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29.5.20

ISABEL - PARTE XIII

Queria esticar as pernas, tomar um café.
Entrou no edifício e dirigiu-se à caixa para o pré pagamento do café. Havia uma fila de quatro pessoas e Isabel entrou nela. Na sua frente um homem alto de ombros largos e porte atlético. Bem moreno, a julgar pela cor dos braços meio descobertos pela manga curta da camisa. Ocorreu-lhe um pensamento estranho. Como seria sentir-se presa nuns braços assim? Passou a mão pela testa, desorientada com os seus próprios pensamentos.
O homem pagou e afastou-se. Isabel tomou o seu lugar, pagou o café e aguardou que o outro empregado lho trouxesse, ali mesmo ao lado da caixa. Então pegou na chávena e dirigiu-se à ponta do balcão para o beber. Não lhe apetecia ir para uma mesa, estava farta de estar sentada.
De súbito sentiu uma estranha sensação. Era como se atrás dela, alguém lhe pedisse mentalmente para se voltar. Agitou-se. Levou de novo a chávena aos lábios, tentando esquecer aquela sensação, mas em vão, ela continuava lá, queimando-lhe  a nuca.
Pousou a chávena vazia sobre o balcão e muito lentamente voltou-se. Sentado numa mesa, bem na sua frente, olhando-a fixamente estava o homem que estivera na fila da caixa minutos antes.
Mas o que fez Isabel tremer da cabeça aos pés, foi reconhecer os profundos olhos cinzentos, que a atormentaram durante toda a noite.
A lembrança dessa noite, fez com que se ruborizasse e fugisse dali correndo, como se o diabo a perseguisse.
“Sê inteligente Isabel. Como podia o homem saber que sonhaste com ele? Ou aquilo que estavas a pensar atrás dele? Portaste-te como uma adolescente” murmurou finalmente mais calma, enquanto atravessava a ponte 25 de Abril em direcção ao seu apartamento.
Sempre que Isabel entrava em casa, após alguns dias de ausência, sentia uma sensação de bem-estar e felicidade. Sentia-se protegida. Como se ali no seu pequeno mundo, nada nem ninguém a pudesse molestar. Desta vez porém, a casa pareceu-lhe fria e pouco acolhedora. Abriu as janelas e afastou os cortinados deixando que o sol penetrasse na sala. Como se ao iluminar o aposento afugentasse os fantasmas do passado e aquietasse o coração.
Pegou no telefone.
- Amélia? Já cheguei.
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- Sim, a viagem foi boa. Está confirmado o jantar?
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- Às oito? Está bem. Vens por aqui?
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-Claro. Então vamos juntas.
Desligou.
Passou o resto do dia arrumando as coisas. De vez em quando,  surpreendia-se a pensar no que acontecera na viagem. Desde  que na véspera, esbarrara com aquele desconhecido na praia, e ele a segurou nos braços, que sentia um estranho desassossego.
Não percebia o que se passava consigo, e isso assustava-a.  Afinal tinham passado quase vinte anos desde a morte do marido, e durante esse tempo ela cruzara-se com muitos homens, até porque a sua profissão o proporcionava,  e nenhum lhe tinha nunca provocado tal desassossego. 
 Que estranho feitiço tinham aqueles olhos cinzentos, que pareciam invadir cada recanto do seu corpo, mergulhando até ao mais profundo do seu ser? Estava ansiosa por voltar ao trabalho. Lembrou-se do ditado . "Mente desocupada, oficina do diabo" O que ela estava a precisar, para se livrar de pensamentos indesejáveis, era ocupar a mente.
Arrumou a mala, que entretanto esvaziara, tomou um duche rápido e começou a arranjar-se para o jantar com os amigos.
Pouco passava das sete e meia quando a campainha da porta tocou. Isabel deu um último retoque nos lábios, pegou na mala e saiu. Em frente à porta estava estacionado um carro cinza e junto dele um casal aguardava.





Uma explicação:
O comentário 47.000 pertenceu à poetisa Maria João Brito de Sousa.
Se não conhecem, cliquem ali no nome e vão ver que não se arrependem. 
Uma explicação aos novos leitores para o facto de eu falar no virar do milhar, nos comentários. Sempre que passa um milhar o leitor que o fez, recebe da minha parte um miminho que é constituído por uma das minhas histórias. É a maneira com que tento agradecer a simpatia e o tempo que me dispensam. E já foram distribuídas 47 histórias.

10.4.19

UM HOMEM DIVIDIDO - PARTE XXI





Estacionou o automóvel junto à porta e saiu. Percorreu com o olhar o vasto jardim, e franziu a testa, pensando se a jovem já se teria ido embora, porém logo deparou com o carro cinza estacionado junto à porta da garagem e um sorriso distendeu os seus bem desenhados lábios. Subiu os três degraus até ao alpendre e abriu a porta. Ouviu vozes na cozinha e encaminhou-se para lá. Paula e a governanta conversavam animadamente sentadas à mesa, com uma chávena de chá e um pires de biscoitos na frente.
- Bom dia, – saudou.
- Bom dia, senhor. Não o ouvimos chegar, - disse a empregada levantando-se  apressada.
Paula também se levantou. Vestia um fato de calças e casaco de seda azul, com decote em bico, e calçava sandálias de salto. Elegante e muito feminina.
- O que achas do jardim? -perguntou o recém chegado.
- Muito bonito mas não serve para o evento.
- Não? – Admirou-se ele
- Se vieres comigo explico-te.
Saíram e caminharam até ao lago circundado de bonitas flores.
- Bom, supõe que ponho o altar entre aquelas duas árvores, lá ao fundo junto ao muro. Teríamos que por duas filas de cadeiras para os convidados que segundo a lista que me enviaste é de oitenta pessoas. Duas filas de quarenta cadeiras que poderíamos por naquela parte, ali há poucas flores, podem ser transplantadas para outro local e tapar os estragos com pedaços de relva natural. Até aqui tudo bem, mas onde vou colocar as mesas para a festa? Usando mesas redondas precisaríamos de dez mesas grandes, para os convidados mais duas para apoio. Tinha que destruir todo o jardim.
- Já viste a parte de trás da casa? Tem um espaço bastante grande todo relvado até à piscina, que delimita a área entre o lazer e quinta propriamente dita. Não podíamos fazer a cerimónia aqui e a festa lá?
- Vamos ver.
Caminhando lado a lado contornaram a bonita moradia, um belo edifício de dois pisos.
- É uma bela casa- disse a jovem.
-Gostas? Comprei-a há dois anos. Inicialmente porque era um bom negócio, pensava voltar a vendê-la, mas depois decidi ficar com ela. É um local sossegado, tem bons ares, muito espaço para as crianças, é o ideal para uma família, não achas?
Não respondeu de imediato. Não sabia o que se passava com ela em relação ao empresário. Começara por sentir um sentimento de raiva quando soube o que ele fizera ao pai, exacerbado quando o pai lhe pediu para casar com ele. Entretanto a raiva fora sendo substituída primeiro pela curiosidade, depois pela admiração, e mais tarde por uma inquietação, quando falava ou pensava nele. E pensava nele vezes demais para o seu gosto, tanto mais que quase esquecera, Adolfo, o médico com quem mantivera uma relação de quatro anos e cuja traição a levara a querer distância de todos os homens.
De súbito, António agarrou-lhe no braço e parou, obrigando-a a fazer o mesmo.
- Que aconteceu? – Perguntou abrindo os olhos de espanto sem saber se era por ele ter interrompido os seus pensamentos, se pelo choque elétrico que percorria o seu corpo, com a sensação que a mão dele provocara no seu corpo.
- Diz-me tu, - respondeu. -Porque de repente fiquei com a sensação que te ausentaste e me deixaste a falar sozinho.

28.10.18

ENTRE O AMOR E A CARREIRA - PARTE XLII





Antes de ir para casa, passou pelo hospital. O quadro clínico de Tiago evoluía favoravelmente, embora continuasse inconsciente. Continuava na UTI por precaução até fazer as vinte e quatro horas e só depois se não houvesse agravamento passaria para um quarto.
- E visitas?- Perguntou
-Enquanto estiver na UTI, uma pessoa, apenas um minuto às três horas.
-Obrigado.
Voltou para casa.
Quando chegou, já encontrou Clara impecavelmente vestida na cozinha. Tinha uma chávena de chá na mão, e falava com Antónia.
- Bom dia. Devias ter descansado um pouco mais.
- Tenho que ir ao hospital.
- Deixei as crianças na escola e fui lá. Disseram-me que o estado do Tiago está a evoluir muito bem. Depois de comeres podes descansar mais um pouco, porque só poderás vê-lo às três horas e como ontem. Apenas um minuto.
Propositadamente ou não, Antónia saiu dizendo que ia colher uns legumes para o almoço.
- Queres uma chávena de chá? Ou café, - perguntou a jovem.
- Faço-te companhia com o chá, - disse ele tirando uma chávena do armário, e sentando-se.
- Obrigado, por todo o apoio que me deste – disse ela enquanto pegava no bule e despejava o chá na caneca dele. – Foste um amor não só no hospital, como aqui. Não tinha o direito de te ter pedido para ficares comigo, mas estava com medo. Fechava os olhos e via o meu irmão, lívido como um cadáver, ligado, aquelas máquinas.
- Não fiques preocupada, eu entendi perfeitamente. Acredites ou não, eu gosto muito do teu irmão. Agora sobe e vai dormir um pouco.
- Não seria capaz. Prefiro ficar por aqui, Vou fazer um bolo, preciso de me manter ocupada. Descansaste menos do que eu, porque não vais tu dormir um pouco até ao almoço. Eu vou buscar as crianças. E depois leva-mo-las à escola, e vamos ao hospital. Vais comigo, não vais?
-Claro, querida, não te deixarei sozinha até que o Tiago esteja em casa, são e salvo.
Ela levantou a mão para lhe acariciar a face. Ele segurou-a e depositou-lhe um beijo na palma, fazendo com que ela estremecesse ao mesmo tempo que o seu rosto se tornava escarlate.
- Há muito tempo que não via uma mulher enrubescida- disse sorrindo. – És maravilhosa. Bom,- acrescentou levantando-se. Vou fazer a barba. Sabes o que me disse a Soraia, quando me despedi à porta da escola? “Hoje picas, pai”- disse imitando a voz da filha.
Clara não pode evitar rir-se e ele saiu feliz por ter conseguido desanuviar o rosto feminino.
Subiu ao quarto e escanhoou o rosto. De seguida passou o after shave. Mirou-se e não se achou mal. Enquanto se olhava pensou como o amor mudava tudo. Vinte e quatro horas antes andava irritado, sem vontade de fazer nada, questionando todas as suas atitudes até ao momento. Depois daquela noite, em que descobriu que afinal o sentimento que tinha por Clara, era muito mais que desejo, a vida parecia-lhe mais colorida apesar do momento doloroso porque passavam. Agora ele acreditava num futuro feliz. Amava a mulher e sabia que ela lhe retribuía, ela mesma lho confessara. Agora o que tinha a fazer era esperar que aquela tempestade passasse e então poderiam entender-se, amar-se, e até quem sabe aumentar a família.
Ah! Se isso acontecesse, ele ia ser o homem mais feliz do mundo. Porque ia poder viver com essa criança o que não vivera com Bernardo, muito menos com Soraia. O seu nascimento, o primeiro choro, o primeiro sorriso.
“Acorda” - disse dando uma leve palmada na sua própria face. “Não é hora de te pores a sonhar”
Voltou ao quarto, vestiu a camisa e olhou o relógio. Onze e meia. “Está quase na hora de ir buscar os miúdos para o almoço “ – pensou enquanto fechava a porta e se dirigia para o piso inferior.


Gente, desde quarta-feira que ando numa roda viva, com visitas de estudo, jornadas do património cultural, hoje acabei de chegar da festa da UTIB a nossa Universidade, e amanhã tenho aulas de manhã e uma tertúlia poética à tarde.Terça-feira as coisas acalmam e espero retomar as visitas normais.As minhas desculpas.



5.1.16

AMANHECER TARDIO - PARTE XX



Foto do google

A jovem não se fez rogada:
-Parece que em tempos remotos, havia em Lagos o costume, de sempre que chegava o mês de Maio,as damas da cidade, darem a um cavaleiro, todas as suas jóias de ouro para que as passeasse pela cidade. Um certo dia um cavaleiro menos honesto, e mais amigo do alheio,  fugiu com todo o ouro. Consta que alguns mais desconfiados diziam que estava a ir longe demais, e outros mais crédulos respondiam. “Quanto mais longe mais brilha”. Quando perceberam que tinham sido roubados, ficaram tão envergonhados que nunca mais ousaram falar do mês de Maio. Por isso a seguir a Abril, é o mês que há--de vir.
Hoje já quase ninguém  fala disto, mas a história foi imortalizada em livro. 
- Não conhecia essa história - disse Isabel
- Pudera. Não deve ser coisa de que se orgulhem - comentou Afonso.
Todos riram e Amélia insistiu:
-Agora conta lá isso das conquilhas serem... conde quê?
- Condelipas.
-Isso.
Isabel contou a origem do nome e a conversa mudou de rumo. Até porque a refeição chegara ao fim.
Marta levantou-se.
- Vamos para sala – disse. Tomaremos lá o café, e conversamos mais um pouco
Pouco depois Isabel perguntou pousando a chávena vazia sobre a mesa.
- Quando partem?
- Por mim íamos amanhã mesmo – respondeu Marta. Mas o Paulo ainda vai ter que reunir com o seu sucessor para o pôr ao corrente de tudo. E ainda não sabemos quando chega. Mas esperamos partir na  próxima semana.
-E essa Avis rara, se é como dizem tão aventureiro, decerto é solteiro, - disse Amélia baixando a voz e depois de olhar de soslaio para Afonso, não fosse ele ouvi-la.
- Decerto que sim, - riu Marta. Ou a mãe não estaria tão ansiosa para que o rebento assentasse.
Riram as quatro.
Pouco depois despediam-se. Absorta nos seus pensamentos Isabel estremeceu quando Amélia disse.
- Que se passa? Onde estás que não nos ouves? Isto é muito estranho em ti. Tanto mais que toda a noite te senti meio ausente. Acho que anda mouro na costa. Amanhã, vais ter de me contar tudo.
O carro estacionou à sua porta e Isabel apressou-se a sair.