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2.7.21

COMEÇAR DE NOVO - PARTE XXVI

 


-O que sei eu do presente, Helena? A minha cabeça está num caos. Procurei-te com desespero, não porque me recordasse de ti, do amor que sentimos no passado, mas porque me falaram de ti. E porque dentro do meu coração eu sabia que tinha de te encontrar. Passaram catorze anos de luta para recordar aquela fase da minha vida e confesso que começava a perder a esperança. Quando tropeçaste e te segurei. O meu corpo estremeceu e excitou-se, mas o meu cérebro não teve nenhuma reação e não fora a surpresa e o pânico que li no teu olhar, nada me levaria a pensar que a minha busca tinha terminado, que tu eras a pessoa que procurava, há tantos anos.  Mas foi no hospital, ao ver a Matilde, que eu tive a certeza de que a minha busca tinha terminado. Meu Deus ela é uma fotocópia da minha irmã, na idade dela, como pudeste comprovar na foto. Quero que a nossa filha saiba quem sou, quero dar-lhe o meu nome e todo o amor que não lhe dei até agora. E casar contigo, formar a família que o destino me roubou.

- Mas…

- Por favor deixa-me continuar. És uma mulher muito bonita, e há uma grande química entre nós. Sinto-o quando me tocas e tenho a certeza que tu sentes o mesmo. E esse é o presente que te posso oferecer. Não posso jurar que te amo, como certamente o terei feito no passado, pois na minha cabeça, eu conheci-te há dias. Entendes?  Talvez seja presunção da minha parte querer que aceites casar comigo quando nem sequer sei se algum dia vou recuperar a memória daquele pedaço de tempo, todavia acredito que podemos começar de novo, uma história de amor que pode ser muito bonita.  Mas enquanto isso não acontece podemos ter um casamento baseado no respeito, companheirismo e atração física. Pelo bem da nossa filha.

- Desculpa Gonçalo, acredito que tenhas o desejo de viver com a nossa filha, mas de momento o que temos de fazer, é falar com as nossas famílias, e principalmente com a Matilde. Não vamos por os bois à frente da carroça.

Olhou o relógio.

-Meu Deus, são quase oito horas. Tenho que telefonar para casa, saber como está a Matilde e avisar que vou chegar tarde.

- Fica longe a aldeia?

-Perto do Fundão. Quase duas horas e meia de carro.

- Se a Matilde estiver bem, porque não ficas em Lisboa? Afinal ela está com os avós, e decerto eles adoram-na. Ias amanhã, logo de manhã, e não tinha de conduzir de noite.  Podíamos jantar juntos em qualquer lugar sossegado e falavas-me da nossa filha, de como nasceu, dos seus tempos de bebé e da infância. Perdi tudo isso!  

Helena hesitou. Por um lado, ela compreendia o desejo dele de saber mais sobre a filha, e também não gostava muito de conduzir durante a noite, por outro ela tinha saído depois do almoço, dizendo que ia tratar de uns assuntos inadiáveis na agência, mas que estaria de volta à noite. Não poderia dizer aos pais que ia encontrar-se com o pai da sua filha, sem saber se o que Gonçalo lhe ia dizer merecia ou não que confiasse nele. Também não tinha dito nada a Rita e temia que ela telefonasse para saber da sobrinha e de algum modo mostrasse à sua mãe que não tinha conhecimento desses tais documentos.

Por fim decidiu-se.


 TERESA, não tinha saltado nenhum número no último capitulo. Tinha sim publicado anteriormente dois capítulos com o número XXIII. Agora já está tudo correto

10.1.20

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE XXIV



Aconchegou mais o robe ao corpo, e abaixou-se junto do vulto. Ele estava de bruços e parecia inconsciente.
Com algum esforço, voltou-o. Estava ferido, ou estaria morto? Colocou os dedos no seu pescoço, e verificou que embora fraca, tinha pulsação. Estava molhado e gelado, provavelmente a entrar em hipotermia. Era preciso levá-lo para casa, proporcionar-lhe um banho quente e roupas secas. Mas primeiro que tudo, tinha que fazer com que recobrasse a consciência. Era demasiado grande para as suas forças e não havia nenhuma casa à volta a quem pedir ajuda. Abanou-o energicamente, enquanto falava.  O cão tinha parado de ladrar, e mantinha-se atento.
- Por favor, acorde. Preciso da sua ajuda. Não tenho forças para o levantar e levar para casa, - dizia desesperada.
Como se compreendesse o seu desespero, o cão ganiu, aproximou-se e começou a lamber o rosto do homem.
Ele soltou um gemido e a mulher insistiu.
- Acorde homem. Decerto não quer morrer aqui à minha porta. Tente levantar-se. Eu ajudo-o.
Com esforço e a ajuda dela, o homem pôs-se de pé. Começou a tremer de modo incontrolável. A mulher pôs o seu ombro sob o braço dele e passou-lhe um braço à roda da cintura.
-Venha. Lá dentro estará a salvo.
Com grande esforço, chegaram enfim à sala. Sem se preocupar com o aspeto do homem nem com as suas roupas molhadas, ela puxou um cadeirão para junto da lareira e ajudou-o a sentar-se.
- Fique aqui um pouquinho enquanto lhe preparo um banho quente e lhe faço um chá.
Ouviu um murmúrio que não percebeu e que julgou ser um agradecimento, mas não se deteve. Pôs a chaleira ao lume, para o chá, foi ao quarto do irmão e procurou um pijama e um robe. Não sabia se lhe serviria, o irmão era bem mais baixo do que o desconhecido, mas não podia deixá-lo com aquelas roupas encharcadas no corpo. Levou a roupa para a casa de banho e pôs a água quente a correr para a banheira. Voltou à cozinha, preparou o chá e levou-o para a sala. O homem estava meio caído no cadeirão, e aproximando-se verificou que estava de novo inconsciente.
Pensou então que seria preferível dar-lhe algo mais forte do que um chá e dirigindo-se ao móvel procurou entre as garrafas de bebida uma de brande, deitou um pouco num copo e chamou de novo o homem enquanto lhe chegava a bebida à boca.
Ele bebeu um gole, engasgou-se e tossiu fortemente. Quando acalmou ela disse:
- Beba mais um pouco vai fazer-lhe bem. Tenho a água quente a correr para o seu banho e uma inundação é tudo o que não precisamos agora.
Ele bebeu um novo gole e de seguida pousou o copo na mesa de apoio. Pôs-se de pé, e enquanto o ajudava a chegar à casa de banho, a mulher pensou que era mais alto do que lhe tinha parecido inicialmente.
Abriu a porta da casa de banho e perguntou tentando não se mostrar envergonhada.
-Acha que consegue arranjar-se sozinho? Eu vou estar por perto se precisar de ajuda chame. Na banqueta tem roupa seca. Talvez lhe fique um pouco apertada, mas é o que se pode arranjar de momento.
- Obrigado - murmurou o homem entrando e fechando a porta atrás de si.




2.8.19

LONGA TRAVESSIA - PARTE XIV (ADENDA)


Boa tarde, amigos, gente do meu chão. 
Fui hoje a nova consulta e pela primeira vez desde Fevereiro, a minha córnea teve melhoras significativas. O Professor disse mesmo que melhorou mais durante o mês de Julho do que de Fevereiro a Julho, pelo que decidiu que continue o tratamento durante este mês. Volto à consulta no dia 27 de Agosto e aí já me deve marcar a data para a nova cirurgia. 
O marido Graças a Deus está a recuperar bem, embora ainda mostre alguma debilidade, a visão ainda não esteja totalmente bem, e tenha alguma dificuldade em pronunciar algumas palavras. Mas é um guerreiro e tenho fé de que vai ficar bom. E hoje acompanhou-me à consulta.
Muito obrigada a todos pelo apoio que me têm dispensado. Que Deus vos abençoe.








Abriu a porta, mas se esperava surpreender a mulher que estava sentada atrás da secretária enganou-se. Ela levantou o olhar mas não demonstrou nenhuma surpresa. Era como se já estivesse à sua espera. Bem dadas as circunstâncias, talvez fosse previsível que ele a procurasse, mas havia alguma coisa que não batia certo.
Lembrou do olhar da sua secretária. Era isso. Ela fora avisada da sua visita.
- Precisamos conversar.
- De trabalho?  – Perguntou tentando manter-se o mais calma possível.
- Também. Mas não só.
- Só de trabalho. O resto não te interessa.
- Porque julgas que não me interessa?
- Deixaste-o bem explícito há muito tempo Rui. Ah! Desculpa, se me enganei no nome. É que tinhas-me dito que era o teu nome. Não sabia que até nisso mentias.
- O meu nome é Rui Mário. Só mais tarde abandonei o Rui…
- Devia ter imaginado algo assim. Afinal és perito em abandonos.
- Não penses que não me arrependi, Tê.
Parecia sincero, mas ela não acreditava nele. Nunca mais acreditaria nele.
- E foi por isso que voltaste, que me procuraste por todo este tempo, até me teres encontrado? – Perguntou irónica.
-Se te dissesse que tinha voltado, para te procurar desesperado, estava a mentir, e não gosto de mentiras. Mas se te disser que nunca te esqueci, e que muitas vezes sonhei voltar a ter-te a meu lado, juro que é verdade, Tê.
- Não me chames Tê. Não to autorizo. E por favor se não tens nenhum assunto de trabalho, podes sair.
- Muito bem. Trataremos dos nossos assuntos, outro dia, noutro local.
- Não haverá outro dia, como não há nossos assuntos.
Estava verdadeiramente irritada.
- Sempre ficaste linda quando te irritas, quase tanto como… - murmurou ele com uma entoação que penetrou nas recordações dela, como um estilete. Depois, como se não se tivesse dado conta da emoção que tinha provocado, continuou. – Falemos então de trabalho. Há quanto tempo estás na empresa?
- Há quase seis anos, - respondeu, ainda inquieta pelas recordações que lhe assaltaram o espírito
- Então suponho que conheces praticamente todos os empregados, mesmo os que foram admitidos antes de tu cá estares.
- Sim
- E utilizas para admissão de pessoal o método?
- Gestão por competências.
- Muito bem. Posso ver os mapas?
- Claro
- Levantou-se. Vestia uma saia justa, azul escura que lhe moldava cada curva do corpo. Uma blusa de seda azul-bebé que lhe realçava os seios arredondados.
O homem semicerrou os olhos. Como fora possível ter tido aquela mulher e abandoná-la? Porque deixara que a ambição comandasse a sua vida? 
Ela tirou uma pasta da estante. Abriu-a sobre a secretária, e durante o resto da tarde, examinaram mapas e mensurações por competências de vários funcionários, a começar pelas chefes de secção, com quem se tinha reunido nessa  manhã.

16.3.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE III







A vida não lhe sorriu como ele sonhava em Paris, antes pelo contrário, como não tinha ninguém conhecido, a quem se dirigir, nem que o acolhesse, pode-se dizer que António comeu o pão que o diabo amassou. Trabalhou em tudo o que lhe aparecia, como moço de recados, como trolha, em diversas obras, e até durante meio ano, foi coveiro no cemitério de Montmartre. Dormiu na rua, depois nas próprias obras onde trabalhava, até que já a trabalhar num café, travou conhecimento com Júlio Correia, colega de trabalho, que por questões económicas, o convidou a partilhar o seu pequeno apartamento, no último andar de um prédio antigo dos arredores. Júlio era um jovem português, emigrante como ele, irmanado no mesmo sonho, senão de fortuna, pelo menos procurando uma vida melhor do que aquela que a sua pátria lhes oferecia. 
Durante onze anos, António foi um verdadeiro escravo do trabalho. Chegou a trabalhar de dia nas obras e de noite em cafés e bares, roubando ao corpo o descanso que lhe era necessário, mas o sonho de ser rico era cada vez mais uma esperança perdida.

Todo o fim de mês mandava à mãe, dinheiro para que ela e a irmã não passassem necessidades. Pagava a sua parte no apartamento, alguma  comida e o que lhe restava, algumas "migalhas", eram guardadas religiosamente, na mira de um futuro melhor. Um dia porém a irmã casou e esse casamento levou-lhe o pouco que à custa de grande sacrifício, tinha conseguido amealhar.

António estava prestes a entrar em desespero. Tinham passado quase doze anos de trabalho intenso, o corpo começava a envelhecer, e não via no horizonte perspetivas da fortuna que perseguia. Até a fé que sempre o acompanhara de um dia ter poder suficiente para se vingar do seu ex-patrão, estava prestes a abandoná-lo naquele final de Novembro, o décimo segundo desde que chegara a França. Naquele dia, Júlio, o seu colega de quarto propusera-lhe jogar no Euromilhões. Era um sorteio especial estavam em jogo cento e oitenta milhões. Muito dinheiro para não arriscarem uns míseros euros num boletim. Nada, eles já sabiam que era certo, mas quem sabe lhes saía alguma coisa. "Nem que dê só para uma ceia de Natal melhorada já vale o investimento" , - dissera Júlio perante a sua resistência. Preencheram uma única aposta, com os números em que cada um tinha mais fé. Primeiro os cinco números depois as duas estrelas. Foi ele quem registou o boletim e o guardou. No dia seguinte ao sorteio, descobriram pelo jornal que a sorte tinha bafejado dois apostadores, um no Reino Unido e outro ali em Paris. Cada aposta tinha sido contemplada com noventa milhões. Verificado o boletim, nem queriam acreditar que a sorte lhes batera à porta, com aquela aposta.

 No mesmo dia entraram em contacto com a central de lotarias, estiveram com um advogado, assinaram uma declaração de sociedade no prémio, abriram conta no banco, onde a importância seria depositada, e saíram com muitas sugestões do que fazer e como fazer com os quarenta e cinco milhões que cada um ia receber.

Doze anos depois, António votava a Portugal, muito mais rico do que aquilo que algum dia sonhara, passava de novo o Natal com a família, conhecia  o seu cunhado e Pedro o seu pequeno sobrinho.

Não tinha contado nada à família sobre a sua nova condição de milionário. Disse-lhes na noite de Natal, depois de conhecer Eduardo Soares, o seu cunhado, um bom advogado, com quem ele simpatizou de imediato.

6.3.18

A TRAIÇÃO - PARTE VI


João caiu no desespero. Nem ele próprio, se tinha dado conta, da intensidade do amor que tinha pela mulher. Mandou a sua assistente desmarcar todas as consultas, que tinha agendadas e fechou o consultório. Sentia vontade de largar tudo e desaparecer. E se não o fez, foi porque o sentido do dever para com os seus doentes, impunha-se mesmo ao seu desgosto. Não pediu o divórcio, se ela queria ser livre, que o pedisse. Durante meses, esperou todos os dias por isso, mas ela nunca o pediu, e ele também não. Como se adivinhasse o que se tinha passado, Inês que há algum tempo tinha regressado à cidade, divorciada, e já tinha tentado reatar a relação, sem qualquer sucesso, intensificou os seus esforços,  tentando cercá-lo numa teia de sedução, e recuperar o seu amor. Ele não lhe deu qualquer esperança. Para ele, ela morrera no dia em que descobrira a sua traição.
Durante quase um ano, sentiu-se no inferno, e só não caiu na depressão, graças à ajuda ao seu amigo Manuel, um excelente psicólogo, e a única pessoa a saber que a esposa o abandonara. Quando conseguiu enfim dominar o desgosto, reabriu o consultório, mas agora apenas duas vezes por semana. Os anos foram passando, e já lá iam quase quatro desde aquele dia em que Odete partira. João tinha agora, trinta e nove anos. Os cabelos apresentavam-se grisalhos e as rugas à volta dos olhos tinham-se acentuado. Profissionalmente tinha recuperado o prestígio de outrora. Mais. Era agora o diretor do hospital onde sempre trabalhara. No seu consultório, a sua assistente estava a marcar consultas, com três meses de espera. Ele não se importava. Quem tivesse urgência, procurasse outro cardiologista. Ele não voltaria a entrar naquela espiral de excesso de trabalho. Afinal para quê? Tinha mais dinheiro do que aquele que precisava para ter uma vida de qualidade. Não tinha filhos e já tinha perdido as esperanças de os vir a ter.  O facto de Odete não ter pedido o divórcio, criou no seu coração a secreta ilusão de que um dia ela voltaria.  E essa ilusão, dava-lhe forças para se manter vivo.
Abriu os olhos e endireitou-se. Pegou a garrafa de cerveja, e levou-a à boca. Bebeu um pouco e cuspiu de imediato para a garrafa. Estava quente e choca. Levantou-se e foi à cozinha, despejou a cerveja na lava loiça e pôs a vasilha no receptáculo da reciclagem. Introduziu uma cápsula na máquina e tirou um café. Precisava espantar o cansaço. Tinha que entrar em contacto com um colega espanhol por causa de uma técnica inovadora que ele usara no tratamento de um doente, e precisava estar bem desperto. Eram quase oito horas, a hora combinada para falaram. Foi ao quarto vestiu uma camisa, penteou os cabelos e dirigiu-se ao escritório onde abriu o computador.


2.7.17

ROSA - PARTE III


No invólucro da Rosa mulher, que era a sua figura, vivia uma inocente menina que nada sabia da vida, nem dos maus instintos de alguns homens. Talvez por isso não se assustasse, nem pensasse em fugir, quando no Domingo seguinte os dois rapazes, apareceram lá no monte, onde ela passava as tardes com o gado. De resto tinha-os visto na desfolhada, não eram totalmente estranhos.
Chegaram de mansinho, como quem não tem pressa, e, de súbito, um segurou-lhe os braços e o outro meteu-lhe a mão entre o corpete e apalpou-lhe um seio. Aterrorizada, lutava para se desenvencilhar e quanto mais lutava, mais eles riam. Atiraram-na ao chão, levantaram-lhe a saia e rasgaram-lhe as cuecas. Ela continuava a gritar e a estrebuchar, mas de nada lhe valeu. De repente, sentiu-se esmagada, sob o peso do corpo masculino e a dor fê-la gritar, ao sentir o seu corpo rasgado pelo alarve desejo do homem. A dor, a raiva, a humilhação foi tanta que a pobre quase desmaiou. Mas não teve essa sorte. E teve de suportar não só a dor física, como o resfolegar do homem e o bafo quente do segundo homem que se apossou dela mal o primeiro a deixou. Rosa sentia-se morta, nem força tinha já para protestar. Nem disse nada quando os dois a ameaçaram, que davam cabo dela, se  contasse a alguém o que lhe tinham feito, antes de abalarem rindo em direção à aldeia. Ao Domingo, o Zé Rato, sempre ia tocar a sua concertina para o adro da igreja, onde se fazia um bailarico, e foi para lá que eles se dirigiram.
Rosa, não sabia, por quanto tempo ficara ali descomposta, deitada sobre a relva. Teriam passado alguns minutos, que lhe pareceram horas, quando a custo se levantou, o corpo e a alma destruídos. Agarrou no que restava das cuecas,  e limpou-se como pôde.  Depois ajoelhou e com as mãos cavou um buraco, onde as enterrou.
Levantou-se, pegou no bordão e começou a tocar as ovelhas para o curral. Não chorava. O seu desespero era como fogo que lhe devorava as entranhas.
Assustou-se a avó, com a sua entrada em casa. Primeiro, porque costumava chegar mais tarde, segundo porque o seu aspeto era por demais estranho. Trazia o cabelo e as roupas desalinhadas, e os olhos orlados por grandes círculos roxos, encontravam-se vidrados. Pela experiência, que lhe davam os muitos anos de vida, a avó soube imediatamente o que tinha acontecido à sua menina. Pôs uma panela de água ao lume, foi buscar o alguidar de zinco, despejou-lhe um cântaro de água fria. Enquanto a água não fervia, foi buscar uma combinação da neta e um lençol velhinho mas limpo. Depois, com as mãos trementes, tirou-lhe o vestido, e não pode deixar de reparar nas manchas sanguinolentas nas coxas, nem nas manchas roxas num dos seios. Despejou o tacho da água a ferver no alguidar, já mais de meio de água fria, experimentou a temperatura e agarrando na mão da neta disse:
- Vem. Não podemos lavar a alma, mas o corpo sim. Vais sentir-te um pouco melhor.
Ajudou-a a meter-se no alguidar e deu-lhe banho como se ela fosse uma criança. Depois, com imenso carinho, enrolou-a no lençol, enxugou-a  e enfiou-lhe a combinação de estopa grosseira. E ajudou-a a, a deitar-se na cama.
Rosa não chorara nem dissera uma única palavra desde que chegara a casa e a velha senhora começava a assustar-se.


continua

1.11.15

FOLHA EM BRANCO - PARTE XI


foto da net
Depois que Miguel saiu, a jovem apertou a cabeça entre as mãos, como se quisesse alcançar a memória perdida.
Quando ele mencionara o facto de poder ser seu pai, ela sentira como se uma corrente eléctrica, lhe percorresse o corpo. Era uma sensação estranha e dolorosa que ela desconhecia. Que se passava com ela? A ser verdade que tentara matar-se, como Miguel dissera, ( e não tinha razão para duvidar da palavra de um homem, que até ali se portara como um cavalheiro) que fizera ela de tão grave para desejar a morte? Ou quem lhe tinha feito tanto mal, ao ponto de a levar àquele desespero? Porque não conseguia lembrar-se  de nada? A sua cabeça era como uma folha em branco, que ela não conseguia preencher. Soltou um gemido e de novo deu livre curso às lágrimas. Mais tarde, preparou-se para dormir.
Antes de se deitar, hesitou. Fechava ou não a porta à chave? Miguel tinha mostrado ser um homem íntegro. Não podia imaginar que se aproveitasse da sua fragilidade. Não fechá-la era a prova de que confiava nele. Por outro lado ele mesmo lhe dissera para o fazer. Então decidida, deu a volta à chave e deitou-se.
Levou horas para adormecer. Por fim, cansada, entregou-se nos braços de Morfeu.
Acordou sobressaltada a meio da madrugada. Sentiu passos na sala ao lado. Depois os passos no corredor, uma porta que se abria.
Minutos depois, a porta fechava-se, os passos firmes voltaram a ouvir-se pelo corredor até à sala. Logo em seguida, apagou-se a luz e o silêncio reinou na casa.
Acordou cedo. Saltou da cama e num movimento mecânico, certamente efectuado ao longo de anos, fez dançar o pé direito debaixo da cama em busca de algo. De repente lembrou que não tinha visto nas coisas que Miguel lhe comprara, uns chinelos. Ia retirar o pé, quando encalhou em qualquer coisa. Eram os chinelos do dono da casa. Enfiou-os. Eram enormes, mas à falta de melhor serviam. Vestiu o robe, rodou a chave lentamente, e saiu procurando não acordar o homem que dormia vestido no sofá.
Coitado! Esquecera-se de retirar do quarto a roupa para dormir, e ela, presa à sua dor, nem pensara nisso.