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21.2.16

MANUEL DA LENHA - PARTE XII




                                                      Foto do google

Nessa altura, quando o tempo ia bom, eles faziam serão de manhã e à noite. 
Às cinco e meia da manhã, o vigia batia na porta das "maltas" e das casas da seca gritando:
- Serão.
O pessoal saltava da cama à pressa, passava uma água fria no rosto, para acordar, vestia-se e engolia à pressa um naco de pão de véspera, empurrado com um copo de vinho, que àquela hora o fogão ainda não foi aceso e por isso não há café.
Já sabiam que mais tarde, volta das oito, o gerente sempre mandava distribuir  o "mata-bicho". Dois ou três, figos secos e um cálice de aguardente.
Começavam a estender o bacalhau na rua às seis, para que a seca estivesse já quase cheia ao nascer do sol. 
Nos dias gélidos de Inverno, manuseando o bacalhau molhado, as mãos enchiam-se de frieiras. Mas ninguém recusava um serão pois sempre eram mais uns escudos no fim de semana.  E à noite depois de recolher o bacalhau, se havia pouco lavado, os trabalhadores faziam serão a lavá-lo e a salgá-lo. Era preciso aproveitar ao máximo o bom tempo, nunca se sabia quando o tempo mudava, e o trabalho parava. 
 O bacalhau não ficava seco num dia, nem pouco mais ou menos, eram necessários vários dias de seca. 
Quando começava a secar, havia meia dúzia de homens, os escolhedores, que andavam de mesa em mesa, separando o bacalhau por categorias. Juntavam em pequenos montes, de pele para cima, o graúdo, separado do crescido, do corrente e do miúdo. Faziam-no sem qualquer balança, sopesando-o apenas nas mãos. O que ainda não estava bem seco ficava na mesma estendido, nas compridas mesas de arame, de pele para baixo. Mais tarde quando se ia apanhar o bacalhau, apanhava-se primeiro o que ainda não estava bem seco, que regressava ao armazém donde tinha saído, e só depois se apanhava o dos montes, que era levado para pilhas diferentes, consoante a sua categoria, e deixado noutro armazém que era só para o bacalhau seco. Neste armazém, havia dois elevadores, monta-cargas, e o bacalhau era levado para o primeiro andar, onde era pesado e amarrado em fardos de 60 kg, e metido em sacos de serapilheira. Era o enfardamento. Uma mulher cozia depois a “boca” do saco e estava pronto para partir. 
Mais tarde, esses fardos, desciam por uma tábua de escorrega, muito semelhante às que se usam nos parques infantis, para uma mesa, onde dois homens, um de cada lado da mesa, lhe pegava pelas "orelhas" e  os colocavam em carros de mão, que as mulheres levavam à "cabeça "da ponte, onde por outro escorrega, desciam para o bojo de um fragata, que depois os levava para os grandes armazéns de Lisboa.
As mulheres seguiam em carreira cada uma com seu fardo,na ida pela direita dos carris, na volta pela esquerda, sempre em fila indiana,  lembrando um carreiro de formigas gigantes.

 Mas naquele ano, por causa da guerra, e dos submarinos alemães, os navios tinham trazido pouco peixe e o tempo sem trabalharem devido ao mau tempo, fez com que ao acabar a safra, quase não tivessem dinheiro para o comboio de regresso. E o nosso Manuel lá foi de novo para a terra, trabalhar para o Sr. Américo, aguardando que os meses até Setembro passassem rápidos, pois que a vida da aldeia, já não tinha atractivos que o prendessem.

13 comentários:

Portuguesinha disse...

Tem de explicar essas diferenças entre o bacalhau graúdo e o crescido, o corrente e o miúdo :)

Rogério G.V. Pereira disse...

Ainda existe essa aldeia?

Silenciosamente ouvindo... disse...

A vida muito dura de certas profissões onde se sofria para trabalhar
e se ganhava muito pouco para comer, como sempre muito bem explicado
por si.
Um bj.
Irene Alves

Janita disse...

Durante esses períodos de vida dura e penosa, eram as cantigas ao despique, durante o trabalho, a única alegria que essas mulheres tinham.
Lembro-me que ouvia a minha Mãe contar, o que ouvira da mãe dela, ser assim durante o trabalho na ceifa do trigo, no Alentejo.
Cada região tinha a sua particularidade, mas a vida era sempre dura para todos os que viviam do suor do seu trabalho.

Um abraço, Elvira.

Anete disse...

Muito interessante sua narração do bacalhau, detalhes curiosos.
Um trabalho árduo, com certeza.

Uma boa semana... Muita paz e belas inspirações...
Beijinhos

José Lopes disse...

Para além da saga do Manuel a narrativa descreve muito bem a seca do bacalhau de outros tempos.
Cumps

Unknown disse...

Muito interessante a narrativa sobre o bacalhau. Gostei muito.
Beijo*
Renata

Edum@nes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edum@nes disse...

De manhã, não havia café quente,
para muitos nem quente nem frio
mata-bicho para molhar os beiços
para o pobre, não para o rico
um ou dois figos secos
e um copo de aguardente!

Boa noite desejo desejo para você,
amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

Emília Pinto disse...

Quando eramos crianças a vida era muito dura praticamente em todas as profissões. Lembro-me da minha mãe a fazer tantos serões, junto da lareira, ora ticotando meias de lã de ovelha para vender aos lavradores, ora costurando roupa para uma senhora vender nas feiras. Pequenos trocos para ajudar no sustento da casa. Ela criava ovelhas para delas tirar a lã que usava para as tais meias. Ainda arranjava tempo para cultivar o pequeno quintal da casa de onde tirava tudo o que era necessário para a nossa alimentação. Muito devemos aos nossos pais, não Elvira? Por isso eu larguei tudo e voei até ao Brasil aquando da doença da minha mãe; é o minimo que posso fazer por eles. Amiga, obrigada por partilhares connosco uma importante parte da vida dos teus pais e consequentemente da tua;levas-nos a reflecti sobre o quanto devemos a quem com tanto sacrificio nos criour . Beijinhos e até sempre
Emilia

Rosemildo Sales Furtado disse...

Neste capítulo primaste pelos detalhes. Muito bom.

Abraços,

Furtado.

Zilani Célia disse...

COMO DAVA TRABALHO, MAS, BACALHAU É TUDO DE BOM.
ABRÇS

http://. zilanicelia.blogspotcom.br/

Lua Singular disse...

Oi Elvira.
Precisar beber para aguentar o frio e o trabalho não era mole não.
Beijos no coração
Lua Singular