Naquela noite, Ricardo custou a adormecer. Talvez se
tivesse bebido mais uns copos, conseguisse embotar o espírito e não recordar que
estava sozinho a milhares de quilómetros de casa, numa terra hostil, cujos
costumes não compreendia, nem defendia, embora respeitasse, quando na sua
terra, a sua família comemorava a magia daquela noite sem a sua presença.
Nunca em outras missões se sentiu tão cansado, tão
solitário e com tanta vontade de regressar a casa. Decididamente, quando
acabasse aquela missão ia requerer a sua passagem à situação de Reserva de
disponibilidade.
Clara, tivera razão, quando lhe dissera que ele tinha
que optar entre a carreira e o amor dos filhos. Ela era uma mulher inteligente
e sensível. E ele estava grato ao destino por a ter posto na sua vida. Os seus
filhos adoravam-na, e mesmo à distância ele via que ela os amava.
É certo que ela recebia um bom ordenado para cuidar
deles. Mas se dinheiro compra cuidados não compra amor.
Antónia dissera-lhe antes da partida que Clara tinha
no peito um coração amoroso, e a alma nos olhos. Francisco também lhe dizia que
ela era uma grande mulher e que estava a tratar os seus filhos como uma
verdadeira mãe. Mas poderia, esse coração amoroso, essa grande mulher, algum
dia encantar-se por um homem como ele? Um homem amargo, desiludido com a vida e
com o sexo oposto, que não acreditava no amor, a não ser claro o amor filial?
Decerto que não. “Um dia interessar-se-à por alguém, mas decerto não por ti”
Acabou por adormecer. E sonhou que estava em casa, que
Clara já não era apenas a sua esposa nominal, mas que eram um casal na
verdadeira aceção da palavra. Ele já não estava no exército e tinha-se tornado
um escritor famoso.
Acordou cedo, e graças ao sonho, poder-se-ia dizer que
acordou feliz.
E logo depois do pequeno-almoço, dirigiu-se ao seu
gabinete, a fim de ler o correio eletrónico.
A mensagem de Clara era muito curta. Talvez porque
fora escrita já depois da meia-noite, ou porque tinham falado na véspera, ou
ainda porque entendesse que o vídeo dizia mais do que as palavras.
Abriu o vídeo. E viu a sala da sua casa. A um canto da sala havia uma
árvore de Natal muito bem decorada, e profusamente iluminada. Sob ela, quatro embrulhos,
onde Ricardo conseguiu ler, os nomes de Bernardo, Soraia, Miguel e Nuno. Ao
lado sobre uma mesa baixa, um presépio com várias figurinhas, entre musgo, e
uma cabana feita de cortiça, com as imagens que simbolizavam Maria e José, um
de cada lado de uma manjedoura com algumas palhas, mas sem o menino. “Decerto
só o vão por ali depois da meia-noite” - pensou. Os seus filhos brincavam com
dois meninos mais velhos. "Devem ser os filhos de Adelaide, que Clara disse que ia convidar para a ceia. Então ouviram-se sinos e o característico riso do Pai
Natal, que entrou na sala, com um saco às costas, e logo foi rodeado pelas
quatro crianças.
O Pai Natal pôs o saco no chão e tirou uma caixa, Leu o
nome.
-Soraia. Há aqui alguém que se chame Soraia?
-Eu… eu, - gritou a menina puxando-lhe o casaco
O Pai Natal entregou-lhe uma caixa e seguindo o mesmo
esquema entregou os outros três presentes, e de seguida disse que ainda tinha
de ir levar presentes a muitos meninos e saiu.
As crianças rasgaram os papéis e ficaram radiantes com
os presentes.
Um órgão musical, uma bicicleta, um estojo de pintor
com cavalete e tudo e uma bola de futebol. Decerto as prendas, que cada um
desejava, a julgar pela alegria que demonstravam.
Depois Tiago pegou os embrulhos que estavam debaixo da
árvore e distribuiu-os. Os meninos abriram-nos e verificaram que se tratava de
roupa. Iam voltar para os seus brinquedos, mas de repente os seus filhos
voltaram-se para a câmara e disseram:
-Boa-noite, pai. Temos muitas saudades tuas, -disseram soprando um beijo na direção da câmara.
“Quem inventou
que um homem não chora?”- murmurou limpando o rosto à manga do camuflado.
17 comentários:
Bonito, este capítulo da revelação do vídeo de Natal.
Abraço, Elvira
Ai as saudades...essas matam...corroem por dentro!! Amei!Tanta realidade neste episódio!
Beijos e um excelente dia!
Que lindo! Ele teve motivos de sobra pra se emocionar!bjs chica
Boa tarde
Eu sei que a palavra e conhecida mas não posso deixar de a pronunciar .
Emocionante .
JAFR
Acho que vem do homem esse espírito de achar que precisa sustentar a casa a todo custo, esquecendo do mais importante a família.
bjokas =)
As crianças inocentes festejando com alegria a noite de Natal. Ricardo seu pai longe triste pensando que bom seria estar junto deles. Para com carinho os abraçar, sentindo a presença de Clara, pela qual estará, ele, apaixonado?
Tenha uma boa tarde amiga Elvira.
Um abraço.
Que capitulo lindo e tão melancólico... imagino o que lhe custou...Adorei.:))
Hoje, com: Sussurros da natureza em desamor
Bjos
Votos de uma óptima Terça - Feira
Um verdadeiro capitulo repleto de espírito natalício!
Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Um conto tem sempre uma ponta de ansiedade para adivinhar no que vai acontecer. Este, está bem engendrado e prevê-se um conto de fadas. Muito bem, amiga Elvira. Um beijinho.
Está uma delicia este conto :-)
Boa noite, Elvira
Boa Tarde, querida amiga Elvira!
Está emocionante com seu toque magico que faz chorar o homem e emocionar a quem lê cada capítulo.
Deus a abençoe muito@
Bjm fraterno e carinhoso de paz e bem
Este capitulo surpreendeu muito bom
Bjs
Kique
Hoje em Caminhos Percorridos - Álcool mata pessoas!
Desta vez, a autora está a tocar fundo no coração dos leitores!
Estes últimos capítulos têm-me deixado de coração derretido.
E sabe, Elvira? Muitas vezes acordo com uma sensação de felicidade sem saber porquê, mais tarde no mesmo dia, algo me acontece e faz lembrar o sonho que me deixou assim e, de manhã, só tinha ficado a sensação.
O mesmo que aconteceu ao Ricardo.
Um homem chorar só o engrandece...ao contrário do que muitos pensam.
Um abraço e noite feliz! :)
Ainda creio que sua história possa acontecer na vida real, Elvira!
Obrigada por esse capítulo cheio de sentimentos de amor e esperança.
Beijos, amiga.
Aguardando agora sem tanto frisson, a continuação dessa doce história.
Até amanhã!
Querida Elvira, tenho estado a ajudar a minha filha com a netinha e, sabes como é, criança de 15 dias deixa qualquer um cansado e sem tempo Estive a ler alguns capitulos anteriores e já estou a adivinhar um final feluz. Vamos lá ver como as coisas decorrem. Espero que estejas bem de saúde. Um beijinho e boa noite
Emilia
Bonito Elvira como constrói e leva à emoção.
Saudade é mesmo uma fera.
Muito bom capitulo amiga.
Carinhoso abraço.
Não deve ser fácil viver momentos como este!!! Bj
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