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20.4.18

MANUEL FERREIRA -- 20/4/1918 - MANEL DA LENHA




Se llamava Manuel, nació en España,
su casa era de barro, de barro e caña.
Las tierras del señor humedecían
su sudor y su llanto dia tras dia.

Introduzi a primeira quadra dum belíssimo poema de Joan Manuel Serrat, para falar de um certo Manuel, que não nasceu em Espanha, mas cuja vida foi igualmente sofrida. Chamava-se Manuel, nasceu no interior norte deste país, que para alguns - muito poucos - é um jardim à beira-mar. Quarto filho de uma pobre mulher que nunca conheceu marido, nasceu em Abril, precisamente onze dias depois, do desastre português na batalha de La Lys. 
Nunca frequentou a escola, pois começou a trabalhar ainda menino. Os filhos do patrão, ensinaram-lhe a ler e a escrever. A meninice e a juventude ficaram para trás nessa pequena aldeia, no dia em que migrou para o sul procurando melhor vida. Na margem sul do Tejo, começou a trabalhar numa Seca de Bacalhau. Aí conheceu a mulher com quem casou e que viria a ser a companheira de toda a vida. Sua casa não era de barro, não. Era um barracão de madeira, assente em pilares de cimento à beira-rio, que o patrão lhe tinha cedido e do qual não pagava renda. Tinha teto, mas não tinha água nem luz. Aí lhe nasceram três filhos em menos de três anos. Como se não fosse suficiente o sacrifício, de sustentar uma família com um ordenado miserável, ainda trouxe para a sua casa os dois cunhados mais novos, pouco mais velhos que a sua primeira filha, quando a sogra adoeceu. 
Com autorização do patrão, rompeu ao mato um bocado de terreno para semear alguma coisa que lhe ajudasse a criar os filhos, e os cunhados. Com as próprias mãos, abriu um poço, para regar o terreno e para ter água em casa. Trabalhava dia e noite disfarçando as lágrimas e a revolta em piadas brejeiras, e em brincadeiras carnavalescas. Nunca conheci homem mais divertido. Dizia que a vida levada a sério, endoidecia qualquer um. Adorava futebol. Não tinha rádio, nem dinheiro para o comprar. Com um dínamo, uma bobine fio de cobre e pouco mais, e as indicações do irmão, que era electricista, ele construiu uma engenhoca a que chamava galena,  que lhe permitia com uns auscultadores ouvir os relatos de futebol. Pegou a vida pelos cornos, apesar da sua figura franzina. De estatura pequena, foi o exemplo de que os homens não se medem aos palmos.
 Anos mais tarde, as filhas casadas, a idade da reforma chegou com mais uma provação. A mulher, companheira de sempre, sofreu um AVC e ficou paralisada do lado esquerdo. Era nove anos mais nova do que ele, mas nunca mais conseguiu bastar-se a si própria, muito menos fazer alguma coisa em casa. E Manuel começou uma nova luta. Tratar da mulher e levar para a frente a casa. Com alguma ajuda dos filhos, que apesar de toda a boa vontade, tinham  a sua vida, seus empregos e as suas casas. Uma das filhas inclusive, vivia longe, noutra cidade. Mas ele continuou sempre alegre e brincalhão. De sorriso fácil, e sempre com um chiste pronto, a qualquer hora e situação. Com a paixão pelo futebol, e pela vida, costumava dizer com uma certa graça, que sabia que havia de partir um dia, mas que iria forçado, pois de vontade, a morte nunca o apanharia. 
Porém a vida, madrasta até ao fim, fez com aos noventa anos, a circulação arterial se deixasse de se fazer para os membros inferiores. Resistiu à amputação de uma perna, não resistiu à amputação da segunda, falecendo a menos de um mês de fazer noventa e um anos.
Chamava-se Manuel, nasceu em Portugal, em Abril de 1918, partiu a 28 de Março de 2009.
E eu tenho um enorme orgulho em ter sido sua filha, e uma saudade cada dia maior


Maria Elvira Carvalho

Esta é a minha homenagem ao homem que me deu a vida. Quem leu o Manel da Lenha, ou A história das botas, sabe do meu amor, e da minha admiração por este homem pequeno no tamanho, mas  com um coração do tamanho do mundo. Uma alma talhada e moldada na adversidade da vida. Se fosse vivo, faria hoje cem anos. 

29 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Gosto de homens de sorriso fácil
Trazem a alma na cara. São o que são
tão genuínos
quanto os sorrisos

Seu pai é meu irmão

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida amiga Elvira!
Tão bom termos um pai maravilhoso para recordarmos do seu amor para conosco enquanto vivo!
Bonita recordação e homenagem você presta a quem muito mereceu. O meu também... Foi muito bom e me amou muito...
Deus nos deu um pai bondoso, isso é muito bom!
O meu teria 94...
Estou sensível neste momento e ler esta postagem ainda mais me emocionou, amiga.
Seja muito feliz e abençoada junto aos seus amados!
Bjm de paz de bem

Pedro Coimbra disse...

Uma homenagem sentida e emocionante.
Bem haja por a partilhar connosco.
Bfds

Majo Dutra disse...

Há algum tempo, também gosto muito deste senhor.
Bonita homenagem, estimada Amiga.
Um longo e sentido abraço.
~~~~~~~~~~~~~~

Isa Sá disse...

Bonita homenagem.

Isabel Sá
Brilhos da Moda

Joaquim Rosario disse...

bom dia.
Uma linda homenagem sem duvida .
são estes gestos que nos fazem bem ao ego .
parabéns !!
JAFR

chica disse...

Que linda homenagem pras ele que merece toda essa saudade do teu coração! Lindo! beijos, chica

_ Gil António _ disse...

E assim se faz uma lindíssima homenagem a um grande poeta,
.
* Criança brincando ... em interno lamento. *
.
Deixo cumprimentos poéticos.

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Uma belíssima e merecida homenagem.
Um abraço e bom fim-de-semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Emília Pinto disse...

Acompanhei contigo a história deste " Manuel da lenha" e hoje venho juntar-me à homenagem deixando-te um beijinho muito, muito especial, Bonita homenagem, querida amiga! Na próxima sexta o meu pai faria 90 anos.
Emilia

Janita disse...

Elvira, esta bonita e sentida homenagem ao Senhor seu Pai, deixou-me fortemente emocionada.
Quando iniciei a leitura desta narrativa já sabia a quem se dirigia, pois acompanhei a história verídica ou de Manel da Lenha, ou a das Botas. Uma delas, ou parte de ambas,foi de certeza.

Espero acompanhar as suas futuras histórias, logo que não mencionem passagens da famigerada guerra colonial.

Um abraço e bom FDS

Os olhares da Gracinha! disse...

Elvira ... um PAI que nunca esquecerá e do qual se orgulha ... partiu com uma idade que permitiu conviver com ele durante muito tempo!!!
Parabéns pela belíssima partilha e bj amigo

Cidália Ferreira disse...

Que homenagem tão bonita!! AMEI!

Beijos. bom fim de semana.

Acrescenta Um Ponto ao Conto disse...

Uma grande homenagem num bonito texto.


Convidamos a ler o capítulo X do nosso conto escrito a várias mãos "Voar Sem Asas".
https://contospartilhados.blogspot.pt/2018/04/voar-sem-asas -capitulo-x.html

Saudações literárias
Bom fim-de-semana

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Elvira

que homenagem tão bonita e tão cheia de sentimentos, paranão falar da saudade.

comovida estou (e muito)

beijinhos

:(

Jaime Portela disse...

O sorriso anda ligado à felicidade, que se consegue andando satisfeito com o que se tem, mas sem deixar de querer mais e melhor.
Gostei muito do texto e da homenagem que aqui fizeste ao teu pai.
Bom fim de semana, amiga Elvira.
Beijo.

Anete disse...

Um texto lindo em homenagem sincera e profunda, Elvira! Alegro-me em saber do seu valor e humor em viver. Sim, um homem exemplar e fidedigno!... Teve vida longeva e deixou saudades...

O meu abraço carinhoso neste dia...

Fá menor disse...

Muito bela homenagem de uma filha a seu pai, querida amiga.

Beijinhos.

Kim disse...

Olá Elvira!
O blog é muito mais interessante que o FB, onde tudo é efémero. Actualmente, uso o blog mais para não perder "coisas" das quais me quero recordar e guardar. Não tenho sequência alguma e não quero abusar por causa dos meus olhos. Irei estar atento a esta SEXTA FEIRA, que muito me agrada.
Às vezes, estou lá mas não estou!

Meu Velho Baú disse...

Uma história de Vida incrível . Bonita Homenagem.
Quem sabe Elvira não seria tema para um bom romance escrito pele filha
Beijinhos

Kim disse...

E lembro-me muito bem, deste Manuel/pai/pesca do bacalhau. Fica sempre uma saudade que dói, mas que aquece o coração.

Rui disse...

Uma Linda e, nota-se, muito sentida e sincera homenagem a esse Homem Enorme que foi o seu pai ! ...
E sendo certo que a Elvira tem por ele um enorme orgulho, não é menos certo que também eu o sinta pela minha Amiga Elvira, uma Mulher extraordinária, que admiro sem limites!

Um Grande Abraço

Tintinaine disse...

O meu pai também teve um percurso de vida semelhante, por isso entendo muito bem os seus sentimentos.

Olinda Melo disse...


Olá, Elvira

Adorei este texto de homenagem ao seu pai.
Sim, lembro-me bem dele e da sua luta pela vida.

Bem-haja!

Bj

Olinda




aluap disse...

A história do Manel da Lenha,seu pai, foi das mais bonitas que li por aqui,entendo-a também como homenagem sua.
Abraço.

Ailime disse...

Boa noite Elvira, emocionante e comovente a história de vida de seu pai.
Pessoas como ele são um exemplo principalmente nos dias de hoje em que algumas pessoas em vez de se fazerem à vida, preferem estender a mão à caridade.
Vida dura mas muito honrada.
Parabéns, Elvira, por esta homenagem a seu querido pai.
Beijinhos,
Ailime

Gaja Maria disse...

Bonita homenagem Elvira. Fica uma saudade que nunca passa, ficam as memórias, fica um amor maior. Abraço apertado Elvira

Rosemildo Sales Furtado disse...

Linda e merecida homenagem amiga. Eu tive a oportunidade de ler o belo post Manel da Lenha.

Abraços,

Furtado

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Linda homenagem ao seu amado genitor. O fato dele ter amputado as duas pernas e ter ido a óbito na segunda amputação, me reportou a minha mãe que na segunda perna amputada foi-se para sempre. Seu pai foi um homem honrado e deixou um legado imensurável, você com toda sua sabedoria.
Abraços afetuosos!