foto minha
IV
O nosso Manuel foi falar com o Capitão, gerente da Seca, para tentar resolver o seu problema. Como ele trabalhava o ano inteiro e a mulher estava prenhe, ele queria uma casa para viver com ela. O pior é que as casas estavam todas habitadas. Só estava vaga a barraca do Pinheiro Manso.
Ele e a mulher não se importavam de ir viver para lá se o gerente autorizasse. E ele autorizou.
No fim de Março, eles mudaram-se para essa “casa”. Era uma barraca de madeira, com uma espécie de sala, com uma bancada,num canto, e dois quartos. Não tinha electricidade, não tinha água, mas tinha o telhado forrado, o que a tornava mais confortável no Inverno.
Manuel era um homem muito habilidoso. Com uma fita métrica, um martelo, escopro e polaina, cola, que ele fazia, misturando farinha com água, pregos e madeira, ele era capaz de fazer maravilhas. Mas onde ir arranjar a madeira?
Todos os anos, quando os navios chegavam, os botes eram trazidos para terra, para que fossem reparados. Eram trocadas as tábuas que estavam em mau estado, substituídas por novas, e calafetados, para que não apresentassem perigo quando voltassem ao mar. À porta da oficina, amontoavam-se as tábuas velhas, e pequenos pedaços de novas. Manuel conseguiu autorização para utilizar essas tábuas, e com elas fez um armário, para a loiça, uma arca para guardar as roupas, o berço para o filho que estava a caminho, e uma mesa. No ferro velho comprou uma cama e duas cadeiras de ferro, que lixou e pintou de novo. Comprou ainda um fogão, a petróleo, e o resultado foi que a casita estava “mobilada”, e pronta a habitar.
Fogão a petróleo, mais ou menos igual ao do Manuel
foto da Internet
O filho do Manuel chegaria no final de Setembro. Porém no início desse mês, uma daquelas tempestades de Verão, abateu-se sobre a Seca.
Na noite do dia dois para três, a trovoada rugia estrondosa como se estivesse por cima das suas cabeças. Ele abraçava a mulher que tremia de medo, e tentava esconder dela o seu próprio pavor, quando um enorme relâmpago fez da noite, dia, e o trovão os ensurdeceu. A mulher, aterrorizada de medo, sentia a criança “aos saltos” e ambos sentiram o cheiro a queimado. Pouco depois a trovoada afastou-se mas eles não mais dormiram. A mulher começou com contracções antes de tempo. Talvez por causa do medo, o certo é que a criança se aprestava para vir ao mundo. Quando pelas sete da manhã, Manuel abriu a porta da “casa” encontrou na sua frente, metade do pinheiro caído, cortado, de alto-a-baixo, pelo raio que o ferira. Tremendo, a pensar no perigo que correram, ele chamou a mulher. Ela no entanto não se levantou e apenas lhe pediu que fosse chamar a parteira. Às 11,20 desse dia, a mulher do Manuel dava à luz, o primeiro dos três filhos, que viria a ter, antes de uma infecção, pós parto que quase a matou e a deixou impossibilitada de ter mais filhos.
No final desse ano, o gerente disse ao Manuel, que ia precisar da barraquita, para a nova porteira. Disse-lhe ainda que ele teria que mudar para o barracão junto ao rio, onde já viviam três casais. Porém o barracão era grande, tinha um quarto vago, e ele e a família podiam usufruir dele.
8 comentários:
Caramba, isso é que é história de vida.
Boa noite, Elvira
Depois de ter preparado tudo com carinho...
O pinheiro foi o pára-raios, foi uma sorte...
Tenho novamente Lagos no A Vivenciar.
Tudo pelo melhor.
Beijos
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Apesar de cada vez mais fraca e debilitada, estou a gostar muito de acompanhar a história verídica do Manel das Botas.
Abraço, amiga.
A passar por cá para acompanhar a história.
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Comecei a ler agora mas acho bem interessante e vou dar uma vista de olhos nos capítulos anteriores, aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Historia inquietante, Elvira, que al tenor de tu relato la podemos seguir en plenitud, con todas sus facetas de esperanzas y angustias.
Abrazo.
Para quem nunca conheceu essa realidade parece mentira.
Abraço
Bom dia Elvira,
Uma vida com muitas dificuldades. Muito se sofria antigamente. Ainda há quem se queixe hoje...
O pai habilidoso, como sua filha.
Beijinhos,
Ailime
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