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12.3.20

DIVIDA DE JOGO - PARTE VII


Quando duas horas depois, André voltou, a primeira coisa que viu, assim que Eva lhe abriu a porta, foi o seu rosto congestionado, e os olhos vermelhos e inchados, indicadores claros de ter levado o tempo a chorar. Sentiu um baque no peito. Era tão jovem. Parecia uma menina e já tão sofrida. Sorriu, tentando animá-la.
- Trouxe jantar para os dois. Calculei que não te apetecesse cozinhar. E uma vez que ia sair do hotel preferi fazê-lo antes do jantar. Vou pôr a mala no quarto e já venho. Queres por a mesa? Na cozinha, se não te importas.
Estendeu-lhe o saco, e seguiu com a mala para o quarto. Eva pôs a mesa. Depois abriu o saco, e tirou dele uma garrafa de vinho tinto, um recipiente com frango assado, outro com batatas fritas, um com salada e uma caixa de gelado, que colocou no congelador. Procedia quase como um autómato, pensando quão estranha era a vida. De manhã, ela nem sonhava com a existência de André. E agora ali estava a por a mesa, para um jantar a dois, como se fossem um casal, ou pelo menos amigos íntimos. Curioso é que depois do embate inicial, e sobretudo depois da conversa que tiveram horas antes, ela deixou de recear o que lhe podia acontecer no futuro. Confiava nele? Sim, mas não de peito aberto. Como diria a Irmã Madalena, confiava, desconfiando. Muita água teria que correr debaixo da ponte, até que voltasse a confiar em alguém, em pleno, como confiara no marido.
- Espero que gostes de frango,- disse ele ao voltar minutos depois.- Teria telefonado para te perguntar, mas não tenho o teu número. Pudemos começar? Estou cheio de fome.
Puxou-lhe a cadeira para ela se sentar, e esse pequeno gesto, fez com os olhos femininos, ficassem rasos de água. Nunca ninguém tivera com ela gesto tão delicado, nem sequer o marido no tempo de namoro, muito menos depois de casados. Durante alguns minutos comeram em silêncio. Depois ele retomou a palavra.
- A tua família, já sabe o que se passou?
- Não tenho família!
-Como assim? Ninguém? Nem sequer um parente afastado?
-Não. Fui abandonada à porta de uma instituição católica que acolhe órfãos. E lá vivi até ao casamento. A Irmã Madalena, é o mais parecido que tenho com uma família.
André despejou um pouco de vinho no seu copo, e tentou fazer o mesmo no dela, que o cobriu com a mão dizendo:
-Não obrigada. Prefiro água.
Olhou-a pensativo. Será que estava grávida? Isso justificaria o ter desmaiado no advogado e o não querer bebidas alcoólicas. Ou será que temia que ele a embebedasse, para depois abusar dela?


14 comentários:

noname disse...

Isto tá bom. Venha o próximo :)

Boa noite, Elvira

Pedro Coimbra disse...

O mistério adensa-se...
Abraço

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Cada vez mais me vou recordando do conto .

JAFR

Maria João Brito de Sousa disse...

Pobre Eva... a sorte não tem sido o seu forte, pelos vistos.

Abraço, Elvira.

chica disse...

Muito bom e ele não poderia estar diferente... beijos, chica

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Está a ficar misterioso.
Um abraço e continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

" R y k @ r d o " disse...

Bom dia:- ( Contra mim, que sou homem, falo ) No princípio é sempre assim: Minha querida, meu amor, puxa a cadeira para a menina se sentar, serve o vinho, traz o jantar, compra-lhe chocolatinhos, gelados. O pior é depois, apenas uns tempinhos depois.

Diz-ze que, quando o calor aperta, sabe tão bem um pouco de vento fresco...Mas depois do vento passar, lá volta o infernal calor, não é mesmo?

Oxalá tudo acabe em bem, como se espera que acabe.
.
Votos de um dia feliz

Janita disse...

Curiosamente, este capítulo veio trazer-me novas e ténues lembranças da história. Acho que a violência psicológica e emocional dessa mulher mexeu um bocado comigo e devo ter passado episódios em branco.
Veremos o que vem a seguir.

Um abraço.

Edum@nes disse...

Gato escaldado d'agua fria tem medo. Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém!

Tenha uma boa tarde amiga Elvira. Um abraço.

Os olhares da Gracinha! disse...

Como alguém dizia... é o mistério é sério!!! Bj

Cidália Ferreira disse...

Mais um belíssimo episódio!
-
Arrepiam-me tuas palavras saídas d'alma.
-
Beijo e uma excelente noite!

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Estou a adorar o desenvolvimento desta história cativante
Beijinhos
Ailime

João Santana Pinto disse...

O André está a mostrar uma faceta diferente o que nos leva a tentar adivinhar o futuro.

Por outro lado, a título de conclusão foi levantada uma possibilidade que vem adicionar ainda mais curiosidade à história...

Vou passar ao próximo texto

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Acompanhando com bastante interesse no desenrolar dos fatos.
Beijos!