Quando Anabela entrou na sala de tratamento no dia seguinte, Tiago já se
encontrava deitado de bruços na marquesa de tratamento.
-Bom dia! - saudou enquanto empurrava a cadeira de rodas para junto da
parece, admirada que o Joaquim não o tivesse feito. Ela não podia saber que o
doente tinha dispensado o empregado e ido sozinho para a sala de tratamento.
Bom dia, - respondeu Tiago, Levantando a cabeça e observando o suave balanço
do traseiro feminino enquanto ela levava a cadeira para junto da parede. Porém
quando ela puxou a pequena mesa onde estava o aparelho para o início do
tratamento e se preparava para se voltar, ele baixou rápido a cabeça,
voltando-a para o lado da janela.
Anabela colocou as lacas de TENS e ligou o aparelho dizendo como
habitualmente que ele informasse, quando estivesse bom. Depois voltou costas e
dirigiu-se à sua mesa, onde tomou notas na ficha do doente.
- Como foi o seu Natal? - perguntou Tiago
A jovem levantou a cabeça, com uma expressão de surpresa no rosto, não só
porque não era habitual que o doente encetasse qualquer conversa com ela, mas
pelo tom cordial da pergunta.
-Foi bom, obrigada, - respondeu.
Não retribuiu a pergunta. Fitou-o durante uns segundos e voltou a olhar a
ficha do doente.
-Passou-o com a sua família? - insistiu ele
Desta vez Anabela pousou a ficha em cima da mesa, e aproximou-se da maca,
perguntando:
- O doutor está bem?
-Porquê? – Por me ter interessado em saber se a minha terapeuta, passou bem
o Natal? Penso que seja natural, afinal estamos em contacto diário há mais de
três semanas.
Naquele momento o aparelho desligou-se e a jovem apressou-se a retirar as
placas e a substituí-lo pelo aparelho de ultrassons, respondendo:
-Deve compreender o meu espanto. Afinal, salvo raríssimas exceções, durante
todo esse tempo, o doutor, ou estava mudo, ou quando se via obrigado a falar o
fazia de forma agreste, para não empregar uma palavra pior, além de ter deixado
expresso mais de uma vez que queria que eu fosse embora.
-Penso que já lhe disse uma vez, que quando você veio, eu tinha chegado a um
ponto de rotura com a vida, a ponto de só querer que me deixassem morrer em
paz.
- E agora? Está pronto para aproveitar a vida, e lutar pela recuperação
total? – perguntou enquanto terminava o tratamento e lhe cobria as costas com a
toalha e empurrava a mesa com o aparelho para junto da parede, pensando no que
teria acontecido de tão importante para que a atitude do doente mudasse de tal
modo.
De seguida retirou do hidrocolector a placa de calor húmido que colocou nas
costas do doente, não sem antes lhe colocar por baixo mais duas toalhas.
-Se aquecer demais avise. E sim, de certo modo, pode dizer-se que passei o
Natal com a família, - disse enquanto se afastava de novo para a sua mesa, a
fim de registar na ficha os tratamentos já efetuados.