Ricardo contara tudo isto, de pé junto à janela, de costas para ela.
Sentia uma mistura de vergonha e raiva, por se ter
deixado enganar, duma maneira tão infantil. Tinha sido um idiota.
Clara era uma mulher muito sensível. Teve a noção
exata de quanto ele devia estar a sofrer, e resolveu interrompê-lo.
- Fala-me de Soraia. Costuma ter pesadelos com o desta
noite?
- Durante uns meses teve-os diariamente. Agora já não
são tão frequentes- respondeu voltando-se por fim
-Que aconteceu com ela?
-A aldeia onde nasceu foi palco de um bárbaro assalto.
Como já te disse tenho estado quase sempre em missões no estrangeiro pois já
por duas vezes fui destacado para o quadro da NATO e também já estive ao serviço da ONU. Há dezoito meses numa
missão no Mali, encontramos uma aldeia em cinzas. Todos os habitantes da aldeia
tinham sido chacinados. Quando íamos embora, um dos meus homens disse ter ouvido um choro. Não acreditei que alguém pudesse ter escapado com vida daquele inferno, mas podia ser algum animal que caísse nalguma armadilha. Ordenei-lhes que se separassem em dois grupos, e fizessem uma batida pelos arredores.
Eu mesmo parti à frente de um dos grupos, o capitão Santos comandava o outro.
Foi um dos meus homens que me chamou a atenção para o ruído que se ouvia por trás de uns arbustos ali perto. Ela estava aí num buraco encoberta pelos arbustos. Não sei a idade exata que teria na altura, mas calculamos que devia andar pelos dois anos. Também não sabemos como fora parar naquele buraco, se alguém a escondera ali, ou se ela própria se afastara e caíra no buraco. O facto é que isso lhe salvou a vida. Quando a encontramos estava suja, faminta e desidratada. Quando lhe peguei, ela agarrou-se ao meu pescoço, como quem se agarra à própria vida. Penso que deve ter tentado sair do buraco, mas aterrorizada pelas chamas, acabou escondendo-se de novo. Isto porque ela ficava aterrorizada cada vez que via uma chama, mesmo que fosse de um fósforo, quando algum dos rapazes acendia um cigarro.
Levei-a para o hospital onde esteve quase um mês. Ia vê-la todos os dias, e era tal a sua alegria, quando eu chegava que até o pessoal do hospital ficava impressionado. Deixei-me encantar por ela. Deves ter reparado que é praticamente da mesma idade do Bernardo. Um dia o pediatra disse-me que ela ia ter alta e iriam entregá-la às autoridades, a fim de ir para algum orfanato. Fiquei de rastos. Tinha criado com ela um vínculo de amor, não podia deixá-la para trás, abandonada à sua sorte. Perguntei ao médico, o que podia fazer para a tirar do país. "Nada - respondeu-me ele.- Só poderia fazer alguma coisa se fosse sua filha". " E que tenho de fazer para declarar que é minha filha - perguntei". "Com uma boa maquia, pode-se arranjar um registo de nascimento falso - respondeu-me".
Dinheiro nunca foi problema para mim. Não serei um multimilionário, mas tenho uma fortuna considerável. Disse-lhe que pagaria o que fosse preciso e ele mesmo me apresentou ao funcionário que arranjou o documento, inventando um nome e uma data de nascimento para ela, bem como um nome de mãe, falecida e claro o meu nome como pai.
Portugal não tem embaixada no Mali. É o embaixador de Portugal no Senegal, que a partir da embaixada em Dakar resolve os casos de diplomacia no Mali. De posse do documento, recorri a ele, solicitando a sua mediação, para a trazer comigo. E assim a menina foi-me entregue, e quando a missão terminou, trouxe-a comigo sem problemas já que toda a documentação dela diz que é minha filha e que a mãe já faleceu.
Eu mesmo parti à frente de um dos grupos, o capitão Santos comandava o outro.
Foi um dos meus homens que me chamou a atenção para o ruído que se ouvia por trás de uns arbustos ali perto. Ela estava aí num buraco encoberta pelos arbustos. Não sei a idade exata que teria na altura, mas calculamos que devia andar pelos dois anos. Também não sabemos como fora parar naquele buraco, se alguém a escondera ali, ou se ela própria se afastara e caíra no buraco. O facto é que isso lhe salvou a vida. Quando a encontramos estava suja, faminta e desidratada. Quando lhe peguei, ela agarrou-se ao meu pescoço, como quem se agarra à própria vida. Penso que deve ter tentado sair do buraco, mas aterrorizada pelas chamas, acabou escondendo-se de novo. Isto porque ela ficava aterrorizada cada vez que via uma chama, mesmo que fosse de um fósforo, quando algum dos rapazes acendia um cigarro.
Levei-a para o hospital onde esteve quase um mês. Ia vê-la todos os dias, e era tal a sua alegria, quando eu chegava que até o pessoal do hospital ficava impressionado. Deixei-me encantar por ela. Deves ter reparado que é praticamente da mesma idade do Bernardo. Um dia o pediatra disse-me que ela ia ter alta e iriam entregá-la às autoridades, a fim de ir para algum orfanato. Fiquei de rastos. Tinha criado com ela um vínculo de amor, não podia deixá-la para trás, abandonada à sua sorte. Perguntei ao médico, o que podia fazer para a tirar do país. "Nada - respondeu-me ele.- Só poderia fazer alguma coisa se fosse sua filha". " E que tenho de fazer para declarar que é minha filha - perguntei". "Com uma boa maquia, pode-se arranjar um registo de nascimento falso - respondeu-me".
Dinheiro nunca foi problema para mim. Não serei um multimilionário, mas tenho uma fortuna considerável. Disse-lhe que pagaria o que fosse preciso e ele mesmo me apresentou ao funcionário que arranjou o documento, inventando um nome e uma data de nascimento para ela, bem como um nome de mãe, falecida e claro o meu nome como pai.
Portugal não tem embaixada no Mali. É o embaixador de Portugal no Senegal, que a partir da embaixada em Dakar resolve os casos de diplomacia no Mali. De posse do documento, recorri a ele, solicitando a sua mediação, para a trazer comigo. E assim a menina foi-me entregue, e quando a missão terminou, trouxe-a comigo sem problemas já que toda a documentação dela diz que é minha filha e que a mãe já faleceu.
- Está contigo há muito tempo?
-Como disse encontrei-a há ano e meio, e desde então estive sempre por perto, mas aqui, nesta casa, está há catorze meses. Por causa deles, estou há mais de um ano em
Portugal, arranjando desculpas várias, movendo influências, para não sair em nenhuma missão. Não podia ausentar-me e deixá-los com a
Antónia. Mesmo sabendo que ela os adora.
Tanto ela como o marido, têm uma certa idade e nenhum laço de parentesco com eles. A Segurança Social cair-me-ia em cima, e poderia perdê-los.
Tanto ela como o marido, têm uma certa idade e nenhum laço de parentesco com eles. A Segurança Social cair-me-ia em cima, e poderia perdê-los.
Então Francisco, o meu advogado, deu-me a ideia do casamento, para lhes dar uma mãe,
que os protegesse quando eu me ausentar.
Respondendo à pergunta:
O que ando a ler? "A soma dos dias" de Isabel Allende. A seguir vou ler o último livro de Carlos Correia, "Momentos para inventar o amor"Filmes não vejo há bastante tempo.
24 comentários:
Estou impressionada com a história. Isto lido assim até parece (retalhos da vida real)... Parabéns pela elaboração. Agora começamos a entender....
Bjos
Votos de uma óptima noite
Duas crianças, vítimas deste mundo sacana, com sorte :)
Boa noite, Elvira
Vida dura, a dessa pequenina...
Abraço.
Pronto, está esclarecido. Agora siga o romance. :)
Beijinhos.
Ficamos todos maravilhados com tua inspiração sempre mais crescente! Beleza! bjs, chica
Oi Elvira
E a história vai tomando rumos inimagináveis,comecemos a entender o que antes parecia um ato impensado. Gostando muiiito!
E como disse a Chica, ficamos todos encantados como sabes criar um enredo cheio de meandros, próprios de uma belíssima escritora, Elvira.Parabéns.
Abraço
Bonita história, vamos andando e lendo.
Há muito mistério bnesta história.
Bjs
Estou emocionada, Elvira... adorando e torcendo pra que acabe num lindo romance a formação de uma verdadeira família.
eu, inclusive, que cheguei agora, chica!
Bjs
Está um espectáculo esta história!
Siga o baile!
Demorei a chegar, Elvira, porque, como acontece com alguma frequência, tive uma pfima aqui em casa vinda do Brasil com uns amigos ( ficaram na casa dele e hoje pargiram para um cruzeiro. Dia 8 chega e fica cá mais uma semana. Também estou à espera que nasça a minha 2a neta, primeira filha da minha filha; está previsto para sábado, se não der sinal antes. Mas o que importa é que estou aqui e já li todos os capitulos da nova história que, como sempre, me está a agradar. Fico pasmada com a tua facilidade para contos, amiga! Parabéns e até ao proximo capítulo
Um beijinhos e tudo de bom
Emilia
adivinhe quem é agora o embaixador nesses países - chama-se Vítor Sereno, é meu amigo e foi até recentemente cônsul de portugal em Macau e Hong Kong.
Abraço
Tantas crianças que, infelizmente, sofrem tragédias destas e ficam irremediavelmente marcadas , meu Deus!!
Abraço amigo
Bom dia
Não sei qual o adjetivo próprio para classificar o que acabei de ler .
Até amanhã para o próximo capitulo !!
JAFR
A passar para acompanhar a história.
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Continuo a acompanhar com interesse.
Neste momento ando a ler Ken Follett, estou a acabar A Contagem Decrescente.
Um abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Bom dia, Elvira
Mesmo não tendo lido os capítulos anteriores, reconheço que este conto tem muito de calor humano. Virei mais vezes.
Bj
Olinda
Estória intensa mas tão interessante. Muito bom!
Bom dia!
Coisas de uma Vida
Beijos e um excelente dia!
Tem um bom coração e Clara com certeza ficou rendida:)
Abraço
Bom dia:- Lendo entusiasmado o desenrolar da bonita estória.
.
* Rodopio dançante ... e um cálido beijo *
.
Deixando um abraço
Quanta criança à espera da mesma sorte!!!bj
Li e continuo seguindo. De certeza que a jovem se rendeu ao grande coração desse jovem de boa índole.
Uma vez que o post scriptum, não tem um nome a quem seja dirigido, não sei se houve mais alguém que fez alguma pergunta. Mas tomei nota!!
Um abraço
Teve sorte, encontrou a Clara.
Só agora percebo o título "Entre o amor e a carreira".
Bom domingo.
O Ricardo demonstra ser um homem de bom coração. Gostando e aguardando os acontecimentos.
Abraços
Furtado
Enviar um comentário