A filha mais velha do Manuel, à saída do Registo Civil
Manuel foi conversar com o gerente. Temia que
ele dissesse que a porteira tinha que viver na Seca por causa de alguma
emergência, mas ele disse-lhe que o emprego da mulher não corria risco. O que
eles faziam ou onde dormiam fora das horas de serviço não era da sua conta. Os
residentes na Seca se precisassem sair ou entrar fora dessas horas tinham
chave, e os não residentes não podiam entrar fora das horas de serviço. E foi
assim que no início de Abril começaram a habitar uma “casa de gente fina” como
ele dizia todo feliz.
Entretanto
a filha mais velha, tinha a papelada do casamento pronta, tinha alugado casa,
mandara fazer o vestido de casamento, ela mesma fizera os cortinados e andava
toda feliz. Mas… alegria de pobre nunca é completa. A meio de Abril, morre o
irmão João. Foi um golpe terrível para ele. Durante mais de um mês nem o rádio
que tanto gostava de ouvir, ligava.
Enquanto isso o país continua a sofrer com a
fome, a guerra, e a privação de liberdade para manifestar as suas ideias. A
remodelação ministerial do mês anterior, não produzira os resultados esperados
e a 17 de Abril, começa em Coimbra, a revolta estudantil, que se manterá activa
por vários meses. A 27 desse mês, Salazar faz oitenta anos e está claramente senil.
Transmitido pela TV, foi o momento em que Neil Amstrong, pôs o pé na lua, quase no final de Julho.
Transmitido pela TV, foi o momento em que Neil Amstrong, pôs o pé na lua, quase no final de Julho.
E no último dia de Julho, regressa do leste de Angola, o namorado da filha mais velha. Compram
os móveis e electrodomésticos, e ele vai viver para a casa que ela alugara, enquanto aguarda o
dia do casamento que se pretendia religioso. Porém na Igreja não há vaga, teria que ter sido marcado bem antes, coisa que a jovem não fizera, por desconhecimento, e assim o
casamento só poderia realizar-se três meses depois. Ansiosos, resolvem casar só
pelo registo.
Casam a 16 de Agosto, no registo civil do
Barreiro. A festa simples com a presença de familiares e duas ou três amigas da
filha realiza-se em casa. Foi uma festa estranha, pois para a mãe da noiva, e restante família materna, fortemente religiosa, o casamento civil não era considerado casamento. A mulher do Manuel e as irmãs fartaram-se de chorar, nunca ninguém na família tinha casado apenas no registo.
Assim, elas consideravam aquele casamento, uma vergonha e uma
imoralidade.
15 comentários:
Passei ao sábado, porque não tive transporte na sexta!
Nessa época, só os casamentos pela igreja eram abençoados, hoje vale tudo!
Deixe-me dizer-lhe que: Ou é impressão minha ou conheço a cara do noivo! Será?
Bom fim de semana com o meu abraço.
Grandezas e misérias dum país no século XX, vistas a partir da luta duma família por uma vida melhor.
Excelente relato, Elvira!
Um bom final de semana :)
Linda foto e acontecimentos n´~ao faltam.Alegria de preparar casamento, tristeza pela morte e depois enfrentar as críticas pelo não casamento na igreja... bjs, chica
Linda narrativa, cheia de acontecimentos e expectativas. Gostei.
Beijo e bom fim de semana*
Boa tarde, hoje felizmente as novas gerações sabem que o casamento valido é pelo registo, cada vez menos existe o matrimonio, a Igreja católica já se apercebeu e começou a dar outra abertura para cativar.
Bom feliz de semana,
AG
A forma como a Elvira escreve é fluída. Lemos e deixamo-nos ir. Acessível, simples, como acho que a escrita deve ser. E para quem publica livros, talvez seja a forma ideal de prender as pessoas.
Gostei. Gosto.
Tenha um óptimo sábado. Aceite um abraço.
Oi Elvira, que linda foto!
O casamento da filha, penso que foi uma revolução para a época. Mas até hoje em muitas famílias, ainda é assim, o casamento deve ter a benção do padre ou pastor.
Lindo desfecho!
Abraços!
Mariangela
Em tempos idos as famílias portuguesas levavam a sua religiosidade muito a sério e nalguns casos com exageros impostos pela igreja católica, que em certa altura se apercebeu que os tempos estavam a mudar e havia a necessidade de acompanhar as novas ideias para se não deixar ultrapassar, assim, hoje o casamento pelo civil já é melhor aceite.
Gosto de ver fotos de casamentos, ver como era a moda e os costumes noutro tempo, gosto de olhar momentos de um tempo passado que não são hoje vistos assim.
Felicidades para si, Elvira.
O importante que ela estava linda.
Isso sim é felicidade, o resto é resto...
Beijos
Lua Singular
Havias muitos casais que não casavam pela igreja e viviam toda a sua vida felizes. Enquanto que haviam outros que casavam pela igreja e eram infelizes!
Tudo é o que tem de ser e o resto são cantigas? Os noivos estavam contentes e isso era o que mais para eles interessava!
Tenha uma boa noite e bom dia de domingo, amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.
Ai amiga tanta miséria, tanto preconceito, tanta vergonha, por uma coisa tão banal, mas naquela época não era. Gostei muito do texto e cá fico à espera de mais. Bom fim de semana e beijos com carinho
A Igreja Católica tinha grande poder e era mal visto quem não casasse pela igreja, felizmente as mentalidades ficaram mais libertas e cada um casas hoje como quer.
Adorei a foto do casamento e o vestido era bem bonito.
xx
E era assim, infelizmente...
Gostei muito de vos ver na foto, linda noiva!
(Curiosidade: casei num 13 de agosto.)
Bjinho, Elvira. :)
Que linda! O casamento pelo registo, hoje tão vulgar... imagino a confusão na altura:)
Sempre me surpreendo com a bondade(?) das pessoas. Em particular quando em cargos de autoridade. Parece tão diferente do que aconteceria hoje... O Manuel a ter a esposa como porteira mas a pedir para ela continuar a viver no barracão, depois mudaram de casa, seguida de outra mudança... O encarregado disse sempre sim a tudo. Sim, pode fazer horta, sim, pode cuidar da horta, pode ter animais, etc...
Uma pessoa tem ideia de que existia mais Tirania e Exploração mas o que existia era pobreza. Pobreza de dinheiro, não pobreza espiritual. Nesse sentido acho que as pessoas ali eram milionárias :)
(ps: saudade, estou a por a leitura em dia)
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