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16.10.18

ENTRE O AMOR E A CARREIRA - PARTE XXIX





Naquela noite, Ricardo custou a adormecer. Talvez se tivesse bebido mais uns copos, conseguisse embotar o espírito e não recordar que estava sozinho a milhares de quilómetros de casa, numa terra hostil, cujos costumes não compreendia, nem defendia, embora respeitasse, quando na sua terra, a sua família comemorava a magia daquela noite sem a sua presença.
Nunca em outras missões se sentiu tão cansado, tão solitário e com tanta vontade de regressar a casa. Decididamente, quando acabasse aquela missão ia requerer a sua passagem à situação de Reserva de disponibilidade.
Clara, tivera razão, quando lhe dissera que ele tinha que optar entre a carreira e o amor dos filhos. Ela era uma mulher inteligente e sensível. E ele estava grato ao destino por a ter posto na sua vida. Os seus filhos adoravam-na, e mesmo à distância ele via que ela os amava.
É certo que ela recebia um bom ordenado para cuidar deles. Mas se dinheiro compra cuidados não compra amor.
Antónia dissera-lhe antes da partida que Clara tinha no peito um coração amoroso, e a alma nos olhos. Francisco também lhe dizia que ela era uma grande mulher e que estava a tratar os seus filhos como uma verdadeira mãe. Mas poderia, esse coração amoroso, essa grande mulher, algum dia encantar-se por um homem como ele? Um homem amargo, desiludido com a vida e com o sexo oposto, que não acreditava no amor, a não ser claro o amor filial? Decerto que não. “Um dia interessar-se-à por alguém, mas decerto não por ti”
Acabou por adormecer. E sonhou que estava em casa, que Clara já não era apenas a sua esposa nominal, mas que eram um casal na verdadeira aceção da palavra. Ele já não estava no exército e tinha-se tornado um escritor famoso.
Acordou cedo, e graças ao sonho, poder-se-ia dizer que acordou feliz.
E logo depois do pequeno-almoço, dirigiu-se ao seu gabinete, a fim de ler o correio eletrónico.
A mensagem de Clara era muito curta. Talvez porque fora escrita já depois da meia-noite, ou porque tinham falado na véspera, ou ainda porque entendesse que o vídeo dizia mais do que as palavras.
Abriu o vídeo. E viu a sala da sua casa. A um canto da sala havia uma árvore de Natal muito bem decorada, e profusamente iluminada. Sob ela, quatro embrulhos, onde Ricardo conseguiu ler, os nomes de Bernardo, Soraia, Miguel e Nuno. Ao lado sobre uma mesa baixa, um presépio com várias figurinhas, entre musgo, e uma cabana feita de cortiça, com as imagens que simbolizavam Maria e José, um de cada lado de uma manjedoura com algumas palhas, mas sem o menino. “Decerto só o vão por ali depois da meia-noite” - pensou. Os seus filhos brincavam com dois meninos mais velhos. "Devem ser os filhos de Adelaide, que Clara disse que ia convidar para a ceia. Então ouviram-se sinos e o característico riso do Pai Natal, que entrou na sala, com um saco às costas, e logo foi rodeado pelas quatro crianças.
O Pai Natal pôs o saco no chão e tirou uma caixa, Leu o nome.
-Soraia. Há aqui alguém que se chame Soraia?
-Eu… eu, - gritou a menina puxando-lhe o casaco
O Pai Natal entregou-lhe uma caixa e seguindo o mesmo esquema entregou os outros três presentes, e de seguida disse que ainda tinha de ir levar presentes a muitos meninos e saiu.
As crianças rasgaram os papéis e ficaram radiantes com os presentes.   
Um órgão musical, uma bicicleta, um estojo de pintor com cavalete e tudo e uma bola de futebol. Decerto as prendas, que cada um desejava, a julgar pela alegria que demonstravam.
Depois Tiago pegou os embrulhos que estavam debaixo da árvore e distribuiu-os. Os meninos abriram-nos e verificaram que se tratava de roupa. Iam voltar para os seus brinquedos, mas de repente os seus filhos voltaram-se para a câmara e disseram:
-Boa-noite, pai. Temos muitas saudades tuas, -disseram soprando um beijo na direção da câmara.
 “Quem inventou que um homem não chora?”- murmurou limpando o rosto à manga do camuflado.


17 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

Bonito, este capítulo da revelação do vídeo de Natal.

Abraço, Elvira

Cidália Ferreira disse...

Ai as saudades...essas matam...corroem por dentro!! Amei!Tanta realidade neste episódio!

Beijos e um excelente dia!

chica disse...

Que lindo! Ele teve motivos de sobra pra se emocionar!bjs chica

Joaquim Rosario disse...

Boa tarde
Eu sei que a palavra e conhecida mas não posso deixar de a pronunciar .
Emocionante .
JAFR

Bell disse...

Acho que vem do homem esse espírito de achar que precisa sustentar a casa a todo custo, esquecendo do mais importante a família.

bjokas =)

Edum@nes disse...

As crianças inocentes festejando com alegria a noite de Natal. Ricardo seu pai longe triste pensando que bom seria estar junto deles. Para com carinho os abraçar, sentindo a presença de Clara, pela qual estará, ele, apaixonado?

Tenha uma boa tarde amiga Elvira.
Um abraço.

Larissa Santos disse...

Que capitulo lindo e tão melancólico... imagino o que lhe custou...Adorei.:))

Hoje, com: Sussurros da natureza em desamor
Bjos
Votos de uma óptima Terça - Feira

Teresa Isabel Silva disse...

Um verdadeiro capitulo repleto de espírito natalício!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

Kim disse...

Um conto tem sempre uma ponta de ansiedade para adivinhar no que vai acontecer. Este, está bem engendrado e prevê-se um conto de fadas. Muito bem, amiga Elvira. Um beijinho.

noname disse...

Está uma delicia este conto :-)

Boa noite, Elvira

Roselia Bezerra disse...

Boa Tarde, querida amiga Elvira!
Está emocionante com seu toque magico que faz chorar o homem e emocionar a quem lê cada capítulo.
Deus a abençoe muito@
Bjm fraterno e carinhoso de paz e bem

Kique disse...

Este capitulo surpreendeu muito bom
Bjs

Kique

Hoje em Caminhos Percorridos - Álcool mata pessoas!

Janita disse...

Desta vez, a autora está a tocar fundo no coração dos leitores!
Estes últimos capítulos têm-me deixado de coração derretido.

E sabe, Elvira? Muitas vezes acordo com uma sensação de felicidade sem saber porquê, mais tarde no mesmo dia, algo me acontece e faz lembrar o sonho que me deixou assim e, de manhã, só tinha ficado a sensação.

O mesmo que aconteceu ao Ricardo.

Um homem chorar só o engrandece...ao contrário do que muitos pensam.

Um abraço e noite feliz! :)

Sandra May disse...

Ainda creio que sua história possa acontecer na vida real, Elvira!
Obrigada por esse capítulo cheio de sentimentos de amor e esperança.
Beijos, amiga.
Aguardando agora sem tanto frisson, a continuação dessa doce história.
Até amanhã!

Emília Pinto disse...

Querida Elvira, tenho estado a ajudar a minha filha com a netinha e, sabes como é, criança de 15 dias deixa qualquer um cansado e sem tempo Estive a ler alguns capitulos anteriores e já estou a adivinhar um final feluz. Vamos lá ver como as coisas decorrem. Espero que estejas bem de saúde. Um beijinho e boa noite
Emilia

Toninho disse...

Bonito Elvira como constrói e leva à emoção.
Saudade é mesmo uma fera.
Muito bom capitulo amiga.
Carinhoso abraço.

Os olhares da Gracinha! disse...

Não deve ser fácil viver momentos como este!!! Bj