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17.5.19

ESCRITO NAS ESTRELAS - PARTE III

Reedição



A partir daí, durante uma semana, todos os dias se falavam pelo telefone, cada um abrindo um pouco mais, a janela da sua alma para o outro.
Na Sexta-feira, da semana seguinte,  Ema anunciou que ia passar o fim-de-semana a Lisboa. Não informou quando chegaria, nem como, apenas pediu para ele ir ter com ela a um conhecido centro comercial,no sábado seguinte, local para onde se dirigia naquela manhã de Domingo.
Nessa noite, Abílio quase não dormiu de tanta excitação. O cabelo embranquecera, o rosto enrugara, mas o coração mostrava-se tão apaixonado, como se tivesse vinte anos. Abriu a velha caixa que o acompanhara toda a vida, mirou e remirou o monte de cartas amarelecidas pelo tempo, presas com um laço azul, sem saber se devia ou não levá-las para o encontro.  No Sábado perto da hora do almoço, sentiu-se mal. Tinha ido à rua buscar o pão e o jornal e de súbito, no regresso a casa, o dia escureceu de repente, o chão fugiu-lhe debaixo dos pés, sentiu que devia segurar-se a qualquer coisa, mas não foi capaz e depois de um estranho bailado acabou estatelando-se junto da porta do vizinho.
Incomodado com o barulho, este abriu a porta, e vendo o que se passava apressou-se a chamar os bombeiros que o levaram para o hospital, onde foi medicado, fez uma série de exames e ficou em observação. Sem ter como avisar Ema, temia que desiludida, ela voltasse para Braga sem se encontrarem. Finalmente já depois das dez da noite, convencidos os médicos, de que tudo não passara de um episódio provocado pela ansiedade e que não havia a temer, nenhum mal maior, foi-lhe dada alta.
Regressou a casa num táxi, e lá chegado mandou uma mensagem a Ema explicando-lhe  o sucedido. Ela respondeu-lhe que relaxasse, dormisse descansado e se encontrariam no mesmo local no dia seguinte às onze horas para almoçarem juntos.
Fosse pela resposta, ou pela medicação tomada no hospital o certo é que adormeceu rápido.
A meio da noite, sentiu que não estava sozinho. Abriu os olhos e a figura à Fernanda envolta num manto tão branco que feria os olhos, sorria-lhe junto da cabeceira da cama.  Transpirando, sentindo que estava a morrer, estendeu-lhe a mão. Mas ela não lhe pegou. Com uma voz doce, disse:
“Não meu querido, ainda não. Ainda tens um pedaço de vida para cumprir. Vim para te libertar desse remorso, que parece querer levar-te,  antes que o teu tempo se cumpra. Sempre soube que no teu coração havia outro amor. Mas nem por isso fui infeliz. Porque apesar disso, do jeito que podias e sabias, sempre me amaste, como amaste os nossos filhos, e nunca em momento algum senti que não estavas comigo. Fui muito feliz contigo, não tens que pedir perdão nem recriminar-te. Agora é hora de te libertares e viveres esse grande amor que já estava escrito nas estrelas, muito antes de eu chegar à tua vida. E quando pensares em mim, que eu seja uma doce lembrança, e não motivo de sofrimento. Agora vou, mas estarei sempre por perto para te proteger. Na brisa que te acaricia o rosto, na espuma que te molhe os pés na praia, no sorriso de uma criança no desabrochar de uma flor. Vai meu amor, vai ser feliz”
Acordou sobressaltado, com um raio de sol sobre a face. Oito horas? Mas como era possível ter dormido tanto? E a presença de Fernanda no quarto, afinal não passara de um sonho? Mas parecia tão real.
Levantou-se, tomou banho, vestiu umas calças de ganga, e uma suéter azul, uns ténis e saiu para a rua. Ia à padaria, mas antes tinha que bater à porta do vizinho para lhe agradecer tê-lo socorrido no dia anterior.
Às onze em ponto, entrou no local combinado para o encontro e o coração acelerou quando a viu. Ema tinha sessenta anos, mas não aparentava mais de cinquenta. Era uma bela mulher, e ao olhá-la, sentiu aumentar os seus receios. Sentia-se como se em vez de cinco anos os separassem vinte. Nesse momento sentiu uma impressão no rosto, como o suave roçar de uma pena, lembrou do que Fernanda lhe dissera no sonho e avançou confiante.
- Desculpa o atraso, querida. Nunca me tinha acontecido uma coisa assim- disse depositando na bela face um suave beijo.
- Esperei por ti toda a vida, - disse ela sorrindo. Mesmo quando ainda não tinha consciência disso. Que diferença faz, meia dúzia de horas mais?
Sem mais explicações, deram as mãos e afastaram-se de dedos entrelaçados.

Fim


Maria Elvira Carvalho




19 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de paz, querida amiga Elvira!
A vida concedeu aos sessenta o que lhes negara aos vinte. Muitas vezes, ocorre isto.
Adorei o final.
Tenha dias abençoados!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

chica disse...

Que bom! Sempre há e é tempo para o amor! Lindo! Adorei! beijos, chica

Pedro Coimbra disse...

Posso completar com um e foram felizes para sempre??
Abraço, bfds

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Continuo na minha.
Quando o destino assim o quer , não há nada a fazer.
JAFR

Anónimo disse...

Li os dois capítulos de uma assentada, já que ontem não pude voltar aos blogs da parte da tarde.

Que continue, por muitos e bons anos, a escrever nas estrelas, amiga Elvira.

Abraço,



Maria João

Os olhares da Gracinha! disse...

Um final que se deseja!!!
Bj

Tintinaine disse...

Curta e boa! Gostei!

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Uma história curta mas interessante, gostei.
Um abraço e bom fim-de-semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Edum@nes disse...

Mais vale tarde do que nunca. Penso que foi o destino que os juntou? Para juntos serem felizes até que a morte os separe!

Continuação de boa Sexta-feira amiga Elvira. Um abraço.

Larissa Santos disse...


Tenho a certeza que ficaram juntos para sempre:))
Hoje :-[Poetizando e Encantando ] Um ilusório mundo feito de nada.

Bjos
Votos de uma óptima Sexta - Feira.

Janita disse...

Que lindo...que belo... quão maravilhosa pode ser a vida, quando Deus quer!!

Um abraço e que tudo esteja bem consigo e com os seus, Elvira.

( acho-a um pouco abatida. )

Ailime disse...

Bom dia Elvira,
Um final feliz, adorei, mas não quero terminar sem antes lhe dizer da beleza e criatividade deste episódio.
Está de Parabéns.
Beijinhos,
Ailime

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Simplesmente lindo e emocionante esse conto, adorei!
Beijos carinhosos!

teresa dias disse...

Gostei!
Gostei mesmo, mesmo muito, deste conto, o primeiro da Elvira, que li na totalidade.
Me emocionei com as palavras da Fernanda, no sonho do Abílio. E com o reencontro final.
Agora, vou estar atenta aos seguintes.
Beijo.

Cantinho da Gaiata disse...

Já tinha lido e hoje voltei a ler tudo de novo, uma bela história,claro como sempre
e como todas as outras que a amiga escreve, maravilhosa.
Beijinho grande e bom domingo.

Rui disse...

Um belo conto, Elvira !!! Curto e fácil de ler !

Abraço

Tais Luso de Carvalho disse...

Nossa!!! Gostei muito, Elvira, que lindo o aparecimento de Fernanda em sonho, que desprendimento, que amor lindo, mesmo em sonho.
Aplausos, Elvira, retornei e comecei do cap 1º, pois queria lembra-me de alguns detalhes.
Beijo, muito criativo conto!
PARABÉNS, AMIGA!

Arte & Emoções disse...

Belo conto Elvira! Estava escrito que o tempo deles era aquele e que não poderia ser antecipado. Foi exatamente por isso que o pai dela não aprovou o relacionamento.

Abraços,

Furtado

Fá menor disse...

A força do amor é maior do que tudo!

Gostei muito.

Beijos.