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13.3.20

DIVIDA DE JOGO - PARTE VIII




Terminado o jantar, Eva começou a retirar a loiça da mesa, perguntando:
-Faço café para os dois?
- Se não te importares! – respondeu observando-a dissimuladamente.
Ela procurou no armário a embalagem de cápsulas, e as chávenas e tirou os cafés.
-A que horas, tens que estar no casino? – perguntou ela.
- Não sou empregado do casino, Eva. Sou jogador profissional sim, mas trabalho por conta própria. Posso ir todos os dias, e geralmente vou, mas posso estar  alguns dias, sem aparecer. Por isso não paro muito tempo num mesmo sítio. Hoje estou aqui, amanhã ou daqui a um mês posso estar na Itália, no Mónaco, ou em qualquer outro lugar do planeta, desde que haja um bom casino. Como te disse sou um cidadão do mundo.
- Mas para isso não é preciso ter muito dinheiro? Ou ganhas sempre?
Ele sorriu divertido com a sua ingenuidade.
- Nenhum jogador ganha sempre, a menos que faça batota, mas isso é crime e é severamente punido.  Eu nunca me arriscaria a fazer batota. Pode-se dizer que nos ganhos há dois componentes que funcionam em pleno. A concentração e a sorte. A condição mais importante para o profissional, é retirar-se da mesa a tempo, quer esteja a ganhar, ou a perder. Porque a verdade é essa, umas vezes ganhamos e outras perdemos.
- Quer dizer que não escolheste essa profissão pensando enriquecer?
- De modo algum. Na verdade nunca desejei ser rico. Sou um bocado aventureiro, desfruto do que a vida me dá. Não sou rico, mas digamos que tenho o suficiente para não me preocupar com o futuro. O dinheiro do jogo, só entra nas minhas contas, no sentido em que o que perco num dia, tem que ser igual ou inferior ao que ganhei no anterior. Essa é a diferença entre um jogador profissional, e um “agarrado” como era o teu marido. Nós jogamos pelo prazer único do jogo, racionalmente, sem emoção. Homens dominados pelo vício são capazes de vender a alma ao diabo, pelo jogo. É uma dependência com a da heroína ou de outra droga qualquer. Nunca suspeitaste que o teu marido era viciado no jogo?
- Não. É claro que as chegadas a casa quase de madrugada e a falta de dinheiro, me fizeram acreditar que alguma coisa não estava bem. Suspeitei que ele me traía, que havia outra mulher na sua vida. No dia em que quis discutir com ele, o nosso casamento, saiu de casa batendo a porta e não voltou. De madrugada, a polícia bateu-me à porta, avisando da sua morte. Pensei que tinha sido um acidente, até que o agente me informou, que ele tinha subido àquele terraço com intenções claras de se matar, e que várias pessoas, incluindo a própria polícia, tinham tentado sem sucesso demovê-lo de atirar-se de lá. 

16.3.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE III







A vida não lhe sorriu como ele sonhava em Paris, antes pelo contrário, como não tinha ninguém conhecido, a quem se dirigir, nem que o acolhesse, pode-se dizer que António comeu o pão que o diabo amassou. Trabalhou em tudo o que lhe aparecia, como moço de recados, como trolha, em diversas obras, e até durante meio ano, foi coveiro no cemitério de Montmartre. Dormiu na rua, depois nas próprias obras onde trabalhava, até que já a trabalhar num café, travou conhecimento com Júlio Correia, colega de trabalho, que por questões económicas, o convidou a partilhar o seu pequeno apartamento, no último andar de um prédio antigo dos arredores. Júlio era um jovem português, emigrante como ele, irmanado no mesmo sonho, senão de fortuna, pelo menos procurando uma vida melhor do que aquela que a sua pátria lhes oferecia. 
Durante onze anos, António foi um verdadeiro escravo do trabalho. Chegou a trabalhar de dia nas obras e de noite em cafés e bares, roubando ao corpo o descanso que lhe era necessário, mas o sonho de ser rico era cada vez mais uma esperança perdida.

Todo o fim de mês mandava à mãe, dinheiro para que ela e a irmã não passassem necessidades. Pagava a sua parte no apartamento, alguma  comida e o que lhe restava, algumas "migalhas", eram guardadas religiosamente, na mira de um futuro melhor. Um dia porém a irmã casou e esse casamento levou-lhe o pouco que à custa de grande sacrifício, tinha conseguido amealhar.

António estava prestes a entrar em desespero. Tinham passado quase doze anos de trabalho intenso, o corpo começava a envelhecer, e não via no horizonte perspetivas da fortuna que perseguia. Até a fé que sempre o acompanhara de um dia ter poder suficiente para se vingar do seu ex-patrão, estava prestes a abandoná-lo naquele final de Novembro, o décimo segundo desde que chegara a França. Naquele dia, Júlio, o seu colega de quarto propusera-lhe jogar no Euromilhões. Era um sorteio especial estavam em jogo cento e oitenta milhões. Muito dinheiro para não arriscarem uns míseros euros num boletim. Nada, eles já sabiam que era certo, mas quem sabe lhes saía alguma coisa. "Nem que dê só para uma ceia de Natal melhorada já vale o investimento" , - dissera Júlio perante a sua resistência. Preencheram uma única aposta, com os números em que cada um tinha mais fé. Primeiro os cinco números depois as duas estrelas. Foi ele quem registou o boletim e o guardou. No dia seguinte ao sorteio, descobriram pelo jornal que a sorte tinha bafejado dois apostadores, um no Reino Unido e outro ali em Paris. Cada aposta tinha sido contemplada com noventa milhões. Verificado o boletim, nem queriam acreditar que a sorte lhes batera à porta, com aquela aposta.

 No mesmo dia entraram em contacto com a central de lotarias, estiveram com um advogado, assinaram uma declaração de sociedade no prémio, abriram conta no banco, onde a importância seria depositada, e saíram com muitas sugestões do que fazer e como fazer com os quarenta e cinco milhões que cada um ia receber.

Doze anos depois, António votava a Portugal, muito mais rico do que aquilo que algum dia sonhara, passava de novo o Natal com a família, conhecia  o seu cunhado e Pedro o seu pequeno sobrinho.

Não tinha contado nada à família sobre a sua nova condição de milionário. Disse-lhes na noite de Natal, depois de conhecer Eduardo Soares, o seu cunhado, um bom advogado, com quem ele simpatizou de imediato.