Foto retirada da net
Pouco passava das dez da manhã, naquele soalheiro e luminoso dia, da primeira semana de Agosto, quando desci do autocarro no Terreiro do Paço.
Confesso que fiquei surpreendida com o que vi, pois naquele
momento, havia um movimento pouco usual entre os vendedores, que corriam de um
lado para o outro, carregando as enormes alcofas, as mulheres com cestos à cabeça,
procuravam ocultar-se atrás das grossas colunas da estação ou dentro das
cabines telefónicas. Algumas metiam-se mesmo na gare dos cacilheiros ali ao lado.
- Que será que aconteceu?- Interroguei-me.
Mas logo os vi. Os fiscais que de vez em quando rondavam
aquela zona, pregando multam nos mais descuidados, pois o comércio ali,era
proibido. Nunca entendi porque não montavam uma ronda permanente e acabavam
de vez com aquilo. Mas não. Apareciam e desapareciam como por artes mágicas. Fui até
ao quiosque, que servia de bar e pedi um café, enquanto esperava que os fiscais se fossem. Porque
quando eles chegavam não havia ninguém, mas assim que desapareciam de todos os
cantos apareciam os vendedores e era um ai enquanto abriam de novo as suas
cestas e espalhavam o produto em panos no chão. Ou em pequenas mesas de
campismo que alguns traziam. Era assim uma espécie de jogo do gato e do rato.
Quando tudo serenou, procurei com o olhar a mulher dos olhos
verdes, mas não a vi.
- Não veio hoje a mulher que vende cartas? – Perguntei à
velhota dos amendoins.
- Não. Já ontem também não veio. Mas ali o meu “home” também
vende cartas.
E apontava um velhote que vendia variadas coisas um pouco
mais à frente.
- Obrigada, mas eu queria, era falar com ela, -menti. –
Acaso sabe onde mora?
-Não. Ninguém sabe ao certo, embora digam que mora ali para
os lados de Alcântara, na rua Prior do Crato. A menina é parente? – Perguntou a
medo.
-Não. Apenas me pediram para lhe dar um recado, e queria
fazê-lo.
-Bem – a mulher pareceu ficar mais à vontade, ao saber que
eu não era da família, da tal mulher. A Esperança apareceu aí um dia a vender
cartas, e aí ficou. Já lá vão muitos anos. Olhe, ainda eu nem tinha cabelos
brancos.
Olhei a sua cabeça completamente branca, e pensei que na
verdade já devia haver uns bons anos.
- Esperança, dos olhos verdes, - murmurei
A mulher continuou:
Olhe menina, eu se fosse a si esquecia-me desse recado. Eu
não sei porquê, mas não gosto dela. Às vezes até chego a pensar que tem pacto
com o demo. Passa horas e horas a olhar o mar, e depois sabe, há uma coisa que
nem sei se lhe conte…
À margem: Este conto tem como cenário, a Lisboa dos anos sessenta e procurei ser o mais rigorosa possível às minhas memórias. O facto de falar na Ponte Salazar, e não 25 de Abril, deve-se ao facto de que era esse o nome dela na altura, não significa nenhuma simpatia pelo nome do ditador, nem tão pouco esquecimento, do seu nome atual.
À margem: Este conto tem como cenário, a Lisboa dos anos sessenta e procurei ser o mais rigorosa possível às minhas memórias. O facto de falar na Ponte Salazar, e não 25 de Abril, deve-se ao facto de que era esse o nome dela na altura, não significa nenhuma simpatia pelo nome do ditador, nem tão pouco esquecimento, do seu nome atual.
17 comentários:
Mais um conto que vou seguir atentamente.
A começar nos anos 60 (64 é um must!!)
Boa semana
A passar por cá para acompanhar a história e desejar um bom fim de semana!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Deste conto lembro-me perfeitamente...
ADOREI!!!
Muito boa ideia repô-lo, dá assim oportunidade, a quem não o leu, de o apreciar.
Votos de uma semana muito feliz.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Ah: este capítulo soube-me a pouco. Ansiosa pelo próximo.
Bjn
Márcia
Gostei do conto e da explicação final sobre a Ponte Salazar!
Este conto fez-me lembrar as ciganas junto ao mercado Municipal da Figueira, com os passeios cheios de panos estendidos, com roupa aos montes e à medida que a PSP se aproximava eram como as gaivotas na praia quando um miúdo corre para as apanhar!
Continuação de boa semana.
Acabei de finalizar a leitura do Estranho Contato, gostei da forma como elaborou o final da história. Uma nova vida surgindo e unindo ainda mais a família.
Essa nova já me deixou a pensar, quem será a mulher das cartas? Esconde algum segredo?
Voltarei mais vezes para conferir.
Um abraço,
Sônia
Uma mulher misteriosa?!
...bj
Uma mulher misteriosa?!
...bj
Neste conto a sua autora, terá mesmo muito para contar como se vivia em Portugal na república do ditador Salazar. A maioria dos portugueses temia o regime. Quando a alguém, de alguém se pedia uma informação. A resposta quase sempre era. Não sei, não conheço, ou o silêncio eram a armas mais utilizadas!
Tenha uma boa tarde amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.
Espero que o narrador, não desista de contactar a Esperança, provavelmente foi marginalizada, sem motivo... porque se fixará tanto no rio!?
O conto tá ficando bem interessante...
Lendo bem juntinho ao mar, ouvindo o barulhinho das ondas e comentando aqui...
Uma boa noite... Beijinho
Ora, bolas!!
Com essas coisas aparte lá nos vai deixando ficar em suspense por mais um dia.
E eu, que estava já de olhar atento e ouvido à escuta para saber essa tal coisa que a velhota tinha escrúpulos em contar.:(
O nome antigo da Ponte sobre o Tejo e o rebaptismo após o 25 de Abril, já nós sabemos...agora a tal coisa...!!
Um abraço, Elvira. Saber esperar é uma grande virtude, não é? :)
Mais uma história que promete; saída de vivências pessoais, torna-a ainda mais apetecível.
Bjo, Elvira :)
Começa o mistério e a curiosidade se faz presente. Estou gostando e aguardando.
Abraços,
Furtado.
Geralmente as mudanças da toponímia são por conveniência. Quando se deu o 25 de Abril, a ponte já lá estava há muito, daí que por mim podia ficar com o nome de baptismo, mas também eu não tenho simpatia alguma pelo ditador!
Oi Elvira,
Adorei
Não vou perder nenhum capítulo
Vá mais devagar, estou com muita dor.
Beijos
minicontista2
Enviar um comentário