As melhores
coisas na vida chegam inesperadamente
— precisamente por não haver expectativas.
— precisamente por não haver expectativas.
Eli Khamarov, “Surviving on Planet Reebok”
— Não me deem nada no
Natal! — a voz do meu marido irrompeu entre os meus pensamentos, sobrelotados
com todos os preparativos natalícios que tinha planeado completar nas próximas
semanas. Olhei para ele e acenei que sim.
— Dizes isso todos os anos.
— Este ano é mesmo a sério. Não haverá nada para ti debaixo da árvore ou na tua meia, pelo menos da minha parte. Portanto, também não me venhas com presentes. Usa o dinheiro que sobrar para dar mais coisas aos miúdos — repetia ele.
Nem me preocupei em ripostar. Todos os anos passávamos por isto. A maior parte das vezes eu ouvia e arranjava-lhe umas pequenas lembranças para que as crianças pudessem desfrutar do momento em que ele tirava o que estava dentro da sua meia. Todos os anos ele tinha debaixo da árvore um presente para mim e a minha meia tinha dentro imensas surpresas, por vezes até surpresas caras. Todos os anos eu desejava não ter ouvido as suas instruções. Mas este ano não.
— Dizes isso todos os anos.
— Este ano é mesmo a sério. Não haverá nada para ti debaixo da árvore ou na tua meia, pelo menos da minha parte. Portanto, também não me venhas com presentes. Usa o dinheiro que sobrar para dar mais coisas aos miúdos — repetia ele.
Nem me preocupei em ripostar. Todos os anos passávamos por isto. A maior parte das vezes eu ouvia e arranjava-lhe umas pequenas lembranças para que as crianças pudessem desfrutar do momento em que ele tirava o que estava dentro da sua meia. Todos os anos ele tinha debaixo da árvore um presente para mim e a minha meia tinha dentro imensas surpresas, por vezes até surpresas caras. Todos os anos eu desejava não ter ouvido as suas instruções. Mas este ano não.
Os dias passaram num
turbilhão de atividades que incluíam cozinhar, fazer compras, decorações, e
enviar postais e cartas de Natal. O meu marido repetia a sua mensagem
frequentemente. De cada vez, eu olhava bem fundo dentro dos seus olhos, em
busca daquele brilhozinho malandro que eu tinha a certeza que estava lá, no
entanto ele parecia-me mais sério do que no passado.
Por fim, os presentes estavam todos embrulhados e debaixo da árvore, as coisas para pôr nas meias bem escondidas de olhos curiosos, e as atividades infantis próprias do Natal todas prontas. A véspera de Natal tinha chegado. Meti as crianças na cama. O sono chegaria atrasado por causa de toda a sua excitação, portanto enrosquei-me no sofá e preparei-me para uma longa espera.
— Sabes que não vais ter prenda debaixo da árvore, não sabes? — perguntou o meu marido.
— Sim! Já verifiquei.
— Também não vais ter nada na meia. Portanto não fiques desapontada. Eu avisei-te. Tu ouviste e também não compraste nada para mim, certo? — disse ele.
Olhei para ele e sorri. Ia esperar para ver. Talvez este ano ele tivesse escutado as suas próprias regras e eu estivesse com uma pequena vantagem. Depois tentei expulsar aqueles pensamentos da minha cabeça. Desde quando é que dar presentes se tinha tornado uma competição? Isso não deveria ter nada a ver com o espírito de Natal. Senti-me como se tivesse acabado de deitar a cabeça na almofada quando ouvi as vozes das crianças tentando penetrar no meu cérebro tonto pelo sono.
— Levanta–te. É Natal! Levanta-te!
Eles puxaram-nos pelos braços, obrigando-nos a apressar-nos. Precisavam de ver o que o Pai Natal tinha posto nas suas meias. Enfiei o meu roupão e segui-os até à sala de estar, onde os observei ansiosamente a esvaziar as meias de todos os seus tesouros. Adorei ver as suas caras sorridentes. Depois virei-me para ver o Brian esvaziando a sua meia. Ele inclinou-se e sussurrou para os meus ouvidos apenas:
— Não era suposto eu receber coisa nenhuma.
Retirei alguns bombons de chocolate e uma laranja da minha meia. Ele estava a falar a sério. Não havia qualquer presente debaixo da árvore e nada na minha meia. Tentei esconder o meu desapontamento.
Mais tarde, nessa mesma manhã, dirigimo-nos através de alguns quarteirões até à casa dos meus pais, para celebrar com o resto da família. Quando entrámos na casa, o aroma fragrante do peru assado e das tartes penetrou nas nossas narinas.
O almoço de Natal apresentava sempre uma abundante oferta de comida deliciosa. Rapidamente me juntei aos outros para ajudar a pôr a comida na mesa, enquanto as crianças foram a correr brincar com os primos.
Por fim, os presentes estavam todos embrulhados e debaixo da árvore, as coisas para pôr nas meias bem escondidas de olhos curiosos, e as atividades infantis próprias do Natal todas prontas. A véspera de Natal tinha chegado. Meti as crianças na cama. O sono chegaria atrasado por causa de toda a sua excitação, portanto enrosquei-me no sofá e preparei-me para uma longa espera.
— Sabes que não vais ter prenda debaixo da árvore, não sabes? — perguntou o meu marido.
— Sim! Já verifiquei.
— Também não vais ter nada na meia. Portanto não fiques desapontada. Eu avisei-te. Tu ouviste e também não compraste nada para mim, certo? — disse ele.
Olhei para ele e sorri. Ia esperar para ver. Talvez este ano ele tivesse escutado as suas próprias regras e eu estivesse com uma pequena vantagem. Depois tentei expulsar aqueles pensamentos da minha cabeça. Desde quando é que dar presentes se tinha tornado uma competição? Isso não deveria ter nada a ver com o espírito de Natal. Senti-me como se tivesse acabado de deitar a cabeça na almofada quando ouvi as vozes das crianças tentando penetrar no meu cérebro tonto pelo sono.
— Levanta–te. É Natal! Levanta-te!
Eles puxaram-nos pelos braços, obrigando-nos a apressar-nos. Precisavam de ver o que o Pai Natal tinha posto nas suas meias. Enfiei o meu roupão e segui-os até à sala de estar, onde os observei ansiosamente a esvaziar as meias de todos os seus tesouros. Adorei ver as suas caras sorridentes. Depois virei-me para ver o Brian esvaziando a sua meia. Ele inclinou-se e sussurrou para os meus ouvidos apenas:
— Não era suposto eu receber coisa nenhuma.
Retirei alguns bombons de chocolate e uma laranja da minha meia. Ele estava a falar a sério. Não havia qualquer presente debaixo da árvore e nada na minha meia. Tentei esconder o meu desapontamento.
Mais tarde, nessa mesma manhã, dirigimo-nos através de alguns quarteirões até à casa dos meus pais, para celebrar com o resto da família. Quando entrámos na casa, o aroma fragrante do peru assado e das tartes penetrou nas nossas narinas.
O almoço de Natal apresentava sempre uma abundante oferta de comida deliciosa. Rapidamente me juntei aos outros para ajudar a pôr a comida na mesa, enquanto as crianças foram a correr brincar com os primos.
A seguir à refeição, as
crianças reclamaram a troca de presentes mas, primeiro, todas nós, mulheres,
tomámos a cargo a mundana tarefa de arrumar a cozinha, enquanto os homens saíam
para espreitar os camiões e os armazéns. Com um apurado e certeiro sentido da
hora, eles regressaram exatamente quando estávamos a acabar o último prato e eu
esperava ansiosa por uma tarde relaxante recebendo visitas. Brian olhou para
mim e disse:
— Antes de abrirmos os presentes, porque é que não levas algumas destas sobras para o nosso frigorífico e trazes para aqui alguns jogos para mais tarde?
— Parece-me bem, mas porque não vais tu? — respondi.
— Não, eu fico aqui. Vai tu. Não demores a voltar — contrapôs ele.
Olhei em volta mas ninguém me apoiou. A frustração começou a tomar conta de mim quando lhe pedi de novo para fazer aquele recado e ele voltou a recusar. Não consegui arranjar um argumento mais forte, portanto, em vez de criar uma cena desagradável, agarrei no meu casaco e enfiei lá dentro os braços. Calcei as botas, peguei em algumas caixas com sobras de casa da minha mãe e dirigi-me à porta, refreando a custo a vontade de bater com ela ao sair. Resmunguei e rosnei comigo mesma durante todo o percurso até casa, e quando cheguei à minha cozinha a frustração tinha-se já transformado em raiva pura.
— Antes de abrirmos os presentes, porque é que não levas algumas destas sobras para o nosso frigorífico e trazes para aqui alguns jogos para mais tarde?
— Parece-me bem, mas porque não vais tu? — respondi.
— Não, eu fico aqui. Vai tu. Não demores a voltar — contrapôs ele.
Olhei em volta mas ninguém me apoiou. A frustração começou a tomar conta de mim quando lhe pedi de novo para fazer aquele recado e ele voltou a recusar. Não consegui arranjar um argumento mais forte, portanto, em vez de criar uma cena desagradável, agarrei no meu casaco e enfiei lá dentro os braços. Calcei as botas, peguei em algumas caixas com sobras de casa da minha mãe e dirigi-me à porta, refreando a custo a vontade de bater com ela ao sair. Resmunguei e rosnei comigo mesma durante todo o percurso até casa, e quando cheguei à minha cozinha a frustração tinha-se já transformado em raiva pura.
Abri com um puxão a
porta do frigorífico, atirei lá para dentro as caixas e bati com a porta ao
fechá-la. Virei-me, quase colidindo com uma enorme máquina de lavar louça que
estava no meio da cozinha.
— Uma máquina de lavar louça? Eu não tenho uma máquina de lavar louça! — gritei para o compartimento vazio. A minha raiva desvaneceu-se gradualmente à medida que as lágrimas começaram a correr-me cara abaixo. Estendi as mãos para aquele aparelho novinho em folha. A minha prenda não cabia debaixo da árvore ou na minha meia. Tinham-me mandado ir a casa precisamente para a encontrar. Ir verificar o armazém tinha sido uma desculpa para entrar sorrateiramente com a máquina da louça. Limpei as lágrimas antes de sair de novo para o frio. A minha raiva dissipara-se, dando lugar a vergonha pela minha atitude. Caminhei devagar até à casa da minha família e encarei-os timidamente. Os seus rostos estavam emoldurados por sorrisos, enquanto esperavam ansiosamente a minha reação.
Dirigi os comentários ao meu marido:
— Não cumpriste a tua palavra. Deste-me um presente!
— Que presente? — disse ele, enquanto tentava manter uma cara séria. O brilho nos seus olhos traía a batalha perdida que tinha travado.
— A máquina de lavar louça na nossa cozinha! — respondi.
Risos encheram a sala e toda a gente se pôs a falar ao mesmo tempo.
— Uma máquina de lavar louça? Eu não tenho uma máquina de lavar louça! — gritei para o compartimento vazio. A minha raiva desvaneceu-se gradualmente à medida que as lágrimas começaram a correr-me cara abaixo. Estendi as mãos para aquele aparelho novinho em folha. A minha prenda não cabia debaixo da árvore ou na minha meia. Tinham-me mandado ir a casa precisamente para a encontrar. Ir verificar o armazém tinha sido uma desculpa para entrar sorrateiramente com a máquina da louça. Limpei as lágrimas antes de sair de novo para o frio. A minha raiva dissipara-se, dando lugar a vergonha pela minha atitude. Caminhei devagar até à casa da minha família e encarei-os timidamente. Os seus rostos estavam emoldurados por sorrisos, enquanto esperavam ansiosamente a minha reação.
Dirigi os comentários ao meu marido:
— Não cumpriste a tua palavra. Deste-me um presente!
— Que presente? — disse ele, enquanto tentava manter uma cara séria. O brilho nos seus olhos traía a batalha perdida que tinha travado.
— A máquina de lavar louça na nossa cozinha! — respondi.
Risos encheram a sala e toda a gente se pôs a falar ao mesmo tempo.
O riso levou-me os
últimos vestígios de frustração, raiva e vergonha. Naquele Natal aprendi uma ou
duas lições. Primeiro, as coisas nem sempre são o que parecem. Segundo, a
frustração e a raiva não deveriam levar a melhor na minha vida em altura
alguma, especialmente no Natal.
Carol Harrison
11 comentários:
Linda e bem humorada história de Natal! Que estejas melhorando dia a dia! beijos, chica
Que história tão real e verdadeira que me comoveu e Natal é isso mesmo. Grande lição.
Beijos e Boas Festas com o desejo de que estejas melhor
Bonito conto, gostei imenso.
Se cá não voltar, Elvira, ... tenha um Bom Natal na companhia dos seus queridos!
Mais um bonito conto de Natal, Elvira.
Como vai o seu incomodativo nevoeiro? Já dispersou de todo?
Abraço e um Natal feliz e com muita saúde.
Minha estimada amiga Elvira Carvalho. Após já meses de minha literal ausência aqui do blogger, estive a fazer uma rápida visita ao que aqui tem partilhado ultimamente, mas até por tudo isso que tem partilhado e que eu entretanto perdi, não vou de momento ler atentamente sequer muito e menos ainda tudo o inerente. Mas começando e terminando logo pela transcrição desta bela história de Natal, que não sendo de originária autoria da própria, estimada, Elvira, no entanto ao partilha-la faz da mesma sua na devida quota parte em que achou oportuno partilha-la, desde logo de entre uma infinidade doutras possíveis. O que em qualquer caso revela o apurado sentido literário da estimada Elvira, designadamente quando mesmo sendo a história em causa pequena e simples, nem por isso deixa de conter muito substantivo conteúdo e oportuno significado, que inclusive no que a mim me toca, senão directa, pelo menos indirectamente, mas em qualquer caso de forma muito consequente o conteúdo e respectivo significado da história, confesso que no devido e sequencial momento me fez correr lágrimas a mim mesmo, além de à própria protagonista.
Obrigado, minha estimada amiga.
Feliz natal e excelente Novo Ano de 2019
VB
"O Natal começou no coração de Deus. Só está completo quando alcançar o coração do homem."
Boas Festas Natalinas, querida amiga Elvira!
Decerto o desapontamento toma conta do nosso ser e eu, aqui em seu post, aprendi muito. Obrigada
Tenha dias natalinos felizes e abençoados junto aos seus amados!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
⚘🌷🌺🌹🎁
Oi Elvira
Adorei sua criatividade
Comigo essa situação nunca existiu; pois tive dois maridos, o primeiro bateu as botas tinha 36 anos.
Nunca dei e nem quis receber presentes no Natal, nas no ano Novo queria e quero tudo que possível for.kkk
Boas Festas a você e todos daí
Beijos
Lua Singular
Bonita historia
Não devemos logo julgar as pessoas
Bjs
Kique
Hoje em Caminhos Percorridos - Sexo antes do Natal!!!...
Boa noite Elvira,
Uma história muito interessante.
Adorei lê-la.
Beijinhos e bom domingo.
Ailime
Aprendemos com a vida a relativizar as frustrações e a raiva.
A pesar de achar que quem vá espreitar o meu blogue vai encontrar essas frustrações expressas com frequência, gostava que entendessem que é ali o lugar onde as largo. É o "grito". No dia-a-dia não deixo - tento que estas não mudem o meu comportamento nem me causem problemas.
FELICIDADES
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