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28.11.16

A TI'ESPERANÇA DOS OLHOS VERDES PARTE III


                               Foto retirada da net




Pouco passava das dez da manhã, naquele soalheiro e luminoso dia, da primeira semana de Agosto, quando desci do autocarro no Terreiro do Paço.
Confesso que fiquei surpreendida com o que vi, pois naquele momento, havia um movimento pouco usual entre os vendedores, que corriam de um lado para o outro, carregando  as enormes alcofas, as mulheres com cestos à cabeça, procuravam ocultar-se atrás das grossas colunas da estação ou dentro das cabines telefónicas. Algumas metiam-se mesmo na gare dos cacilheiros ali ao lado.
- Que será que aconteceu?- Interroguei-me.
Mas logo os vi. Os fiscais que de vez em quando rondavam aquela zona, pregando multam nos mais descuidados, pois o comércio ali,era proibido. Nunca entendi porque não montavam uma ronda permanente e acabavam de vez com aquilo. Mas não. Apareciam e desapareciam como por artes mágicas. Fui até ao quiosque, que servia de bar e pedi um café, enquanto esperava que os fiscais se fossem. Porque quando eles chegavam não havia ninguém, mas assim que desapareciam de todos os cantos apareciam os vendedores e era um ai enquanto abriam de novo as suas cestas e espalhavam o produto em panos no chão. Ou em pequenas mesas de campismo que alguns traziam. Era assim uma espécie de jogo do gato e do rato.
Quando tudo serenou, procurei com o olhar a mulher dos olhos verdes, mas não a vi.
- Não veio hoje a mulher que vende cartas? – Perguntei à velhota dos amendoins.
- Não. Já ontem também não veio. Mas ali o meu “home” também vende cartas.
E apontava um velhote que vendia variadas coisas um pouco mais à frente.
- Obrigada, mas eu queria, era falar com ela, -menti. – Acaso sabe onde mora?
-Não. Ninguém sabe ao certo, embora digam que mora ali para os lados de Alcântara, na rua Prior do Crato. A menina é parente? – Perguntou a medo.
-Não. Apenas me pediram para lhe dar um recado, e queria fazê-lo.
-Bem – a mulher pareceu ficar mais à vontade, ao saber que eu não era da família, da tal mulher. A Esperança apareceu aí um dia a vender cartas, e aí ficou. Já lá vão muitos anos. Olhe, ainda eu nem tinha cabelos brancos.
Olhei a sua cabeça completamente branca, e pensei que na verdade já devia haver uns bons anos.
- Esperança, dos olhos verdes, - murmurei
A mulher continuou:
Olhe menina, eu se fosse a si esquecia-me desse recado. Eu não sei porquê, mas não gosto dela. Às vezes até chego a pensar que tem pacto com o demo. Passa horas e horas a olhar o mar, e depois sabe, há uma coisa que nem sei se lhe conte…


À margem:  Este conto tem como cenário, a Lisboa dos anos sessenta e procurei ser o mais rigorosa possível às minhas memórias. O facto de falar na Ponte Salazar, e não 25 de Abril, deve-se ao facto de que era esse o nome dela na altura, não significa nenhuma simpatia pelo nome do ditador, nem tão pouco esquecimento, do seu nome atual.