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26.2.18

CARLOTA - PARTE III

Foto da rua onde Carlota trabalhava. Edição de António Passaporte.

A irmã bem tentou saber o que se passava, mas Carlota não se abria. Morria de vergonha que alguém descobrisse o que acontecera, como se fosse a culpada. Infelizmente para ela, não pôde ficar calada por muito tempo, pois “as regras” não vieram e o corpo começou a apresentar sinais evidentes de que estava em transformação. Com a experiência que lhe davam os anos de casada e os três filhos que já tivera, a irmã, cedo se apercebeu do que se passava, e Carlota viu-se obrigada a contar o que se passara.
Revoltado e irritado, o cunhado praguejou, e pensou ir à aldeia tirar satisfações, mas foi demovido pelas duas mulheres. Afinal, naqueles tempos, aquela situação, era mais corrente do que aquilo que se desejava, e aos senhores nunca acontecia nada. Eles tinham dinheiro para comprar o que queriam, até a justiça, que ainda culpava a mulher, e a considerava destruidora de lares. Depois, quem sabe, o malandro não cumpria a ameaça e se vingava no pai da jovem, ou noutro membro da família.
Assim, resolveram até, não contar nada aos pais da jovem, pelo menos por enquanto, que quando o pessoal da aldeia, viesse para a safra, iria ver a jovem prenhe, e no regresso à aldeia, toda a gente iria saber que a jovem “se perdera” e esperava um filho sem pai. Mas até lá, muita água havia de correr debaixo da ponte, quem sabe a gravidez não ia adiante?
Porém isso não aconteceu e em Março, a parteira chamada às pressas pelo cunhado, trouxe ao mundo um belo rapazinho. O cunhado escreveu aos sogros, contando que a jovem, tinha acreditado na conversa de um malandro, que a abandonara quando soubera que estava esperando uma criança. Ele nada pudera fazer, já que o malandro em questão, tinha desaparecido sem deixar rasto. Não podia contar a verdade. Tinha medo do que podia acontecer.
De volta recebeu uma carta da sogra, dizendo que o marido estava furioso, dizia que a filha “era a vergonha da sua cara, que nunca mais queria vê-la, que para ele ela tinha morrido.”
Apesar de saber de antemão, que essa seria a reacção do pai, Carlota sentiu-se destroçada.
Felizmente para ela, a irmã e o cunhado, tratavam-na com muito amor, e davam-lhe todo o apoio material que os seus fracos recursos materiais permitiam, até a cuidar do filho, pois ele era tão pequenino, que ela até tinha medo de lhe pegar.
“Mal de quem morre, os vivos, pontapé daqui, pontapé dali, tudo se cria”, - dizia o povo na época, e até que era verdade. O menino foi crescendo saudável, sempre rodeado dos primos, mais velhos, e a mãe empregou-se como criada de servir na casa de um senhor doutor,(1) em Lisboa. Tinha comida e dormida, o que recebia, entregava à irmã, para o sustento do filho. Os anos foram passando, Carlota estava cada dia mais bonita, não lhe faltavam pretendentes, mas ela não queria saber de namoricos. Naquela época, havia o culto da virgindade, dizia-se que esse era o verdadeiro tesouro das raparigas, e aquela que fosse “desonrada” já não servia para esposa.  Apenas era procurada para diversão, uns minutos de prazer, com que os homens temperavam o corpo e a vida. Carlota sabia disso, via o que acontecia com outras colegas, também criadas de servir. E o que não via, ouvia em comentários, quando se encontravam na praça, ou nas folgas.





1)  Naquela época era comum chamar doutor a qualquer um que fosse rico, mesmo que ele não tivesse qualquer curso superior.

18 comentários:

noname disse...

As coisas nem mudaram tanto assim. Os "doutores" continuam a poder comprar quase tudo.

De pedra e cal a segui la :-)
Beijinho

chica disse...

Pobre moça...Tanto a suportar... Muito boa tua narração! beijos, chica

Lúcia Silva Poetisa do Sertão disse...

Aff, coitada de Carlota!Tanto sofrimento, tomara que no decorrer ela encontre alguém que a ame e a assuma junto com o filho. Amei esse capítulo.
Beijos e uma semana de paz e amor!

Pedro Coimbra disse...

Partiu recentemente uma prima da minha mãe que foi deixada só com uma filha nos braços.
Como se isso não bastasse, ELA foi despedida.
O fdp que a engravidou não e continuou a sua vida ignorando a filha e o neto que já tem mais que trinta anos e é meu afilhado.
Para quem nunca viveu situações destas até parece mentira.
Boa semana

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história e desejar uma ótima semana!

Isabel Sá
Brilhos da Moda

Joaquim Rosario disse...

bom dia
as coisas estão a melhorar e com certeza a Carlota terá aquilo que merece .
uma boa semana de trabalho .
JAFR

Tintinaine disse...

Uma história de vida mil vezes repetida em cada canto do nosso país. Dediquei-me a estudar a genealogia da minha família, durante os últimos cinco séculos, e é assustador aquilo que se encontra a respeito dos chamados "filhos naturais".

Cidália Ferreira disse...

Gostei do episódio, embora conturbado! Esperamos dias melhores.

Beijo e uma excelente semana.

Edum@nes disse...

Já tinha lido ante este conto. Mas continuo acompanhando esses acontecimentos do passado, os quais foram de tristeza para uns e de alegria para outros!

Tenha um bom dia amiga Elvira.
Um abraço.

Anete disse...


Carlota vem passando por tantos problemas, puxa... Mas, a vida dará uma virada na sua sorte... Torcendo!

Tenha uma semana de vitória... Abç

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Estou a gostar.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Larissa Santos disse...

Estou a gostar de acompanhar mais este lindo conto :))

Hoje, o Gil, devido a compromissos profissionais só poderá estar "presente" mais tarde Mas tem para vos oferecer: - É o teu coração um poema sem rima
.
Bjos

Votos de boa Segunda-Feira

Os olhares da Gracinha! disse...

Ainda bem que o garoto "cresceu"!!!
Estou a gostar da história da CARLOTA!!!
bj

aluap disse...

No Portugal de então esses "doutores" eram boas pessoas, boa gente e isso valia-lhes o respeito da população.
Nas aldeias era mais o "senhor" ou "senhora", era titulo que só se aplicava a quem tinha terras de alguma dimensão e que ao mesmo tempo tinha uma vida mais folgada, já que tinham quem lhes fizesse os trabalhos.
Um abraço.

Ailime disse...

Boa tarde Elvira,
Histórias que infelizmente tanto aconteceram por esse Pais fora!
Pobres das raparigas que se viam em tais aflições!
Era uma tristeza!
Ainda bem que Carlota tinha a irmã e o cunhado a apoiá-la!
Beijinhos e boa semana.
Ailime

Cantinho da Gaiata disse...

Coitada a sorte não lhe tem batido à porta, mas ainda espero que esta história vá ter um final feliz.
Beijinho grande.

lis disse...

Que bom que apesar de Carlota não ser mais um' rouxinol que canta' ,teve coragem para criar o filho e alguém para ampará-la dando-lhe amor.
Há esperanças que seu destino seja mais feliz,
beijinho Elvira
Muito bom o conto e escrito,magistralmente.

Rosemildo Sales Furtado disse...

Pelo menos a Carlota teve e tem o apoio da irmã e do cunhado, o filho já cresceu, e as coisas parecem ter mudado para melhor. Continuo gostando e aguardando.

Abraços,

Furtado