Deixou-se cair na cadeira, e ocultou o rosto nas mãos.
As palavras de Clara foram como um punhal que se lhe cravara no peito. Doera-lhe.
É claro que ele amava os filhos. Não em demasia, ninguém ama demais, simplesmente porque não existe medida para o amor. Ou se existia, ele desconhecia. Mas que importava isso? Ele nunca
soubera muito de amor, o que sabia, era que daria a sua vida por qualquer um deles, se necessário. Apesar disso, tinha a noção, de que só o seu amor não lhes bastaria. Ele sabia
que decisão tomar, para salvar a vida dos seus homens, em caso de perigo
eminente, mas não sabia como cuidar de uma criança no dia-a-dia. Ele seria
capaz de prestar os primeiros socorros a um dos seus homens que fosse ferido, mas ficava sem ação, quando um dos seus filhos caía e se feria. No quartel, diziam que ele era um homem
frio, a quem nada nem ninguém fazia perder o controlo. Não era verdade. Quantas
vezes, apertou os punhos, e cerrou os dentes para não gritar, o que lhe ia na
alma?
Aprendera de menino a amordaçar a dor, cada vez que a
madrasta mandava para o lixo um brinquedo, só porque reparara que ele gostava muito dele, cada vez que o pai se ausentava do país, e ela o atormentava. Ele
aprendera a odiar, numa idade em que as crianças não devem conhecer outro sentimento, que não o amor. A ida para casa da avó materna, fora um alívio, mas também nela não
encontrou o amor que o fizesse esquecer o que ficava para trás. A avó
perdera o marido e a filha, no curto espaço de um ano, e desde aí fechara-se no
seu mundo de sofrimento, recordações e saudade, alheando-se de tudo o que se
passava à sua volta. Ricardo crescera assim num mundo inóspito, onde o único
oásis era Antónia, a empregada da avó. Ela fora o único ser, que gostara
verdadeiramente dele. Ela e o Farrusco, um S. Bernardo escanzelado, que aparecera um dia na
quinta e que por lá ficara. Mais tarde, quando ingressara no Colégio Militar,
regressara à casa paterna, mas Ricardo nunca tivera coragem de contar ao pai, o
que a sua mulher lhe fazia, quando ele não estava por perto. Nem mesmo depois
da morte dela, quando ele já tinha vinte anos. Para quê atormentar mais o pai,
se o mal já estava feito e era irremediável?
Tendo compreendido o ciúme doentio da madrasta,
Ricardo afastara-se gradualmente do pai. Deixou de procurar a sua companhia
quando ambos estavam em casa, e procurou estar nela o menos tempo possível.
Quando Irene morreu, ele e o pai eram pouco mais que dois conhecidos de ocasião.
Talvez por isso, o pai não lhe tivesse contado, quando descobriu que era portador
de um cancro no Pâncreas. E como ele se sentia melhor no quartel que em casa,
só se apercebeu quando era demasiado tarde. O pai já tinha morrido há onze anos
e ele ainda se culpava, por não ter estado presente quando o pai mais precisara
dele.
Clara tinha razão. Ele tinha que repensar toda a sua
vida. Afinal, acabara por fazer o mesmo que o seu pai. Pusera a vida e o futuro
dos seus filhos nas mãos de uma desconhecida, querendo que ela os tratasse e
cuidasse como filhos. E se ela fizesse com eles o que Irene, fizera com ele? É certo que o relatório do investigador, dizia que era pessoa
estimada por todos e que cuidara do irmão como todo o desvelo, e fora isso que
o levara a contratá-la. Mas o irmão era do seu sangue, os seus filhos não lhe
eram nada.
Não, Clara não era como Irene. Se o fosse não lhe
tinha dito tudo o que lhe dissera minutos antes. Ou diria? Ricardo nunca se
sentira tão inseguro.
Sossegou-se ao pensar que Antónia lhe diria se alguma
coisa corresse mal. Ela estava com ele, desde que a avó morrera e Ricardo
herdara aquela quinta. Na altura, Alfredo o marido dela, trabalhava numa herdade
vizinha, e a pequena quinta estava abandonada. Ricardo mandara construir uma
casa mais pequena, um pouco afastada da principal, contratara Alfredo como
caseiro, e os dois ficaram a viver ali.
Antónia tivera um filho que morreu de meningite com
dois anos de idade. Depois disso, ou por impossibilidade, ou por vontade
própria, não voltara a ser mãe. Mas o seu instinto maternal era muito forte.
Fora o mais parecido com uma mãe que ele tivera.
Ela adorava os seus filhos e tinha a certeza de que lhe diria imediatamente se notasse algum comportamento impróprio de Clara.
Ela adorava os seus filhos e tinha a certeza de que lhe diria imediatamente se notasse algum comportamento impróprio de Clara.
Essa certeza, fazia com que partisse mais descansado.
Antónia, era a única mulher no mundo em quem ele confiava.
17 comentários:
Quantas dúvidas e questionamentos na cabeça desse homem...E no fundo ele tem algumas certezas! beijos, lindo fds! chica
Um dilema, por certo. Vamos ver o que vai dar.
Bom almoço, Elvira
Continuo a acompanhar o desenrolar da história, Elvira, e espero que os resultados dos seus exames auxiliares de diagnóstico sejam animadores.
Abraço e votos de um excelente fim-de-semana.
Estou cada vez mais viciada na história.
Quanto aos exames médicos vamos aguardar por boas noticias!
Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Mais um episódio que adorei ler. Afinal, entende-se as atitudes - anteriores- de Ricardo! Acho que encontrou a Mulher certa para lhe ajudar nos seus traumas!! AMEI!
Beijo. Bom fim de semana!
OXALÁ ESTEJAM TODOS BEM!
Esta Mulher vai vai surpreende-lo até ao fim:)) Fico esperando com ansiedade, kkk
Do nosso amigo, Gil António:- Hoje » És a minha luz do entardecer
Bjos
Votos de uma óptima Sexta-Feira
Precisa de encontrar a felicidade!!! Bj
Minha querida Elvirinhamiga
Primeiro que tudo está a saúde. Oxalá os exames médicos tragam boas notícias. Estou como se diz no futebol a torcer por ti.
Estória como sempre exemplar. E como não nasci para ser Pitoniso :-) limito-me a dizer vamos ver o que isto vai dar...
Muitos qjs deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Já está publicado na Nossa Travessa mais um episódio da saga VIVER COM UM IRMÃO PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN que desta feita leva o título de O Super Frederico, Nele o nosso herói desdobra-se em actividades diversas face a mais uma situação muito difícil: a irmão dele Leonor caiu na teia demoníaca da droga, E ele, sozinho, vai resolvendo a par e passo os múltiplos problemas que tem pela frente!
Está feito num oito :)
Abraço Elvira
Bom fim de semana, Elvira!
Segunda-feira cá estarei para saber como vai a história deste pai que não é pai e que também nunca foi filho. Pode ser que venha a dar um bom marido.
Muitos recordações que não deixam esse casal pensar em si mesmo.
Continuo gostando e aguardando a proxima semana.
Muito bem construido a historia ,Elvira.
Um abraço
Vamos ver se ele abre os olhos para a vida é se dedica mais aos filhos.
BJ e bom fim de semana.
Acompanhando e com expectativas no que vem pela frente...
Um relacionamento familiar com bastante conflito. Os dois com bagagens pesadas e sofridas.
Bom sábado! Meu carinho
Mais uma bela história que se adivinha de amor entre estes dois. Mas acho que ainda vai dar muita volta até eles se "encontrarem".
Bjs.
Que bom que esta mulher, a Clara, "apareceu" na vida dele. Está causando uma revolução nos sentimentos dele e deve ser bom, ele está tendo uma nova chance de amar e ser amado.
Os dois passaram por muitas dificuldades e vão se completar, com certeza...ou não?
Torço para um final feliz e tô amando.
Quanto aos exames, que seja tudo de melhor.
Bom final de semana!
Boa noite Elvira,
Depois de alguns dias ausente, estive a pôr em dia a minha leitura desta bela história.
Já avançou bastante e vou continuar a seguir com muito interesse.
Beijinhos e bom domingo.
Ailime
Boa noite Elvira,
Depois de alguns dias ausente, estive a pôr em dia a minha leitura desta bela história.
Já avançou bastante e vou continuar a seguir com muito interesse.
Beijinhos e bom domingo.
Ailime
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