Helena chegou ao hospital às treze horas. Dirigiu-se ao
quarto andar, piso para onde a filha fora levada depois da cirurgia. Tinha
falado com a filha pelo telemóvel, mas Matilde não lhe soubera dizer se tinha
ou não alta nesse dia. De qualquer modo ela tinha uma muda de roupa no carro
pronta para o caso da filha ter alta.
Entrou no quarto, no momento em que a auxiliar deixava o
tabuleiro com o almoço, em cima da mesa. Era uma estrutura metálica em forma de S com rodas, e uma base de madeira em cima,
que servia para os doentes que não se podiam levantar comer confortavelmente na cama. Aproximou-se da cama e depois de beijar a filha
perguntou:
-Bom dia! Como está a minha princesa? Tens dores?
-Não. Mas estou ansiosa para ir para casa. Isto não vai impedir-nos
de irmos para a aldeia, pois não?
-Penso que não, filha, todavia não sei quais são as
recomendações médicas. – disse ajeitando a almofada atrás da menina, ante, de
empurrar o carro-mesa com o almoço para frente dela. E acrescentou:
-- Tens que almoçar antes que fique frio. A avó telefonou
ontem. Estranhou que não fosses ao telefone como é habitual. Não quis
preocupá-la e disse que tinhas ido ficar em casa da Rita. E que hoje falavas
com ela. É melhor não lhe dizer que foste operada até que ela veja com os seus próprios olhos que estás bem. Ainda não sei se tens alta hoje. O médico já veio
ver-te?
- Ainda não eram onze horas veio o doutor Gonçalo.
Trouxe-me um livro, - disse apontando para a gaveta da mesa de cabeceira ao
lado da cama. – É muito simpático. Além de perguntar como me sentia, conversou
comigo, sem aquela forma irritante de superioridade que os adultos têm e que
parece gritar que não passamos de crianças, que não sabemos nada da vida e que
eles é que sabem tudo. Como se eles nunca tivessem sido crianças, algum dia.
Gostei muito dele, mas quando lhe perguntei se ia para casa hoje, disse que era
o doutor Nuno que sabia, e que ainda não tinha falado com ele.
Enquanto a filha falava, Helena abriu a gaveta e viu o
livro. Tratava—se de “O Principezinho” de Antoine de Saint-Exupéry, um livro
que ela lera há muitos anos e que ainda hoje ao recordá-lo se deixava encantar.
- É um livro muito bom, vais adorar lê-lo, - disse
devolvendo—o à gaveta. - E então, o doutor Nuno já veio?
-- Há uma meia hora atrás. A enfermeira removeu o penso,
ele olhou, perguntou se tinha dores, eu disse que não e ele disse à enfermeira
para retirar o dreno e fazer um novo penso, disse que eu estava ótima e que
podia ir para casa, mas que tinha que ter cuidado, durante uns dias não podia
correr nem saltar, nadar, nem agarrar em pesos. A enfermeira disse que depois
do almoço, fosses falar com ela, - disse levando à boca o último pedaço da maçã
reineta assada.
Vendo que a filha acabara de comer, Helena afastou o carro-tabuleiro
e puxou uma cadeira para junto da cama. Antes de se sentar perguntou:
-Queres que a mãe baixe a cabeceira um bocadinho?
-Não – disse com um ar aborrecido. -- Fiquei com as férias
estragadas. Não posso brincar com os primos, nem ir nadar no rio. E eu estava
tão contente em ir para a aldeia. Já não estou com os primos desde o Natal. E é
sempre tão divertido estar com eles. É tão frustrante ser filho único. Por isso,
gosto tanto de acampar, e por isso não te avisei logo quando começaram as
dores.
Helena sentiu um aperto no peito. Nunca se dera conta da
solidão que a filha sentia.
- Queres ler um pouco? Vamos ter que esperar que nos deem
os documentos da alta para poderes sair.
- Não. Esqueci-me de te dizer. O doutor Gonçalo, disse que
precisava falar contigo, e deixou um cartão para lhe telefonares. Está dentro
do livro. Fiquei a pensar, se haveria alguma coisa de errado comigo, mas ele
disse que é qualquer coisa relativo ao teu trabalho. Não sabia que ele era teu
cliente.
E com essas palavras a menina encostou-se para trás e
fechou os olhos.
Com mãos trémulas, Helena apressou-se a pegar no livro e
a procurar o cartão que guardou na sua carteira.