foto do presépio da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro
Quando eu era menina (e já lá vão tantos anos) o Natal era uma festa. Naquela época, primeira metade da década de 50 ninguém falava no Pai Natal. Pelo menos onde eu vivia, na Azinheira Velha. Meus pais, e meus avós ,diziam que era o Menino Jesus, quem na noite de Natal, vinha recompensar os meninos bons e trazer presentes.
Nós vivíamos num barracão de madeira, que em tempos fora habitado por quatro casais e respectivos filhos, mas no qual ficaram apenas os meus pais, quando os outros casais se foram. O barracão, tinha um salão com 11 metros de comprimento, ao fundo do qual tinha um fogão, constituído por duas fileiras de tijolos, com uma grelha em cima, e um forno de tijolo onde minha mãe cozia o pão. Pelo Natal, todos os anos, vinham meus avós maternos, que viviam numa aldeia da Beira Alta, e se juntavam lá em casa com alguns dos filhos, – meus tios, e suas famílias. Era a única época do ano, em que víamos os avós, e era sempre uma alegria, além do mais, porque eles sempre traziam, queijo, presunto, e outros miminhos, que em casa nunca havia.
Não havia rádio, nem TV, nem sequer tínhamos luz eléctrica. Mas havia em casa, três candeeiros a petróleo, que na noite de Natal, ficavam acesos até depois da meia-noite. Muito antes do Natal, meu pai, colhia no pinhal perto da nossa casa, algumas pinhas, que secava abria e debulhava. Partiam-se alguns pinhões para comermos e os outros eram para jogarmos. Ele mesmo fazia uma piorra,ª de quatro lados, com o Rapa Tira Põe e Deixa. Cada um tinha um montinho de pinhões que ia aumentando ou diminuindo, ao sabor da sorte. Ou então jogávamos ao "Pinhas alhas", que era assim. Cada um tinha 50 pinhões para começar o jogo. Pegávamos uns quantos na mão fechada, e dizíamos para os parceiros do jogo, "pinhas-alhas" e o outros respondiam "abre a mão e dá-lhas". "Sobre quantas?" E saía um número de cada um dos jogadores. Se fosse a quantidade que tínhamos na mão, tínhamos que dar os nossos pinhões, ao jogador que acertara. Mas recebíamos de todos os que errassem igual número. E era o nosso entretém.
Pelas 10 horas, meu pai dizia que tínhamos de ir para a cama e mandava-nos pôr os tamancos, junto ao fogão para o Menino Jesus deixar os presentes. E nós lá deixávamos os tamanquitos e íamos para a cama na esperança de que nesse ano, o menino Jesus deixasse uns brinquedos, iguais ou parecidos, aos lindos brinquedos, que tinham os filhos do capitão, que geria a Seca do Bacalhau, onde os meus pais trabalhavam e nós vivíamos. Mas no dia seguinte, era a mesma coisa, ano após ano. Uma tremenda decepção, pois lá só havia, meia dúzia de rebuçados e dois ou três figos secos.
Lembro-me que um ano, andava eu pelos seis anos, decidi esperar acordada a chegada do Menino Jesus, para lhe perguntar porque é que deixava lindos brinquedos aos filhos do capitão, que eram meninos ricos, a quem não faltava nada, e a nós que éramos tão pobres, que nada tínhamos, só deixava rebuçados. Consegui manter-me acordada e quando ouvi barulho, levantei-me e apanhei a minha mãe a pôr os rebuçados nos tamancos. Fiquei muito revoltada, pensei que o Menino Jesus, não queria saber de nós, e chorei tanto, que a minha avó para me acalmar, me explicou que o Menino Jesus não vinha dar prendas a ninguém, que era uma tradição dizerem isso, porque fazia anos que Ele nascera, mas que na verdade as prendas eram dadas pelos pais, e os meus não tinham dinheiro que desse para outra coisa que não os rebuçados. Foi um choque e um alívio ao mesmo tempo.
Esta é a história verdadeira do meu Natal de 53. Já aqui a contei em 2011. Porém nessa data a maioria de vós não frequentava o blogue.
ª) pequeno pião, que em vez de ser redondo, era quadrado, em cujas faces se desenhavam as letras. Tinha a ponta em cima, ligeiramente maior, para que o fizéssemos girar com um toque de dedos.
A todos os que durante este ano me acompanharam, eu desejo um Santo Natal. Muita saúde e muito amor à vossa volta
31 comentários:
Eram tempo difíceis, mas hoje em dia o Natal transformou-se numa época de consumismo.
Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt
E continua quase igual, Elvira.
O Menino Jesus e o Pai Natal, continuam a ser selectivos nas chaminés por onde entram...
Ótima semana!!!!!!!!!! Beijos
Como era difícil aqueles tempos e em que o Natal tinha outro brilho apesar da pobreza.
Desejo também à minha amiga e sua família um Santo Natal.
Natal é algo que marca a vida de todas as crianças, ou pelos presentes e a magia, ou pela falta deles.
bjokas =)
O dia de Natal, penso que seja é igual a qualquer outro?
outrora, o Menino Jesus, aos meninos filhos dos ricos dava presentes
hoje, chamado de Pai Natal,para os meninos pobres filhos dos homens do povo nem tão pouco sorria,para no meio das barbas brancas, não lhe verem os dentes!
Hoje, desejo-lhe uma boa tarde, amiga Elvira. Para lhe desejar um bom Natal, voltei aqui noutro dia, um abraço.
Eduardo.
Corrijo: Aquele é está a mais! Não deve ser lido!
Uma bela narrativa sobre a realidade do Natal nos seus tempos de menina, a contrastar com os brilhos e o montão de presentes de hoje em dia, embora também hoje não exista verdadeiro Natal para tantas crianças. Muito interessante esses jogos com os pinhões.
xx
Bonita história de um presépio muito bonito também!
Boas Festas desde já!
Votos de Feliz Natal
AG
Tempos mais felizes para todas as crianças! Sem telemóveis, as mensagens eram escritas na areia, numa folha de papel eram pedidas as prendas, com alegria iam ao musgo aos pinhais para o presépio, sem guarda-costas! O pinheiro, era a sério, porque o fogo não os queimava! Belos tempos.
O meu abraço
Um relato emocionante de uma época difícil, principalmente para quem era pobre e embora hoje haja pobreza também, não é comparável à dessa época.
Desejo que o seu Natal actual, seja abençoado com saúde e iluminado de amor.
Boas Festas!
Um beijinho
Fê
Ai a perda de inocência...
Por isso acho que devemos contar a verdade desde cedo. Nada de inventar que os presentes são dados pelo pai natal ou o Menino Jesus para o trauma depois não ser tão grande.
Nessa epoca o natal era mais pobre mas sem duvida com mais calor humano.
Abraço Elvira!
Eu, que já cá ando há anos, reli mais esta narrativa que me fez recuar no tempo, quando tudo era mais difícil.
Abraço do Zé
Olá Elvira,
Os Natais da minha infância também deixaram lembranças, ora boas, oras nem tanto. Meus pais tinham cinco filhos, em escadinha, para sustentar, e faziam o possível para nos dar o necessário. Há uns dias atrás, meu irmão estava recordando de um Natal que eu sequer me lembrava. Devo ter apagado da memória. Disse ele que minha mãe havia nos dado de Natal uns gibis (revistinhas em quadrinhos) e que, chorando, esta explicando que não havia dinheiro pra comprar os presentes que queríamos. Claro que também houve época de presentes melhores. Também deixávamos os sapatos atrás da porta para o Papai Noel deixar os presentes. Hoje, embora haja fartura para muitos, também há miséria por todos os lados. As diferenças são discrepantes. Enfim, para tudo há um sentido na vida. Acredito nisso.
Amiga, foi um prazer interagir com você e espero que no próximo ano possamos continuar caminhando juntas pelas estradas da blogosfera.
Feliz Natal e um maravilhoso 2O16.
Muita paz para todos nós.
Até breve!
Beijo.
Boas festas. Feliz Natal.
Ainda hoje acredito que o Menino Jesus vem todas as noites presentear-nos com muito amor
Essa história de misturar consumismo com natal, na minha opinião, afasta as pessoas do verdadeiro sentido da comemoração. Pregar mentiras às nossas crianças não é bom.
Um santo natal, amiga.
O despertar da inocência para a realidade numa época de grandes dificuldades.
Gostei muito de ler.
Oi Elvira!
Que história bonita, e triste também.
Mas nem um pouco prejudicial, pois vejo que todos que passaram
esta decepção, não deixaram de ter fé, muito menos de lutar pelos ideais.
Muito diferentes daqueles que sempre conseguiram tudo de mãos beijadas.
Eu também passei por isto.
Coloquei meu sapatinho furado na janela...
E o que encontrei?
O furado mesmo...rsss
Mas tudo foi melhorando com muita luta e fé!
Te desejo também, e a todos os teus, um feliz e abençoado Natal!
Beijos,
Mariangela
Além do mais que não é diferente de tudo o que já disseram os comentadores que me precederam, eu quero fazer uma pergunta. Esta Azinheira Velha é na freguesia de Santo André do Barreiro? E a Seca do Bacalhau é a de Palhais que fica mesmo ao lado da Escola de Fuzileiros?
Em caso afirmativo, nós fomos vizinhos durante algum tempo!!!
Que lindo!
Até a descrever as suas histórias tem uma forma de o fazer que é envolvente.
Achei realmente muito bonito.
Tradições e costumes que se transformam no tempo, resgatados que podem ser somente pela memória dos que as viveram.
Ao descrever esses jogos do pinhão, fez-me querer assistir a um vídeo. Sugiro que tente fazer um, onde reproduza esses costumes. O vídeo ensina muito rapidamente, é partilhado e corre o mundo! Quem sabe, uma nova porta de entrada para algo maravilhoso?
Feliz Natal Elvira.
Com saúde e paz.
(ah, dinheirinho e bons presentes na meia também!)
Para mim
era mais ou menos assim
Lindo dia!!!!!!!!!!!!! Beijos
Abençoado Natal pra vc e sua família!!!!!!
E apesar de todas as limitações de outros tempos... eram tempos, muito especiais, certamente!!!
Adorei o seu post, Elvira!!! E acho que as crianças de agora, apesar de terem tanta fartura, não serão mais felizes, por isso... pois às vezes os muitos presentes que recebem, são para colmatar a falta de atenção e disponibilidade, para com elas, por parte dos pais... outros tempos estes... em que o excesso de brinquedos e coisas... nem sempre compensará a carência de afectos...
Beijinhos
Ana
Gostei muito de ler este seu conto. Verdadeiro. É disso que gosto nos blogs, que as pessoas escrevam de forma genuína. A Elvira está a ser (para mim que não conheci o seu blog) uma muito agradável surpresa.
Gosto mais de Menino Jesus do que de Pai Natal. O Natal é Menino Jesus, penso eu. Tivesse eu filhos e educaria dessa forma. Dizer Menino Jesus.
Hoje deixo-lhe um beijinho :)
Tempos muito difíceis, minha querida. Mas gostei do teu relato desassombrado e realista. Nesse ano eu tinha 5 anos e lembro-me bem das dificuldades que muitas pessoas passavam. Face ao teu relato, quase sinto pudor por ter tido, por essa altura, uns natais mais ou menos felizes que passava em casa dos meus avós em Algés, num rés-do-chão com seis ou sete assoalhadas, e em que deixava o sapatinho na chaminé que, no dia seguinte, tinha uma boneca ou uns brinquedinhos de menina, quando eu queria era uma trotineta como recebia o meu primo-irmão...
Ainda bem que esse tempo negro já vai longe, amiga! E ainda há quem diga que «antigamente é que era bom»!
Oh querida Elvira, a sua dúvida era perfeitamente legítima. Porquê que os meninos ricos haviam de ser mais e melhor recompensados pelo menino Jesus?
O meu filho começa agora a duvidar da existência do Pai Natal. Do outro dia perguntou-me se eu acreditava e, quando lhe perguntei o porquê daquela questão, retorquiu que eu ajudo sempre os outros e nunca tenho prendas debaixo da árvore de Natal. É a lógica a contrapor a inocência.
O importante é que haja união na família e bondade nos corações.
Votos de um Feliz Natal, querida Elvira. Sou muito grata pela sua presença no meu Berço ao longo de todo o ano.
Beijinhos
Ruthia d'O Berço do Mundo
Este vício "bloguistico" felizmente dá-nos a oportunidade, de conhecer novas pessoas, pessoas como a Elvira.
Eu vivi até aos 10 aos numa casa de pedra (granito), sem electricidade. A cozinha tinha um janêlo, para deixar entrar a luz solar e deixar sair o fumo. O chão era soalho, mas junto à lareira o chão era de terra, a sala com 1 janela era grande e, talvez por isso, também serviu de meu quarto e dos meus 2 irmãos. Os meus pais tinham quarto próprio. Pode dizer-se que era uma casa com tamanho suficiente para lá se viver.
Da noite de Natal lembro-me que parecia não passar tal era a vontade de correr para a cozinha para ver as prendas no sapatinho no dia 25, de manhãzinha. Acreditava mesmo que era o Menino Jesus quem lá metia as prendas, que eram chocolates e meias. Hoje é o pai natal quem traz toda a variedade e quantidade de prendas, muitas vezes em excesso. As prendas dos meninos ricos do seu tempo eram uma gota de água comparado com os natais actuais!
Beijo e um feliz e santo Natal.
Oi Elvira! Lembro-me que quando menino e estava com a tua idade, meu presente do Papai Noel (aqui no Brasil) era uma moeda de dez tostões, hoje, talvez o equivalente a dez reais. Rsrs.
Abraços,
Furtado.
Gosto sempre de ler narrativas memoriais (há um aspeto ou outro que também vivi).
(Se calhar foi mesmo alívio, assim a "injustiça" não ficava a dever-se a um ser divino)
Bjo, amiga :)
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