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29.8.18

FOLHA EM BRANCO - PARTE XXXIV







Sempre que pensava em pai sentia uma sensação estranha.
No início era uma grande  angústia, uma opressão no peito, uma enorme vontade de chorar. Agora já não era tão intensa, tão opressiva, mas continuava a ser qualquer coisa que a entristecia. O psiquiatra, aventara a hipótese de que podia ser essa a relação causa-efeito da sua amnésia. Mas não passava de uma hipótese, ela não conseguia lembrar-se de nada, a sua cabeça, continuava a ser para o passado uma folha em branco.
Sentiu os passos de Miguel no quarto ao lado. Pensou que talvez fosse sair, mas depois de algum tempo, teve a certeza que nessa noite não o faria.
-Ainda bem, - murmurou ajeitando a almofada e preparando-se para dormir.
No quarto ao lado, Miguel acabara de se deitar. Pegou num livro que repousava na mesa-de-cabeceira e tentou embrenhar-se na leitura. Cedo percebeu que não o conseguia. Poisou-o no mesmo sítio e apagou a luz. Lá fora chovia intensamente.  Percebia-se pelo som nas persianas, que ecoava na casa em silêncio. Mariana decerto já dormia. Lembrou da sua alegria essa tarde, enquanto faziam as compras. Era como uma criança. Uma criança num corpo de mulher. Sim porque ele tinha de reconhecer que a jovem era uma bela mulher. Nem lhe tinha passado despercebido o modo como a olhavam, os homens que por eles passavam.
Tinham passado três meses desde aquele fatídico dia na falésia.
O dia em que ela chegara à sua vida, alterando rotinas, e sentimentos.
A sua vida era tão diferente antes disso.
Não se arrependia. Não. Voltaria a fazer o mesmo. Mas a verdade, é que desde esse dia, vivia uma preocupação constante, Que seria da jovem se nunca mais recuperasse a memória?
“Isso não vai acontecer, não sejas parvo” recriminou-se em seguida. “O médico disse que é temporária. É sempre temporária quando não há lesão ou doença cerebral. E ela não tinha, nenhum mal físico, a RM estava limpa.
Um dia lembra de tudo, e adeus Mariana. Talvez até nem se lembre de todo este tempo, quando recordar o que ficou para trás.
A casa vai ficar vazia sem a sua presença, - pensou
 E embalado pelo som da chuva acabou por adormecer.
Miguel, nunca saberia o que o acordou. Se o enorme trovão que ribombava sobre a sua cabeça, se o grito de terror que lhe chegou do quarto ao lado. Saltou da cama, passou as mãos pelo cabelo e dirigiu-se para lá.
Bateu uma, duas vezes, mas de dentro só lhe chegava o choro aflitivo da jovem.
Rodou a maçaneta, empurrou e a porta abriu-se na sua frente.
O quarto estava às escuras Acendeu a luz e viu a jovem. Estava sentada na cama, os braços abraçando as pernas dobradas, a cabeça escondida nos joelhos, o corpo sacudido pelos soluços. Sentou-se a seu lado, e perguntou acariciando-lhe os cabelos, como quem acalma uma criança.
-O que foi? Tens medo da trovoada?
.-Ó Miguel, eu matei o meu pai! - Murmurou entre soluços abraçando-se ao seu pescoço.

5.12.17

MARIA - PARTE XI

RE-EDIÇÃO



 Medo do futuro


Um silêncio pesado incomodativo instalou-se entre nós. Maria parecia perdida, sabe-se lá em que labirintos do seu passado. E eu não me atrevia a dizer nada. A história que acabava de ouvir, era difícil de escutar, quanto mais de viver. Levantei-me e preparei um café para as duas.
-Obrigada – disse pegando na chávena. Depois continuou. Levei nesta vida quase  dois anos. Entretanto continuava as consultas de psiquiatria, começava a fazer o desmame de alguns medicamentos e tinha perdido peso. Encontrava-me muito melhor, a minha roupa de antigamente já me servia, começava de novo a ganhar gosto pela vida. Um dia telefonei à “Nani” e perguntei-lhe quem tinha as chaves da casa da minha mãe. Era tempo de ir ao encontro do passado. Era uma gaveta, que continuava desarrumada na minha memória e precisava arrumá-la antes de dar novo rumo à minha vida. Ela disse-me que as chaves estavam com o tio Carlos e eu fui buscá-las.
Não sabe como sofri quando entrei lá em casa. Fui sozinha. Percorri cada canto com lágrimas nos olhos e um aperto no coração. Senti pena por “ela” e por mim. Tudo podia ter sido tão diferente. Depois tomei uma resolução. Vendi a casa e comprei um pequeno apartamento para mim. Queria recomeçar a minha vida, num lugar que não me trouxesse lembranças. Comprei poucos móveis, só o indispensável e comprei um computador. Há tempos que não mexia num, que não ia à internet. E era uma companhia. Como tinha algum dinheiro, resolvi procurar um novo emprego, qualquer coisa onde me sentisse mais realizada.
Comecei a passar horas no “PC” em chats de conversação fazendo amizades virtuais. Não sei se sabe mas a Internet é um mundo que nos vicia, tanto ou mais que qualquer droga. Mas é um mundo ilusório. Em breve tinha dezenas de amigos e alguns deles começaram a insistir para nos conhecermos. O desejo de sair da solidão em que me metera, após o último internamento, fez com que fosse  cedendo a vários encontros. Encontrei gente muito boa e verdadeiros trastes. Nada que a vida real não tenha. Mas quando olhamos o nosso interlocutor no olho, é mais difícil enganarem-nos. Encontrei “amigos”que só queriam favores sexuais, outros que só queriam vigarizar-me. Mas também encontrei bons amigos e amigas, dispostos a ajudar sem nada pedir em troca.
Um destes últimos, arranjou-me emprego numa imobiliária, outro conseguiu na oficina de um amigo, um carrinho em segunda mão em óptimo estado.
Agora estou bem. Tenho alguém que jura que me ama e quer casar comigo. O Américo tem quarenta e oito anos, é viúvo e não tem filhos. Parece ser um bom homem, é trabalhador, e não sabe mais o que fazer para me agradar, mas apesar de gostar da sua companhia, eu não sinto aquela emoção, aquele tremelicar de pernas que sentimos, quando a pessoa que amamos se aproxima. Por isso tirei uns dias de férias e vim em busca do meu passado. Para pôr a cabeça em ordem e deixar o coração vir à superfície.  A solidão pesa-me. Mas e se aceito casar e depois continuo “sozinha”? Se não consigo corresponder ao seu amor? Não me sinto capaz de suportar um casamento assim. Não depois de ter experimentado uma história de amor, como a que vivi com o Artur. E não pense que eu gostaria de voltar para o Artur. Actualmente somos amigos, ele já me perdoou, encontrou outra pessoa , refez a sua vida e é feliz. Aliás hoje quando o vejo, já não sinto nada, daquela emoção que me abrasava, quando casámos. O que acha que devo fazer?

Continua



2.11.15

FOLHA EM BRANCO PARTE XII





Pouco passava das dez da manhã, quando um raio de sol, poisou sobre a face de Miguel, acordando-o.
De momento estranhou ter dormido vestido no sofá, mas logo a lembrança do que tinha acontecido na véspera, e de que não estava sozinho em casa o trouxe à realidade.
Levantou-se, sacudiu as calças, bastante enrugadas, passou a mão pelos cabelos e deu uma olhada rápida ao quarto, cuja porta se encontrava aberta. Estava vazio, a cama feita. Logo, a jovem teria acordado cedo.
Encontrou-a na cozinha
-Bom dia, - saudou olhando-a directamente, nos olhos, uma muda pergunta.
-Bom dia Miguel. Está tudo na mesma, como se tivesse a cabeça completamente oca.
Admirou-se com a sagacidade da jovem. Tinha lido nele como num livro aberto.
- Já comeu alguma coisa?
-Fiz umas torradas e um sumo de laranja.
-Bom. Vou tomar um duche e depois falamos.
- Algum tempo depois, regressou, envolto num roupão, o cabelo pingando, o rosto recém-barbeado.
- Tenho que ir ao quarto. Desculpe, mas é lá que guardo toda a minha roupa.
- Não precisa pedir desculpa. O quarto é seu. Aqui a intrusa sou eu, - respondeu a jovem. Preparo-lhe o pequeno-almoço. Torradas?
-Não. Só um sumo de fruta e café.
Quando voltou, já a jovem tinha o sumo pronto e preparava a cafeteira para o café.
Miguel sentou-se, rodou o copo entre os dedos e perguntou:
- Já tomou alguma decisão?
-Que decisão - retorquiu ela em sobressalto.
- Bom suponho que não estará disposta a ficar o resto da vida, sem  
memória. Penso que o melhor será procurar-mos ajuda especializada. Que me diz de consultar um psiquiatra? Ontem disseram-me que existe um, muito bom, aqui mesmo na cidade, - disse enquanto levava o copo de sumo aos lábios.
Reparou que a jovem estava lívida, os lábios trementes, e os olhos rasos de água..
Sentiu pena dela, mas que raio, ele não sabia como ajudá-la, e o tê-la trazido para casa talvez tivesse sido um erro. Ela era muito bonita, e ele era um homem. Quando os vizinhos soubessem que estava lá em casa, iam começar a falar. Ele nunca se preocupara com a sua reputação, mas ela era diferente. Era quase uma menina. Naquele momento, com o cabelo preso num gracioso rabo-de-cavalo, ninguém diria que tinha mais de dezasseis anos. Sobressaltou-se. E se era menor? Ainda se ia ver metido nalgum imbróglio.