Foi direta à sala, onde sabia que encontraria a mãe a ler. Era o seu lugar favorito. Sentou-se a seu lado. Francisca fechou o livro e olhou para ela na expectativa. Não fez perguntas, e Ana teve a certeza de que a mãe sabia o que lhe ia dizer. A mãe sempre sabia o que se passava com ela:
- Mãe, já não vai haver noivado, muito menos casamento.
Acabei tudo com o Paulo.
Se esperava que a mãe dissesse alguma coisa, enganou-se.
Francisca levantou a mão, acariciou o rosto da filha, e esperou.
-Eu queria, mãe. Começo a desejar estabilizar a minha
vida emocional. Ter a minha casa, marido, filhos. Pensei que com o Paulo, isso
ia acontecer. Mas não é assim. Na intimidade, a chama não se acendeu, senti-me
estranha nos seus braços. E não quero um casamento assim. Não me basta ter um
homem apaixonado ao meu lado. Eu quero alguém a quem eu ame com intensidade.
A mãe abraçou-a como fazia quando ela era criança. Ana deitou a cabeça no seu regaço, e deu largas à sua desilusão, deixando correr
as lágrimas. Francisca sentiu um nó na garganta. Apesar dos anos, tinha bem
presente o que fora o seu casamento com Jorge. Sabia bem o que era rolar na
cama, depois de ter feito amor, pensando que devia estar feliz, mas sentindo
apenas que cumprira uma obrigação, que a envergonhava e lhe deixava um aperto no peito que não a deixava adormecer. De forma nenhuma queria isso para a sua
menina. Dos seus filhos, Ana era aquela que mais se identificava com ela. A mais
sensível. Sentindo que se acalmara, afastou-a um pouco e olhou-a com ternura.
- Se assim é, fizeste bem, Ana. Um casamento é uma coisa
muito séria. Bem sei que na atualidade, o divórcio está na ordem do dia. Mas
acarreta sofrimento. Deixa cicatrizes. Já contaste ao pai?
- Eu sabia que me ias entender. No fundo, o que eu
queria, era um casamento como o vosso. Essa felicidade que transportam no
olhar, esse amor visível em cada gesto. Foi sempre assim, ou isso aprende-se
com o tempo?
Francisca sorriu: Continuava a ser uma linda mulher
apesar de já ter ultrapassado os cinquenta anos.
-No amor, nada se aprende Ana. Ele é espontâneo e
avassalador. O tempo não lhe acrescenta, nem tira nada. Somos nós, com as
nossas atitudes que o engrandecemos ou o matamos. Compara-o a uma fogueira.
Quando começa, as labaredas são altas, o calor intenso. Mas se não fazes nada,
à medida que a lenha vai ardendo, as labaredas vão diminuindo de tamanho, o
calor vai enfraquecendo até que da fogueira inicial só restam cinzas.
- E é impossível uma fogueira arder só de um lado, - murmurou
a jovem desalentada. Para depois acrescentar.
-Contei ao pai, e ficou furioso. Tenho a sensação
de que sentia vontade de me bater.
- Está preocupado contigo. É natural. Não te preocupes.
No fundo o que nós queremos é que sejas feliz. Estás com muito trabalho? Devias
pedir-lhe que te desse umas férias. Precisas espairecer. Porque não fazes uma
viagem?
- Agora? E a vossa festa de aniversário?
- Faltam cinco dias. Podias, aproveitar para pôr em ordem
algum assunto que tenhas pendente e partir depois da festa.
-Não tinha pensado nisso, Obrigado mãe, fazes com que os
meus grandes problemas se tornem menores e menos dolorosos.
Francisca sorriu quando a jovem se inclinou para a beijar
murmurando:
-És um anjo.
17 comentários:
Sentimentos profundos e partilhados entre mãe e filha. Como eu gosto. A história promete.
A passar por cá para acompanhar as histórias e desejar um excelente 2017!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Quase sempre, há mais compreensão e abertura entre mãe e filha do que entre pai e filha ! ... Isso parece-me absolutamente natural ! :)
Aguardemos pelo desenrolar dos acontecimentos ! :))
a mãe...um porto seguro
gosto....
aguardemos ...
beijo
:)
Se todas as mães apoiassem as filhas, que bom seria!
Beijinhos, amiga, bom 2017
Bonita cumplicidade entre mãe e filha.
Bjn
Márcia
Dá gosto ver essa cumplicidade entre mãe e filha!
Beijo
A impressão com que fiquei é que podia haver por parte dos pais uma certa pressão para o casamento. Ainda bem que a mãe é compreensiva e pensa diferente do marido.
É sempre um prazer ler os seus contos.
Boa noite*
Gosto mesmo muito de a ler. Um grande beijinho e um Bom Ano querida Elvira.
Começo a acompanhar agora.
Bom Ano de 2017!
É muito bom quando a mãe é também uma amiga e confidente. Sorte pra Ana!
:)
Socorro Melo
O apoio de mãe é essencial em muitos momentos...bj
Na intimidade a chama não se acendeu,
por isso na escuridão não há claridade
quando chegou a noite o sol adormeceu
sem saúde e sem amor não há felicidade!
Um abraço amiga Elvira.
É bom Ana poder contarcom o apoio da mãe!
Oi Elvira,
Casamento sem amor e paixão vira amizade, se ela fosse velha, mas nova é inadmissível ficar juntos por causa do pai...
Amanhã volto, não quero m e atrasar muito.
Beijos
Lua Singular
Mais um lindo conto que estou a acompanhar com interesse como sempre. Sempre houve uma abertura entre mim e a minha mãe e com a minha filha é igual . Acho muito importante isso. Beijinhos, Elvira e um bom fim de semana
Emilia
Boa noite, querida Elvira!
Mãe é mãe e, no conto, vc faz isso ficar bem claro!
Bjm muito fraterno
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