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4.10.18

ENTRE O AMOR E A CARREIRA - PARTE XVIII


O resto daquela semana “de lua-de-mel” decorreu sem sobressalto. No dia seguinte foram à casa em Alcântara, buscar livros, roupas e algumas loiças. Depois entregaram o resto do recheio da casa a um lar de idosos, e por fim entregaram as chaves ao senhorio.
Com esta operação, Clara sentiu que cortava de vez com o passado e que consolidava a sua nova vida, embora fosse uma vida a prazo. Mas não se arrependia. Antónia e o marido, tratavam-na e ao irmão,  com o maior carinho. Ele ia poder estudar, e ela estava feliz. Adorava crianças, e trabalhar com elas e para elas era uma tarefa gratificante. Tanto mais que aquelas eram amorosas. Tinha quinze anos pela frente para semear nos seus corações inocentes, a semente do amor. E cuidar dela com carinho, de modo a que essa semente frutificasse num sentimento que perdurasse muito para além do prazo do contrato. Era essa a sua meta, e para a alcançar ela trabalharia dia e noite se preciso fosse. E a relação com Ricardo?
Bom, essa era mais difícil de descrever. Não era uma relação de patrão – empregada, muito menos de marido e mulher. Poder-se-ia talvez descrever como uma relação de amigos, mas nem isso. Porque apesar da cordialidade com que a tratava, Clara sabia que ele não confiava nela. Era capaz de apostar a vida em como antes de partir, ia encarregar Antónia de a vigiar. Apesar disso não o censurava, depois do que ele lhe contara, estranho seria, o contrário. Afinal, as mulheres com quem lidara, não lhe deram motivos para que confiasse nelas. O tempo lhe mostraria, que ela era árvore de outra espécie.
Por vezes surpreendia-o a olhá-la, de uma maneira que ela não conseguia definir. Era como se ele quisesse penetrar no seu interior, desvendar os seus pensamentos. Outras vezes, sentia que embora pudesse estar a fitá-la, ele nem a via. Os seus olhos cinzentos adquiriam a tonalidade do aço e o seu olhar era tão frio quanto esse metal.
Nas vésperas, porém, tinha-a surpreendido. Chamara-a à biblioteca, e abrindo uma gaveta da secretária, retirara uns envelopes.
- Aqui neste envelope, tens os documentos da abertura de uma conta em teu nome. Foi aberta com a importância que combinámos como o teu vencimento. Nela será depositada todos os meses a mesma importância. Também aí tens um cartão de crédito, com o qual pagarás todas as despesas que fizeres, seja para ti, para as crianças ou para o teu irmão. Refiro-me a despesas pessoais. A despesa com a escola dos meninos ou com a faculdade do teu irmão, apresentas a conta ao Francisco, que ele paga. Ele também está encarregado dos ordenados da Antónia, do marido e de algum trabalhador, que o Alfredo entenda necessário contratar temporariamente para o ajudar nalguma tarefa. Além de ser o meu advogado, é ele que gere todos os meus investimentos. Inicialmente tinha pensado comprar-te um carro, para te deslocares à cidade,  para levar as crianças à escola, ou simplesmente para algum passeio, mas como o meu vai ficar parado, podes utilizá-lo. Mais tarde quando voltar, tratamos então de comprar um para ti. Neste outro envelope, estão todos os documentos dos meus filhos, bem como uma procuração minha, que te nomeia tutora deles na minha ausência, e te dá pelos poderes de decisão sobre eles. Penso que não será necessário, dado que estamos casados, mas nunca se sabe o que pode surgir, e mais vale prevenir. Espero que percebas que estou a confiar-te o meu bem mais precioso – terminou com voz rouca, levantando-se e aproximando-se da janela.
O que ele não disse, Clara entendeu. E entendeu também que aquele homem que fora toda a vida, um solitário, se apegara ao amor dos filhos, como um náufrago se agarra à bóia que o vai salvar.
Sentiu pena, e ao mesmo tempo uma enorme admiração por ele.
- Fica descansado. Apesar de os conhecer há pouco tempo, o conhecimento do que já sofreram, e a sua índole terna e doce, ganharam o meu coração. Cuida de ti, e pensa naquilo que te disse. Sei que é a tua carreira, mas decerto haverá nas unidades do país, muitos outros trabalhos que possas desenvolver, sem andares sempre nessas arriscadas missões. Se eles são o teu bem mais precioso, tu és o único bem que eles têm.
Não esperou resposta. Agarrou nos envelopes e saiu  fechando a porta suavemente atrás de si.




20 comentários:

Os olhares da Gracinha! disse...

Admiração é um passo em frente!!!
Bj e gostei de ler!

noname disse...

Bom, indo ele embora, a coisa vai entrar, digo eu, que nunca se sabe o que a autora nos reserva mas, como ia dizendo, a coisa vai rolar entre crianças, passeios, escolas, vamos lá entrar nessa nova etapa.

Boa noite, Elvira

PS: Como vai a saúde dos dois, melhor?

Janita disse...

Vamos lá ver se a história adquire um novo fôlego, resolvidos que foram os primeiros trâmites legais da 'coisa'.
Lendo e gostando, como não poderia deixar de ser. Mas gostaria de sentir o coração pulsar mais forte, Elvira! :)

Um abraço.

Larissa Santos disse...

Uma história que estou a gostar muito:)) Parabéns por nos proporcionar boas leituras :))

Hoje » Poesia sem sonhos

Bjos
Votos de uma óptima Noite

Teresa Isabel Silva disse...

Estou ansiosa por saber que surpresas ainda vão surgir!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

Cidália Ferreira disse...

Boa noite! Sempre a surpreender!Ela vai fazer dele um Homem doce! AMEI!!

Beijos

chica disse...

MAIS UMA NOVA ETAPA INICIARÁ AGORA PARA TODOS E CABE À NÓS ESPERAR O MELHOR! BEEIJOS, CHIOCA

Manu disse...

Faz alguma impressaão tanta frieza, pode ser que um dia ele mude.
Gostei do que li.

Abarço Elvira

Kique disse...

A actualizar a leitura depois destes dias de ausência.

Bjs

Kique

Hoje em Caminhos Percorridos - Todos os homens querem sexo?

Tintinaine disse...

Como sempre, vou acompanhando a evolução da história, embora nem sempre comente. Hoje foi dia de ir à revisão do Pacemaker e tudo parece estar a correr de acordo com o esperado. Mais não se pode pedir.
O Porto, com algum sofrimento, consegui levar de vencida os turcos do Gala e amealhou mais uns trocos.

Cantinho da Gaiata disse...

Mais uns capítulos lidos e tão bem que me souberam, a amiga tem um dom de escrita que nunca vi igual, pensa em todos os promenores.
Está a começar algo no ar, vem aí paixoneta....hehehe.
Beijinho grande.

Pedro Coimbra disse...

Lentamente, sem sentir, vai-se aproximando.
Abraço

Maria João Brito de Sousa disse...

Gosto muito do rumo que esta sua história vai tomando, Elvira.

Bom dia e um forte abraço

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Penso que vai surgir neste conto algo que vai impressionar aquele coração frio em relação ás mulheres e o vai fazer mudar de opinião e tudo vai acabar numa boa relação entre os dois ou seja um casamento verdadeiro .
JAFR

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Uma história em que a sua imaginação é criatividade estão bem patentes.
Estou a gostar muito.
Beijinhos e ótimo dia.
Ailime

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história.


Isabel Sá
Brilhos da Moda

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Está a ficar interessante minha amiga.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Edum@nes disse...

A vida a prazo, todos nós temos. Uns mais outros menos preocupados. Mas, todos sempre mais queremos.

Tenha um bom dia amiga Elvira.
Um abraço.

Sandra May disse...

Que bom ter esse tempinho para adocicar o meu coração...obrigada!
Leio esta história como lia as dos meus tempos de adolescente, me faz bem, renova as esperanças.
Beijos, Elvira.

Obs: Como vai a saúde do casal?
Espero que bem.

aluap disse...

Uma frase marcante.

Um abraço.