprego e dediquei-me apenas à escrita. 

-A recordação de Isabel nunca me abandonou. Era algo muito íntimo. Fazia parte de mim. estava sempre à espera de poder voltar a vê-la. Depois sofri o acidente deixei de ver, e durante muito tempo estive apenas centrado na tentativa de recuperar a visão. Quando perdi a esperança, voltei para casa. E de novo Isabel, veio e me salvou. Porque foi desde que tive a certeza que ela estava comigo, que a minha visão começou a dar sinais de querer voltar.  

-Durante estes meses, eu descobri porque é que nunca me interessei a sério, por nenhuma mulher nestes dez anos. O amor pela sua neta enchia o meu coração. Neste último mês, vivi entre o Céu e o Inferno, com o desejo de lhe confessar o meu amor, e o medo de não poder oferecer-lhe, nem sequer um olhar apaixonado. E agora que os meus olhos lhe podem mostrar o que me vai na alma, ela não quer falar comigo, e estou desesperado.

Calou-se. A senhora estava emocionada.
- Sabes de uma coisa, Hélder? Vocês hoje em dia são demasiado complicados para o meu gosto. A Isabel ama-te desde menina e foi-se embora em desespero, convencida de que nunca corresponderias ao seu amor.
- Convencê-la-ei do contrário. Só não sei onde encontrá-la.

- Eu sei. E vou ajudar-te. Mas tens que me prometer trazê-la de volta. Estou velha, não gostava de morrer, sem a ver feliz.
Inclinou-se para a mesa, apanhou um bloco e escreveu uma morada. Depois arrancou a folha, e deu-lha. Ele abraçou a idosa e deu-lhe dois carinhosos beijos.
- Fico-lhe eternamente grato, avó. Parto depois do almoço.

10.2.21

SONHO AO LUAR - PARTE XV




Hélder entrou em casa. Tirou o casaco que pendurou no bengaleiro, e olhou para todos os lados, analisando cores e móveis. Respirou fundo. A sua casa. Era a primeira vez que a via, desde que partira há dez anos. E estava bem diferente após a remodelação que sofrera há meses. Antónia à porta, olhava-o espantada. Como é que ele tinha vindo sozinho? E onde estava o cão?

- Que se passa Antónia? Parece que viu assombração.
-Louvado Seja Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, e Maria Santíssima Sua Mãe ! - exclamou  a mulher, juntando as mãos e erguendo os olhos. - O senhor está a enxergar!
-Estou. Mas com a fome que tenho, daqui a pouco não vejo nada de novo, - disse sorrindo.
-Não seja por isso, senhor. Vou já fazer o almoço, - disse saindo apressada para a cozinha.

Instintivamente, Hélder  dirigiu-se ao quarto e pousou a mala em cima de uma cadeira. Era estranho. Ele não sabia, onde ficavam os aposentos, mas bastava-lhe contar mentalmente os passos e sabia exatamente onde ficava cada um. Pegou no telemóvel, e ligou um número.
- Isabel?
- Sim.
- Estou em casa. Podes vir aqui agora?
-Não. Desculpa, foi muito gratificante trabalhar contigo e ler em primeira mão o teu novo livro, mas inclusivamente já não vivo aí. Deixei-te a carta de rescisão do contrato em cima da secretária.

- Rescisão? Não podes fazê-lo. Não sem antes falar contigo.
Não obteve resposta. Ela tinha desligado. Ligou de novo, mas ela desligara o telemóvel. Ficou furioso. Saiu disparado em direção à casa mais próxima e bateu à porta.

- Onde está a sua neta? – perguntou mal a idosa abriu a porta.
Ela olhou-o espantada. Afastou-se um pouco para o deixar entrar e disse sorrindo:
- Que surpresa! Entra filho, conversamos na sala, que preciso de me sentar. Já não tenho idade, para um choque destes.

Hélder deu-se conta, de que tinha sido demasiado brusco com a velha senhora, que realmente devia estar surpreendida, e curvando-se depositou um suave beijo na testa enrugada.
- Perdoe-me. Acabei de chegar, e a sua neta acaba de me dizer que se despediu. Fiquei destroçado, e não me portei bem com a senhora.

Já na sala, a idosa perguntou:
- Mas diz-me filho, que milagre é este? Foste operado?
- Não. Há anos tive um acidente grave, quando caí de um cavalo e bati com a cabeça numa pedra. Tive uma hemorragia, fui operado de urgência, estive uns dias em coma. Quando recuperei, estava cego. Fiz muitos exames, os médicos diziam que eu não tinha nada físico que me impedisse de ver, mas o certo é que não via. Segundo eles só podia ser por qualquer trauma psicológico.

 Há um mês comecei a notar que distinguia umas sombras. Nada de muito relevante, mas assim que terminei o livro,  parti para ir consultar os médicos que me tinham tratado, e fazer novos exames. Eles confirmaram que estava a recuperar a visão. Fiquei muito admirado, pois pensava que sendo psicológico, quando recuperasse a visão, ficaria a ver normalmente e o que eu distinguia era um jogo de luzes e sombras. Distinguia vultos apenas. Os médicos disseram-me então que era normal, os olhos são órgãos muito preguiçosos, e tinham estado quase cinco anos sem ver, pelo que a visão viria aos poucos, todavia tinha que fazer exercícios várias vezes ao dia, certos movimentos oculares, para os exercitar. Estive estes quinze dias numa clínica em Barcelona. Mas graças a Deus resultou.


8.2.21

SONHO AO LUAR - PARTE XIV


Na manhã seguinte, quando Isabel chegou para o seu dia de trabalho, foi recebida por Antónia, que a informou que Hélder viajara na noite anterior. Informou-a também que o patrão antes de partir, lhe dissera para lhe comunicar que tinha deixado uma mensagem gravada para ela. 

Agradeceu o recado e dirigiu-se ao escritório para ouvir a mensagem. Ligou o gravador, e a voz grave fez com que as lágrimas voltassem a deslizar pelo seu rosto pálido.
" Bom dia, Isabel. Deves estar surpresa com a minha súbita partida, mas aconteceu algo que não posso adiar. Não sei quanto tempo vou estar ausente, espero que não seja muito. Até lá, estás de férias." 

Que podia ter acontecido para que tivesse de partir tão repentinamente? Algum problema com a editora e a publicação do livro? Mas se era isso, porque não o dizia? De qualquer modo, que lhe importava agora? Não tinha decidido ir-se embora? Pois ali estava uma boa oportunidade. 

Quando ele voltasse, já estaria longe. Tinha pena de se afastar da avó, tinha quase oitenta anos, não viveria muitos mais e ela sonhava estabelecer-se ali e ficar junto dela, o tempo que o destino lhe reservasse. Mas o melhor que fazia era voltar para o escritório na cidade. O seu lugar não podia ser ali, ao lado do homem que amava e simultaneamente tão longe dele.

Pensou deixar-lhe uma mensagem gravada. Mas desistiu. Que podia dizer-lhe? Que os dois eram vítimas de uma brincadeira do destino? Não. Levantou-se, desligou e guardou o gravador, abriu o computador e rapidamente redigiu e imprimiu a carta de demissão.
Desligou o portátil e a impressora, meteu a carta num envelope, que deixou em cima da secretária. Chamou Antónia, a quem disse que a ordem deixada era para ir de férias até à volta do patrão. Despediu-se e voltou para casa. Foi para o seu quarto, pôs a mala em cima da cama, guardou as suas roupas, e quando fechou a mala, viu a avó parada na porta do quarto.

A avó abriu os braços e ela correu para eles. Choraram juntas. Depois, mais calma a avó disse:
-Tenho medo de não voltar a ver-te, filha.
- Não digas isso, avó. Tinha, decido viver  contigo. Agora, não me sinto com coragem para isso. Mas prometo que venho ver-te muitas vezes. Um fim de semana, um feriado. O tempo suficiente para estar contigo, e não ter encontros dolorosos. O melhor mesmo era ires viver comigo, mas já sei que ninguém te arranca daqui.

Acariciando-lhe os cabelos, a avó perguntou com lágrimas na voz:
- Vais-te embora já?
- Não. Só depois do almoço.
- Então vem. Vamos tratar dele agora.