Encontrava-se sozinha na sala, indecisa, entre ler “Mar me quer” de Mia Couto, que Matilde lhe oferecera pelo Natal, e que ainda não tivera oportunidade de ler, ou procurar na televisão um filme. Martim já dormia, mas ela, inquieta, não tinha vontade de se deitar.
Relembrou tudo o que acontecera naquele dia, desde que o
chefe a chamara de manhã, para lhe comunicar que ficaria no lugar de Carlos.
Quando assumisse oficialmente, passaria a ser mais um membro da sociedade de
advogados onde trabalhava há doze anos, sempre como simples advogada, porque
pouco tempo depois de ter entrado como estagiária, o seu patrão e principal
acionista da empresa, morrera subitamente, e o filho assumiu o lugar. Ele tinha
sessenta por cento da sociedade, e cada um dos outros quatro advogados,
mantinha uma quota de dez por cento, que lhe era oferecida, quando era
promovido. Amélia era assim a única advogada não sócia, e aquela a quem os outros
entregavam os casos que não lhes dava interesse nem lucro.
Por vezes interrogava-se, porque não saía, montava um
pequeno escritório e trabalhava por conta própria. Mas seria começar de novo, e a ela ia
faltando a paciência, para tanta luta.
Desde menina, sempre soube que teria que lutar, para
conseguir o que queria. Nunca teve ninguém que a amparasse e protegesse. A mãe
morrera quando ela tinha três anos, e o pai, vivia demasiado atarefado em
conseguir ganhar o suficiente para criar os dois filhos, para se preocupar com
as carências afetivas que ela pudesse ter.
Ricardo o irmão, habituou-se a olhar apenas para si, e a
viver o seu próprio abandono afetivo, da maneira que menos lhe doesse. Amélia,
menina sensível, apenas se sentia feliz quando a avó Maria, visitava o filho e
passava dois ou três dias com os netos. Mas as visitas eram sempre muito
breves, havia muito trabalho na quinta, e o avô também não gostava de estar
muitos dias sem a esposa por perto. No primeiro dia de aulas, Afonso, viu-a
sozinha, e foi ter com ela. Deu-lhe a mão e levou-a a participar da brincadeira
no recreio. Nesse dia, Afonso ganhou um amor incondicional da menina, que durou
até depois da sua morte, quando descobriu a sua traição. Nunca namorou outro
homem, nunca sequer trocou um beijo com outro rapaz que não fosse Afonso.
Por isso a traição do marido lhe doeu tanto. E daí o ter-se
excluído de viver qualquer outro sonho de amor. Foi opção sua. Então porquê,
agora aquele desassossego? Agora que finalmente ia fazer parte da sociedade,
era para se sentir feliz, e não estava. Teriam os amigos, razão. Deveria ela
dar uma nova oportunidade à sua vida amorosa?
Olhou o relógio. Meia-noite. Tinha passado o serão ensimesmada
com os seus pensamentos, não acabara de ler o livro, nem vira o filme.
Suspirando, levantou-se, foi à cozinha, aqueceu um copo de leite e bebeu. Antes de entrar na casa de banho para lavar
os dentes, foi ao quarto do filho, aconchegou-lhe a roupa e beijou-o
murmurando:
- Dorme bem, meu amor!
Este é o post de amanhã. Porque amanhã não estarei em casa,vou andar por Alcobaça, na rota dos amores de Pedro e Inês. Provavelmente só vos visitarei à noite se não chegar muito cansada.
21 comentários:
Bem, hoje foi apenas a relembrar coisas do passado. Fico em pulgas .))
Bjos
Boa noite
Um desassossego bem compreensível! bj
Coitada anda desassossegada, até já começou a se lembrar do passado,gostei de saber.
Bjs
Gostei de mais esse capítulo! Vamos te acompanhando!
beijos praianos, tuuuuuuuudo de bom,chica
Boa viagem Elvira, divirtam-se :-)
La vida, apreciada Elvira, es eso y mucho más. Atractiva historia y preciosa "portada".
Abrazo austral.
Hoje foi em modo analepse.
Amanhã há mais novidades.
Abraço
A passar por cá para acompanhar a história!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
bom dia
É sempre bom fazer uma reflexão da nossa vida. eu que o diga !!!
JAFR
Está a ficar bem interessante.
Um abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
E o comboio da vida de Amélia está a aproximar-se, daí o seu desassossego! I
Infinitos empolgados!
De capítulo em capítulo até ao capítulo final. Gostando de ler e acompanhar...
.
Soneto: * Amor ... ou castigo do coração? *
.
Desejando um dia muito feliz
.
Boa viagem a Alcobaça, não canse muito, almoce num restaurante que fica logo de frente ao Mosteiro e (Quem passa por Alcobaça, não passa sem lá voltar).
Com o meu abraço
Este episódio deixa muitas dúvidas e certezas nos ar, looool estou ansiosa para ler o último :)
NEXT...
Beijo e um excelente dia.
Olá querida Elvira,
Primeiramente quero te desejar um ótimo ano, repleto de coisas boas.
Quanto ao texto de hoje, muito lindo, voltarei com calma para acompanhar desde o início.
Grande beijo.
Mais um curioso episódio. Deixou dúvidas par tira nos próximos. Abraços, tenha uma tarde feliz e que se estenda ao anoitecer.
Abraços, tenha uma tarde feliz e que se estenda ao anoitecer.
Aposto que vais trazer mais inspirações depois desse passeio!
Aguardo mais novidades!
Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Vamos adiante, veremos as novidades do capítulo seguinte...
O meu carinho
Amélia está triste,
não no meio do arvoredo
Amélia, o amor existe
dele não tenhas medo!
Tenha uma boa noite amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.
Boa noite Elvira,
Muito boa a história com detalhes que me agradam muito.
Beijinhos,
Ailime
Um conflito interior que mostra o quanto ela está carente de uma amor que a compreenda, dê carinho e respeito.
Beijos!
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