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30.12.14

FELIZ ANO NOVO





Aproveito este pensamento do grande Drummond para vos desejar a todos um excelente 2015.
Ainda que saibamos que nem sempre as coisas são como 
desejamos, tenhamos esperança. 2015 em numerologia 
corresponde ao número 8. E o número oito na dita cuja é o
 número da sorte, da fortuna, das Ciências, da Matemática e
 da Consciência do Universo. O número do infinito. Por isso,
 vamos ter esperança em dias melhores ainda que 2015 seja
 regido por Marte e este não costume ser lá muito benéfico 
para a humanidade. Se bem se lembram Marte é o Deus da
 Guerra, e segundo a astrologia, este planeta pode trazer 
coisas muito boas, na luta pela liberdade, pelos direitos 
humanos,pela saúde, mas também pode trazer lutas,
 dificuldades, problemas difíceis de solucionar.  (A atual crise
 financeira teve o seu início em 2008 ano regido por Marte.)
 Posto isto que todos tenham um bom ano, até porque é ano
 de eleições, e em Portugal em ano de eleições, os políticos 
costumam abrandar um pouco o "jugo" sobre o povo.  Posto
 isto, que todos tenham o ano com que sonham

FELIZ ANO 2015




Resta-me acrescentar que tenho andado afastada, não por

 doença, (graças a Deus) mas porque a netinha de 5 anos

está de férias e ela é tão "absorvente" que não me deixa 

tempo para mais nada. Eu tenho que ser médica, professora,

 mãe, coleguinha, pai, e tudo o resto de que ela se lembra 

de brincar. 

As postagens regressam ao normal, quando recomeçarem 

as aulas.

19.12.14

AVISO AOS AMIGOS

Amigos, esta postagem tem dois propósitos. Primeiro, dar-vos a conhecer que o escritor J. R. Viviani, que decerto conhecem não só pelos seus livros, também pela divulgação de escritores ou blogueiros cuja obra ele admira, e pelos encontros de prosa ou poesia que costuma realizar, e no qual decerto alguns de vós já participou, faz hoje no seu blogue uma divulgação do conto ROSA, e da minha pessoa enquanto autora. 
Segundo, gostaria que os meus amigos, aqueles que gostam do que escrevo, passassem por lá, e se lhes aprouver deixar um comentário estejam à vontade. 
Desde já o meu Bem Haja a todos.
Aqui

E BOM FIM DE SEMANA PARA TODOS

16.12.14

UMA DESCOBERTA DE NATAL


Presépio da S. C. da Misericórdia do Barreiro.  Foto minha.




Quando eu era menina (e já lá vão tantos anos) o Natal era uma festa. Meus pais, e meus avós diziam que na noite de Natal o Menino Jesus vinha recompensar os meninos bons e   trazer presentes. Nós vivíamos num barracão de madeira que em tempos fora habitado por 4 casais e respetivos filhos, mas no qual ficaram apenas os meus pais, quando os outros casais se foram. O barracão tinha um salão com 11 metros ao fundo do qual havia um fogão, constituído por duas fileiras de tijolos com uma grelha em cima, e um forno de tijolo onde minha mãe cozia o pão. Pelo Natal todos os anos vinham meus avós do Norte e se juntavam lá em casa com alguns dos filhos, – meus tios. Era uma ceia de muita gente, de muita alegria, embora as iguarias fossem poucas. Meus avós sempre traziam um pouco de queijo, minha mãe fazia rabanadas, e minha tia Celeste as filhoses. Alguns anos a tia Carolina fazia uma travessa de aletria, que tinha de ser muito bem dividida, para que todos pudessem provar.  Não havia rádio, nem TV, nem sequer luz eléctrica. Mas havia em casa 3 candeeiros a petróleo, que na noite de Natal ficavam acesos até depois da meia-noite. Muito antes do Natal, meu pai colhia no pinhal perto da nossa casa, muitas pinhas, que secava abria e debulhava. Partia alguns pinhões para comermos e os outros eram para jogarmos. Ele mesmo fazia uma piorra com o Rapa, Tira, Põe e Deixa. Ou então jogávamos ao "Pinhas alhas" que era assim. Cada um tinha 50 pinhões para começar o jogo. Pegávamos uns quantos na mão fechada, e dizíamos para os parceiros "Pinhas alhas" e o outro respondia "abre a mão e dá-lhas". "Sobre quantas?" E saía um número. Se fosse a quantidade que tínhamos na mão, tínhamos que dar os nossos pinhões. Mas se errassem, então tinham  que nos dar tantos pinhões quantos tinham nas mãos. E era o nosso entretém.
Pelas 10 horas, tios e primos regressavam às suas casas, e meu pai dizia que tínhamos de ir para a cama. Antes porém tínhamos que pôr os tamancos de madeira que ele mesmo fazia, e que eram o nosso calçado, junto ao fogão para o Menino Jesus deixar os presentes. Sapatos só tínhamos um par, e era para a ida à missa, ou ao médico. E nós lá deixávamos os tamanquitos e íamos para a cama na esperança, de que nesse ano o menino Jesus,deixasse uns brinquedos iguais aos dos filhos do capitão, que geria a Seca do Bacalhau, onde os meus pais trabalhavam e nós vivíamos. Não sei se foi assim convosco, mas eu nunca ouvi falar no Pai Natal, senão no final dos anos 60, em Lourenço Marques, atual Maputo. Talvez pela proximidade com a África do Sul, lá se cultivava muito o mito do Pai Natal. Por cá, na minha infância era o Menino Jesus que em vez de receber prendas no seu aniversário,vinha distribuí-las pelos meninos que se portaram bem durante o ano. Porém todos os anos no dia de Natal, era sempre uma desilusão, pois em vez dos brinquedos esperados, só havia meia dúzia de rebuçados e dois ou três figos secos.
Lembro-me que um ano, talvez por volta dos meus seis anos, uma vez que ainda não andava na escola, decidi esperar acordada a chegada do Menino Jesus para lhe perguntar porque é que deixava lindos brinquedos aos filhos do capitão, que eram meninos ricos, a quem não faltava nada e a nós que éramos tão pobres, que não tínhamos sequer um boneco, só deixava rebuçados. Consegui manter-me acordada e quando ouvi barulho, levantei-me e apanhei a minha mãe a pôr os rebuçados nos tamancos. Fiquei muito revoltada, pensei que o Menino Jesus não queria saber de nós e chorei tanto que a  minha avó que para me acalmar, me explicou que o Menino Jesus não vinha dar prendas a ninguém,  que era uma tradição dizerem isso porque fazia anos que Ele nascera, mas que na verdade as prendas eram dadas pelos pais e os meus não tinham dinheiro que desse para outra coisa que não os rebuçados. Foi um choque e um alívio ao mesmo tempo.





A todos os que durante este ano me acompanharam, eu desejo um Santo Natal. Muita saúde e muito amor à vossa volta.

13.12.14

PASSEIO DE ESTUDO À CASA FERNANDO PESSOA


 Começo por vos pedir desculpa pela ausência desta semana, que foi um bocado complicada, pois foi a semana de encerramento de aulas antes do Natal e houve imensas atividades, e à noite estava cansada e sem vontade de ler e comentar blogues. Retomo as visitas hoje mesmo, e espero a vossa compreensão.
Assim sendo, eis aqui o registo fotográfico de um passeio de estudo realizado na quinta feira.
 Antes da entrada na Casa em Campo de Ourique
 A entrada para a Casa
 Como sabem Fernando Pessoa se interessou por muitas coisas. Entre elas a astrologia. Eis a sua carta astral.
.Esta arca foi encontrada depois da sua morte cheia de escritos inéditos. Hoje ela contém os escritos rejeitados pelo poeta, encontrados amachucados em cestos de papéis.
 O quarto onde o poeta viveu os últimos 15 anos da sua vida. Sobre a cama o seu chapéu
 Um dos seus fatos e os sapatos
 A sua máquina de escrever
 Alguns dos seus objetos pessoais, entre os quais, os óculos
 O seu retrato 
 Escadas de acesso ao piso superior onde se encontra o sonhatório
 Colegas de estudo subindo as escadas. Por todo o lado imagens e mensagens do poeta
 O seu bilhete de identidade
 O poeta adorava ler e gostava de escrever nos livros as suas impressões.
 O sonhatório. Neste espaço, de computadores, com simples toque de dedos pode ter acesso à vida do poeta, aos seus sonhos e ao seu amor por Ofélia. 
Aqui um curioso gráfico elaborado pelo poeta, sobre as linhas de elétrico que passavam passavam pela casa de Ofélia, e o tempo demorado no percurso.
 Isto porque ele namorava no metro, e  Ofélia tinha hora marcada de chegar a casa depois do trabalho, e nos anos vinte os pais eram muito rigorosos com as filhas. Conhecendo o trajeto mais longo e horários,  eles podiam ficar um pouquinho mais de tempo juntos, antes de apanharem o elétrico, e depois Ofélia desculpava-se que se tinha enganado no elétrico
e tinha apanhado um dos mais demorados


Bom fim de semana

4.12.14

CANSAÇO



                        Aldeia semi abandonada  de Anta. 




  CANSAÇO



Estou cansada
dos homens que adormecem ao sol
como lagartos.
Estou cansada dos ideais esquecidos
condenados sem nenhum recurso
nas mentes abarrotadas de ambição
dos líderes políticos.

Estou cansada
das aldeias semi abandonadas
regadas
pelas lágrimas ardentes
de idosos que vivem e morrem

em completa solidão.
Estou cansada de crianças sem pai
que não sabem rir
porque ainda não têm pão.

Estou cansada
das filas de desempregados
que tornam caricato o pensamento
dum sol que nasce igual para todos.
Estou cansada
das mulheres que não têm noites de amor
desaparecidos os seus homens
no mar da emigração.

Estou cansada
dos operários submergidos no desespero
dos salários em atraso
que nem sabem se chegarão
Estou cansada
dos idosos que sobrevivem à fome
de reformas vergonhosas
que nem chegam a meio do mês.

Estou cansada
das promessas das campanhas eleitorais
e das promessas a longo prazo, dos governos eleitos.
(Tão a longo prazo que morrem antes de nascer)
Estou cansada desta hipocrisia
que corre em linhas de incerteza
nos lábios dos homens sem tempo
nem idade.



Maria Elvira Carvalho.


UM BOM FIM DE SEMANA

29.11.14

ESCUTA




ESCUTA


Escuta
O murmúrio do rio
 De pedra em pedra.
 Não te parece
 Alguém
 Chorando?


Talvez seja
 O choro dorido
 das pobres mães
 A quem
 Falta a comida
 Para matar a fome
 Aos filhos.

Ou quem sabe o lamento
 Do pobre velho
 Abandonado
 Num corredor de hospital
 O corpo doente
 A alma sem forças
 Para lutar.

Ou ainda
O desespero dos jovens,
 Que dia após dia,
 Rompem solas
 E energias
 Na busca de emprego
 Engolindo a raiva
 Contra aqueles
 Que lhes roubam
 O direito ao futuro.


Escuta
 O murmúrio do rio
 De pedra em pedra
 Não te parece
 Alguém
 Chorando?


elvira carvalho

27.11.14

OUTONO






Quem por aqui anda há muito, sabe que eu só tenho a 4 classe ,feita em 54 e que apesar de sempre ter desejado estudar nunca o pude fazer. 
Também sabe que o ano passado entrei para a UTIB (Universidade da Terceira Idade do Barreiro.)
Ora bem, o prof de fotografia pediu seis fotos subordinadas ao tema  OUTONO.
Estas foram as minhas...

22.11.14

NÃO À VIOLÊNCIA

                                

Celeste


Mal o despertador tocou, Celeste saltou da cama. Lavou-se a correr e foi para a cozinha. Com gestos completamente automatizados, pegou no isqueiro e acendeu o fogão. Era noite ainda, mas Celeste trabalhava longe. Começou a fazer o almoço, para ela e para o marido. Uma lágrima soltou-se e veio cair no alguidar onde tinha as batatas para descascar. Estava cansada. Cansada daquela vida de miséria física e moral em que se encontrava. Onde tinham ficado os sonhos de menina? -Interrogou-se enquanto acabava de descascar as batatas. Onde a ilusão de um homem bonito, que se apaixonasse por ela e lhe desse uma vida de amor e felicidade?
Juntou duas postas de bacalhau ás batatas  e  o sal , quase sem dar por isso absorta nas suas recordações.
Celeste era uma mulher bonita, sem ser nenhuma beleza estonteante. Era pequena, de pele trigueira, com aquela cor das pessoas que vivem á beira-mar. Tinha o cabelo preto e uns olhos castanhos, que muitas vezes se enchiam de lágrimas. Era uma menina ainda, com toda a inocência dos seus quinze anos quando conheceu aquele que era o seu marido.
Afonso era um homem bonito. Mais velho e mais vivido, não foi difícil apoderar-se do coraçãozinho de menina que batia no peito da Celeste.
Casaram um ano depois. Celeste já carregava no ventre um filho. Ainda menina, teve que aprender a ser mãe, e a cuidar daquele pequeno ser, que Deus lhe quisera enviar.
Depressa se apercebeu que o marido não era o príncipe com quem sonhara. Um dia, tinha o filho três meses, Afonso saiu depois do jantar, deixando-a em casa com o filho, e só regressou depois da meia-noite completamente bêbado.
Como se fora um autómato, Celeste apagou o fogão, escorreu a água ás batatas e dividiu a comida pelos dois termos. Pegou as duas lancheiras, que estavam em cima do aparador, colocou um termo em cada uma, juntou uma carcaça do dia anterior, uma pera e um garfo. Encheu uma garrafa de meio litro de tinto e colocou numa das lancheiras. Foi ao quarto e acordou o marido. Na volta pôs um pano de cozinha em cada lancheira e fechou-as.
Tirou as chaves que estavam na porta, pegou na carteira, e na lancheira, e atirou um seco até logo, saindo de seguida. Não foi ao quarto despedir-se do marido. Há muito que não trocavam um beijo carinhoso.
Enquanto se dirigia à paragem do autocarro, na cabeça fervilhavam as recordações, dos olhos soltavam-se as lágrimas.
O filho crescera e saíra de casa. Nunca se sentira lá muito bem, nem tivera uma relação de amor com o pai. E assim que se empregou, arranjou uma casita e foi morar sozinho. A sua vida ficara então mais triste, sem a presença do filho.
Já lhe ocorrera pedir o divórcio. Porém o medo e a vergonha sempre a faziam desistir da ideia.
Recordou a primeira vez que o marido lhe batera. E a desculpa , com que teve que encobrir, perante a família,  a vergonha e a dor que sentia. E os dias sem lhe falar. Dias em que ela lhe gritava o nome de manhã antes de sair de casa, e não se falavam mais.
Como agora que não se falavam desde que há oito dias ele lhe tinha voltado a bater. E tudo por causa do álcool. Mordeu os lábios para abafar um soluço ao lembrar - se daquela noite. Ela já dormia, quando Afonso chegou. E estava tão cansada que nem deu por ele se deitar. Acordou com o peso do marido em cima dela. E aquele bafo nauseabundo de bêbado. Quis empurrá-lo, fugir da cama. Mas não conseguiu. Ele era muito mais forte e puxara-lhe os cabelos com violência. Virou o rosto e isso enfureceu mais " a besta". Porque Celeste não reconhecia mais o marido naquele selvagem. Quando consumados os seus intentos se virou para o lado e adormeceu, ela levantou-se e meteu-se debaixo do chuveiro. Esfregou o corpo com raiva, enquanto as lágrimas se misturavam á agua. Voltou para a cama, e acomodou-se tentando não tocar no marido. Não dormiu mais. E agora enquanto esperava pelo autocarro, pensava que rumo dar à sua vida. O amor que sentira um dia por aquele homem, já sofrera muitas alterações. Foi raiva, medo, ódio, desprezo e agora era também nojo.
De repente saído do nada, veio-lhe à memória, o poema.
Anda Luísa,
Luísa sobe...
sobe que sobe,
sobe a calçada...
Sacudiu a cabeça, ao mesmo tempo que pensava, se o poeta saberia da sua existência.
É que aquela Luísa era ela...








Maria Elvira Carvalho.

Acabei de saber que mais uma mulher foi assassinada pelo marido. Quando era menina, era frequente  ver os homens baterem nas mulheres. Alguns faziam até gala disso, perante os companheiros de trabalho, como se fosse uma honra.
Nunca pensei que chegaria a velha e continuaria a ver as mulheres serem espancadas e mortas pelos companheiros. Penso muitas vezes se não somos nós as verdadeiras culpadas desta situação. Não somos nós, mães e professoras capazes de os educar no respeito por nós próprias?






20.11.14

ROSA ------------- FINAL

Foto de um grupo de retornados. Em 74, em poucos meses, meio milhão de portugueses regressaram das colonias. Chegavam de barco ou de avião, na sua maioria de "mãos vazias". Fugiam da guerra deixando para trás tudo o que tinham. Esta foto não é minha, (até porque nessa altura eu estava em Luanda) Foi retirada da net

                                       XVI

Para Rosa tudo era novo e diferente, ela não entendia muito bem o que se passava no País mas o que ela notava é que o povo estava mais alegre, mais feliz
Por outro lado, João recuperara o emprego, o filho conseguira trabalho na Siderurgia Nacional, a filha mais nova fora trabalhar para a Timex, até o filho doente, estava melhor agora, graças a uma bomba que o médico já tinha receitado à muito, mas que ela nunca conseguira dinheiro para comprar. A sua vida estava muito melhor, ela podia enfim descansar um pouco, deixando o trabalho a dias e ficando em casa a cuidar do marido e dos filhos solteiros. Podia também cuidar dos netos, deixando as filhas mais descansadas e mais libertas de despesas. Porém, sobre ela pairava, como uma sombra, o medo pelo filho ainda lá longe. Principalmente porque não havendo a P.I.D.E, nem censura, tudo o que se passava em África chegava a Portugal. Rosa sabia que o governo, estava a negociar a independência, mas todos os dias chegavam a Portugal “os retornados” que falavam do medo que sentiam, da guerrilha entre os movimentos de independência, e alguns residentes pró colonialistas.  falava-se de mortes, do recolher obrigatório, da incapacidade dos militares impedirem os indígenas que os saqueavam. E o seu filho continuava lá em Angola. Por outro lado, os políticos pareciam não se entender, os governos provisórios sucediam-se, e Rosa tinha muito medo que tudo voltasse ao mesmo, ou como diziam alguns, que a seguir à ditadura fascista, se seguiria uma ditadura comunista. O marido dizia-lhe, que isso sim seria um sonho, mas Rosa, que era uma mulher sem instrução, e tudo o que aprendera na vida, ficara-lhe  gravado na memória pelo sofrimento, achava que ditadura nunca seria coisa boa, fosse ela fascista ou comunista. E lembrava-se do que a avó sempre dizia quando ela era pequena e nem bem sabia o sentido das palavras. “Atrás de mim virá, quem bom me fará” Tinha medo. Muito medo de ainda vir a achar que os anos para trás, é que tinham sido bons. Naquele verão, mais de um ano após a revolução, o país parecia caminhar para uma guerra civil, e ela tinha medo do que o futuro lhe podia ainda reservar.  Medo que só perdeu, quando em Novembro de 75, pode enfim abraçar o filho que regressara são e salvo, após a Independência de Angola. E quase no final desse mesmo mês,  a viragem histórica do país, que afastou o espectro da guerra civil.
Agora sim, Rosa era uma mulher feliz.

                                         
 Fim

Maria Elvira Carvalho


Bom, agora o pedido do costume, aos que acompanharam a história da Rosa. Gostaram da história?  Não gostaram? Não se acanhem. É com as vossas criticas que posso melhorar para o próximo.


ROSA PARTE XV




Naquela manhã do dia 25 de Abril de 74, Rosa olhava-se no espelho e não se reconhecia. Apesar de não ter ainda 50 anos, Rosa estava cada dia mais velha, a face enrugada, os cabelos embranquecidos, o corpo magro e alquebrado, resultado de ser toda a vida, saco de pancada da própria vida. Pensava que já não tinha forças para se aguentar muito mais tempo. A sua família tinha-se desagregado.
Do marido, não sabia há muito, talvez estivesse preso, ou, quem sabe, tivesse morrido em qualquer prisão. As filhas casaram e embora não vivessem longe, estavam cada dia mais desligadas da casa materna, divididas entre o trabalho, o cuidarem da casa e dos filhos.
Dos dois rapazes mais novos, um conseguiu realizar o sonho de ser fuzileiro e encontrava-se num destacamento no Lungué-Bungo, no leste de Angola, enchendo de saudade e preocupação o seu coração de mãe. O outro, que era contra a guerra, fugira de salto para a França. Restava-lhe em casa um filho, cada dia mais doente, e uma filha adolescente.
Sacudiu a cabeça, como se quisesse abandonar todos os seus pesares, e dirigiu-se a casa do Sr. Doutor, onde ultimamente trabalhava a dias, sem sequer sonhar que no seu País estalara uma revolução que ia mudar toda a sua vida. Ela não sabia, mas a sua família não era muito diferente da maioria das famílias portuguesas pois, nessa altura, o País via-se sangrado da sua juventude. Uns partiam para a guerra do Ultramar, sem  nunca saber se voltavam, ou ficavam por lá, vítimas de uma mina ou de alguma bala emboscada. Outros fugiam para não serem obrigados a partir para uma guerra que não queriam nem entendiam.
Foi com surpresa e medo que Rosa ouviu da boca da patroa, a notícia da Revolução. Medo porque a "doutora"- era assim que ela gostava de ser tratada, embora o médico fosse o marido - lhe deu a entender que a revolução era muito má para o País e para eles, patrões, que talvez não pudessem continuar a dar-lhe trabalho. Rosa ficou muito preocupada. Se ficasse sem trabalho, como ia pôr comida na mesa? Mas quando chegou a casa, o filho explicou-lhe o que significava a revolução de uma maneira diferente. Falou-lhe do fim da guerra colonial, da abertura das prisões, do fim da P.I.D.E. e do sonho dum País mais igualitário. E o seu coração sofrido encheu-se de esperança.
Dois dias mais tarde, quando Rosa chegou a casa, no fim de mais um dia de trabalho, teve uma grande surpresa ao encontrar o seu João. Muito magro, o cabelo todo branco e o ar macilento, em nada se parecia com o homem com quem casara. Apenas o brilho nos olhos encovados, lhe lembrava o João de antigamente. Apesar da alegria do reencontro, Rosa estava preocupada com a saúde do marido. E tinha razão, porque se ele recuperava aos poucos as mazelas físicas,  as psicológicas continuariam a persegui-lo durante muitos anos.
Dias depois, Rosa e João comemoravam pela primeira vez na sua vida o 1º de Maio em liberdade. E dois meses depois, podiam abraçar o filho António, que regressara da França, ao saber que o novo governo estava a negociar a independência das colonias e que, por isso, não teria que ir para a guerra.


Continua




Para os amigos que já leram o conto, inicialmente ele terminava aqui. Como porém o final não me agradava muito, pois aparecia demasiado repentino, agora ele tem mais um capitulo. O próximo será o final

14.11.14

ROSA -------- PARTE XIV


Quando em 1969, a filha mais velha da Rosa se casou, ela já não sabia do marido há largos meses.
Mergulhado nos ideais comunistas, João fora-se embrenhando na política e tornando-se um membro muito ativo no partido. A política é uma amante muito ciosa dos seus afetos e não tem contemplações com outros amores, especialmente em regimes fascistas e repressivos. Assim, aos poucos foi-se afastando cada vez mais da família. No começo, ele conseguia conjugar o seu trabalho, a vida familiar e as obrigações do partido sem levantar grandes suspeitas. Mas à medida que se foi tornando mais influente dentro do partido, isso tornou-se praticamente impossível. E quando, após uma denúncia, a maior parte dos seus camaradas foram surpreendidos e presos, João, que só não fora à reunião porque nesse dia entrara às 16 horas no trabalho e só saiu à meia-noite, pensou que a sua prisão estaria por horas. Em parte por causa da família, e em parte porque achava que seria mais útil ao partido cá fora do que preso, fugiu nessa mesma noite. Mais uma vez, Rosa ficava numa situação precária, com 3 crianças e um adolescente frágil e doente para cuidar e alimentar. Valeram-lhe as duas filhas mais velhas e algumas vizinhas. Estas ajudavam não só com alguma comida como também arranjando-lhe mais horas de trabalho. De vez em quando, chegava uma carta com dinheiro. Não muito, mas era uma ajuda. Embora as cartas não trouxessem remetente, Rosa sabia que eram do marido. A primeira carta chegou com carimbo de Beja, a segunda de Lisboa, a terceira de Faro. Cada uma de um sítio diferente. Ela não podia saber que a carta que recebia viajava sempre com algum camarada para uma terra distante e só lá era metida no correio. Mas este era um estratagema que eles usavam para despistar a P.I.D.E. Agora, a filha mais velha ia casar. Rafael era um excelente rapaz, muito trabalhador. Filho único, de mãe viúva, conseguiu livrar-se da ida para o Ultramar, por ser dado como amparo de mãe.
Rosa sentia uma grande tristeza por não ser o marido a levar a filha ao altar; e não tê-lo a seu lado naquele dia tão importante das suas vidas. Afinal, a noiva era a sua menina. Tinha medo que ele estivesse preso. Há vários meses que, não recebia nenhuma carta. Falava-se em sussurros que nas últimas semanas tinham sido efetuadas muitas prisões. De vez em quando, desaparecia um vizinho. No Barreiro, havia muitas mulheres como ela. Viúvas da política. Algumas eram viúvas de facto pois os seus maridos foram torturados até à morte. Outras eram viúvas de maridos vivos, pois que estes estavam presos e muitas vezes nem a família sabia onde, ou ainda, andavam fugidos por terras estranhas.

Continua

Nota: O Barreiro foi uma terra muito martirizada pela P.I.D.E.
Quase meio milhar de homens foi preso, sem cometer outro crime, que não fosse reclamar da vida de miséria que tinha. Claro que entre eles havia membros do partido comunista que lutava na sombra contra a politica fascista do regime. Mas a grande maioria, apenas queria uma vida melhor e nem sabiam o que era comunismo, quanto mais pertencer ao partido. Muitos deles não resistiram às sessões de tortura.

13.11.14

ROSA ------ PARTE XIII




                                          Foto DAQUI


Quando Rosa saiu do hospital, o padre que a tinha casado, arranjou-lhes um dos oito fogos, que ele próprio mandara construir para alguns dos seus paroquianos, que viviam em condições miseráveis. A casa ficava na vila, longe portanto da Seca, mas Rosa achou que lhes tinha saído a sorte grande. A casa, composta por uma boa cozinha, casa de banho e  três quartos, com água, luz e chão de tacos, pareceu-lhe um palácio. A vida do casal começava a melhorar. A filha mais velha foi servir para Cascais e só vinha a casa uma vez por mês. A segunda também foi servir para casa dum Sr. Doutor, lá mesmo no Barreiro. Dos três mais velhos, ficava em casa o rapaz que era muito frágil e que tinha sempre “uma ninhada de gatos no peito”. Ali na vila, Rosa arranjou algumas senhoras que lhe davam umas horas de trabalho para limpezas, ou passar a ferro e a vida parecia então começar a equilibrar-se. Mas… foi nessa altura que João mudou. Andava macambúzio, perdera parte da sua alegria, olhava à volta com desconfiança e, de vez em quando, saía à noite. Às vezes, vinha cedo mas outras, só voltava de madrugada. Rosa começou a pensar que ele tinha arranjado uma amante.
Sentia que o chão lhe fugia debaixo dos pés e um dia fez-lhe a pergunta direta.
João irritou-se. Que ela estava doida, onde teria ido buscar essa ideia. Mas Rosa não ficou convencida. E numa noite, em que o marido voltou a sair, ela foi atrás dele. E viu quando ele se encontrou com mais dois e como andavam 
em silêncio, acautelando-se nas sombras. E viu quando um quarto homem chegou com uma pasta, da qual tirou uns papéis que distribuiu em silêncio. Escondida, viu como os homens espalhavam alguns papéis, protegendo-se sempre no escuro e sem trocarem uma palavra. Assustada, voltou para casa e meteu-se na cama. A tremer, esperou a chegada do marido. Ela já tinha visto alguns papéis daqueles no chão. Tentara até apanhar um, mas a vizinha impediu-a. Disse-lhe que eram papéis contra o governo, que os comunistas espalharam, mas que se ela fosse apanhada com algum, seria considerada comunista e seria presa. O João podia ser preso? A frase martelava-lhe a cabeça e dava-lhe suores frios.
Quando João chegou a casa, achou a mulher estranha.
- O que tens, mulher? Aconteceu alguma coisa?
Ela respondeu com outra pergunta:
- Tu és comunista, João?
- Cala-te, - disse perdendo a cor. Nem em pensamento, ouviste, nem em pensamento repitas isso.
- Então é verdade, disse ela com a voz embargada pelas lágrimas. Mas porquê? Já passamos tanta fome, tanta miséria e agora que a nossa vida está bem melhor, é que queres desgraçar-nos.
-Tu não compreendes mulher. É nosso dever tentar que os nossos filhos não passem o que nós passamos.
- Mas… e se eles te prendem João?
 - Não te preocupes, nós temos cuidado. É verdade que há muitos “bufos”, mas também há muita gente do nosso lado.
Mas, desde aquela noite, e durante vários anos, Rosa nunca mais teve um minuto de sossego.


Continua


Bom, será que a vida da Rosa não tem sossego? Para os amigos portugueses, esta Rosa é vossa conhecida não é mesmo? Pois é, quantas Rosas viveram neste país no espaço temporal entre o início do estado novo e a revolução dos cravos.

12.11.14

ROSA PARTE XII



                     O posto médico da Seca do Bacalhau
                            A foto é minha.




De Setembro a Março, Rosa trabalhava na Seca do bacalhau. Trabalho duro e não muito certo pois, quando o Inverno era rigoroso e não se podia pôr o bacalhau na rua para secar, não havia trabalho. Às vezes, ficava-se uma semana inteira sem ganhar um tostão. Mas, ainda assim, vivia-se melhor que no Verão, pois sempre eram dois a ganhar. E depois era a oportunidade dela ver gente da sua aldeia e de outras aldeias vizinhas, de rir, cantar e esquecer um pouco a miséria que tinha em casa. Ali, naquele mundo maioritariamente feminino, não havia segredos. Todas sabiam quando alguma levava “porrada” do marido, quando não tinham que comer ou quando punham “um filho a estudar”.a)  Muitas vezes, sem dinheiro para procurarem uma parteira, faziam – no elas próprias sem quaisquer condições. Por causa disso, não raras vezes, alguma morria com uma infecção. Algumas, trabalhavam na seca com os maridos, outras, os maridos trabalhavam nas fábricas de cortiça, ou na C.U.F. mas todas viviam irmanadas na mesma vida difícil e contudo aparentavam uma alegria difícil de explicar, pois passavam muitas horas de trabalho sempre cantando, ou contando anedotas como se o trabalho fosse leve e a vida lhes sorrisse lá fora. Então quando tocava a lavar o bacalhau nas grandes tinas de água, que levavam seis mulheres de cada lado, era ouvi-las cantar o tempo todo, ora como um só coro de muitas vozes, ora desafiando-se umas às outras em quadras repentistas que pareciam não acabar nunca. Algumas faziam graça com a própria fome, como a Rosalina, que enfiava um dedo no meio do pão e comia à roda do dedo, dizendo que comia pão com chouriço, ou a Virgínia que dizia estar a almoçar um cozido à portuguesa, enquanto emborcava uma sopa deslavada.
Por esses dias, a Ti Urbana perguntou-lhe:
-Ó Rosa, tu já estás prenha outra vez, mulher?
- Não! - A resposta foi quase um grito. Pela sua saúde, não me diga isso, que me desgraça.
- Eu não te digo mas que estás é verdade. Basta olhar as tuas pernas. Ó mulher mas tu não tens juízo?
- Ai Ti ‘Urbana, se for verdade, tenho que dar um jeito. Não quero ter mais filhos. O meu Alberto ainda não fez os sete meses.
- Vai ao posto médico. Mas olha que eu nestas coisas nunca me engano.
Na Seca, havia um posto médico, com um enfermeiro, e às quintas-feiras ia lá um médico.
Nessa semana, Rosa foi ao médico que confirmou as palavras da Ti' Urbana .  Mais uma vez estava grávida!
Pediu ajuda a algumas mulheres mais velhas. Nunca fizera um aborto mas, desta vez, tinha que ser. Estava decidida a não ter mais filhos. Mas não tinha dinheiro para ir à parteira. A Adélia ensinou-lhe a fazer escalda-pés com grãos de mostarda. Fez durante 3 dias mas não resultou. Depois foi fazendo tudo o que as outras lhe diziam já ter feito até terminar por picar o útero com um talo de aipo até sangrar. "Resulta sempre", tinham-lhe dito. E resultou. Numa grande hemorragia, seguida de infecção, que a ia matando. Acabou numa sala de cirurgia, no hospital de Almada, onde sofreu uma histerectomia total.  "Caparam-na" como ela costumava dizer. E nunca mais engravidou.


Continua

a) pôr um filho a estudar, era na linguagem das mulheres da seca, a designação para aborto, que nessa época em Portugal,  era ilegal e podia até dar cadeia.


9.11.14

ROSA PARTE XI




                                       foto da net


No ano seguinte, Rosa dava à luz uma menina e no outro, mais uma menina e no outro ainda, um rapaz.
Três filhos em três anos. João trabalhava agora na C.U.F., ganhava um pouco melhor mas, ainda assim, pouquíssimo para as necessidades de cinco bocas. A casa também não tinha condições. No quarto, além da cama de casal e do armário, só cabia o berço. As duas crianças mais velhinhas dormiam no chão da cozinha, numa cama feita com duas mantas de trapos.
Quando vagou uma casa de dois quartos no pátio, mudaram-se para lá. Mas Rosa já estava outra vez grávida. Nessa altura não havia pílula, só as “camisinhas”. Mas João não as queria usar. Quando os amigos, ou vizinhos comentavam da pobre Rosa que sofria de “prenhez cronica” ele dizia a rir:
-E o que é que eu hei-de fazer? O raio da mulher basta olhar para mim quando estou a mudar de roupa para “embuchar” logo.
Rosa adorava o marido. Nunca lhe batera, o que os maridos de algumas vizinhas faziam com frequência, nunca a ofendera e, às vezes, até era carinhoso com ela. Era bom pai, muito trabalhador, não se metia nos copos como a maioria dos homens do pátio. O pior, era não querer usar a malfadada “camisinha”. Cada vez que ela lhe pedia, respondia sempre que "os rebuçados embrulhados não sabem a nada". E Rosa começava a sentir-se exausta.
Felizmente para ela, o bebé não foi além do terceiro mês, tendo sofrido um aborto espontâneo. O pior foi que pelo Natal já estava outra vez grávida. Rosa tinha que aproveitar o trabalho na Seca do Bacalhau para ajudar a despesa da casa. Levantava as crianças logo de manhãzinha e lá ia ela para o trabalho, com um filho no bucho, os dois mais pequenos sentados cada um do seu lado sobre a anca e a maiorzinha agarrada às saias. Na Seca, estendia o xaile dentro dum carro de mão e lá metia os bebés guardados pela pequenita enquanto ela trabalhava. Tempo depois, voltou a abortar e deu Graças a Deus por isso.
Depois, vieram mais três em quarenta meses. Rosa ainda não fizera 28 anos e já tivera seis filhos e dois abortos. As duas filhas mais velhas já estavam na escola. Rosa tinha vergonha de mandar as crianças, para a escola, com os sapatos rotos mas não podia comprar outros. De roupa, as duas mais velhas estavam servidas. Havia na Seca uma senhora, esposa do chefe de escritório, que tinha duas filhas, um pouco mais velhas que as suas e dava-lhes a roupa que já não servia às meninas. Coisas caras, de bons tecidos, que mesmo depois de deixarem de servir às filhas, ela guardava religiosamente para a mais pequenina. Para os rapazinhos é que era pior. Mas a necessidade aguça o engenho e Rosa ia aproveitando das suas roupas e do marido, que já não davam para consertar, alguns bocados bons que dava para uns calções ou um bibe para eles. De quando em vez, Amália, a cunhada, lá arranjava maneira de lhe dar um quilo de arroz, umas batatas ou meio litro de azeite. Não muito que também ela vivia com muitas dificuldades. O problema dos pobres é que o que podem partilhar é sempre muito menos do que manda o seu desejo de ajudar.
À noite, quando regressava do trabalho, Rosa recolhia do pessoal que vivia na Seca e cuja cozinha era composta por enormes fogões a lenha, o carvão que os ia aquecer na braseira.
Mas sentia-se muito cansada. Sentia-se velha. A vida estava cada dia mais difícil. O ordenado do marido não chegava para nada. O dono da mercearia fiava-lhe o avio durante a semana. Quando no sábado o marido recebia a semanada, passava por lá para acertar contas e vinha logo sem dinheiro para casa.

Continua




Bom fim de semana