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6.7.19

UM PRESENTE INESPERADO - PARTE XLII


NADA de novo com o meu marido. a situação é estável e estão a fazer exames. Ontem fez mais uma TAC, e electrocardiograma. O médico tem pedidos um ecocardiograma com doppler, um registo de Holter, um dopler das carotidas,e uma ressonância magnética. Obrigada pelo vosso apoio. Deus vos abençoe.





Isabel acabou de atender a chamada, poisou o telefone, pegou no documento que tinha na sua frente, e preparou-se para o digitalizar. Depois de o fazer, enviou-o por correio eletrónico para o cliente. Estava quase a terminar mais um dia de trabalho. Gostava do ambiente na empresa, dava-se bem com o chefe e colegas. Pena que dentro de poucos meses tivesse de sair.
Olhou o relógio. Dezoito e trinta e cinco. Mais vinte e cinco minutos, e o dia chegaria ao fim. Ela saía, e encontrava o marido à sua espera, iriam buscar a filha e iam para casa. Depois do casamento, o marido quisera comprar-lhe um carro. Não um modelo luxuoso, esses eram para o aluguer na empresa, mas um vulgar carro citadino, para que fosse levar e buscar a filha  a casa de Natália. Como ela o recusou, ele tomou o hábito de as levar e ir buscar.
Sentiu um arrepio que não tinha nada a ver com frio, antes com o pensamento no marido. Tal como ela previra, apaixonara-se pelo marido, e aquele casamento estava a ser um martírio, de tal modo que não sabia se tinha forças para o continuar a manter. As coisas estavam cada dia mais difíceis, eles já nem conversavam com a naturalidade de antigamente. Talvez a culpa fosse dela, ele avisara-a antes do casamento que não esperasse amor da parte dele. Ela pensou que poderia resguardar o coração, mas não conseguiu. Carente como era, amou-o desde a primeira noite que dormiram juntos. 
Ingénua, pensou que a força do seu amor faria com que ele lhe retribuísse. Não foi assim. Ricardo era um homem bom, um companheiro dedicado, um amante atento ao que lhe agradava no sexo. Mas era só isso que lhe dava.
Ele nunca lhe falara dos seus sonhos, dos seus desejos, do seu passado, do porquê da sua desconfiança com as mulheres. Ela sabia, vira nos documentos, quando estavam a tratar dos papéis para o casamento, que ele já fora casado. Suspeitava que fora uma má experiência, mas suspeitar era tudo o que lhe restava, já que ele não a deixava entrar no seu passado. O único lugar onde ele fazia dela rainha e senhora, era na cama. No sexo, ele dava-se por inteiro, ela conhecia todas as suas reações, os seus pontos fortes e fracos. Mas ela queria muito mais que isso. Queria amor, queria conhecer o marido, como conhecia o amante.  
 Sonhava com um filho dele, mas não arriscava deixar de tomar a pílula, apesar de estar quase a fazer trinta e quatro anos, e já não lhe restarem muitos anos de fertilidade. Porquê? Porque nem uma única vez ele mostrou desejos de ter um filho dela, apesar de ser doido por Matilde.
Estava num impasse. O maior sonho da sua vida, era ter o amor do marido, o maior pesadelo, a certeza de que nunca o conseguiria. Já pensara no divórcio. Como forma de acabar com aquele sofrimento. Afinal conservava a casa que herdara dos pais, não ficava na rua. Mas e a filha? Ela adorava-os aos dois. Não era só nos documentos que eram pais dela. Eram-no também no coração da criança que não conhecera outros. Separá-la do pai? De modo algum, ela não queria que a menina viesse a albergar sentimentos iguais aos da mãe biológica. Mas também não podia viver sem ela. Suspirou. A sua vida transformara-se num problema sem solução. Arrumou a secretária, pegou na mala e saiu. 



5.6.18

CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA - PARTE XIX






Retirou da mesa de cabeceira um lenço que lhe estendeu.
-Queres contar-me o que se passa?
- Desculpa, eu não queria que isto acontecesse. Se soubesse que ia ser assim, não teria aceitado a tua proposta. Pensei que já estava esquecido. Juro, - disse entre lágrimas.
Soaram campainhas de alarme, nos ouvidos dele. Teve a certeza que aquilo não era um chilique  de noiva nervosa. Mergulhou o olhar naqueles olhos achocolatados e perguntou:
-E o que pensavas que estava esquecido? Conta-me tudo, querida.
Era a primeira vez que lhe chamava querida, e ela sentiu a palavra como uma carícia na alma.
-Eu tinha dezanove anos. Tinha entrado nesse ano no Instituto Superior Técnico e namorava um rapaz que frequentava outro curso no mesmo Instituto. Era o meu primeiro namorado, até aí vivera só para os estudos, não conhecia as manhas de que os homens são capazes. Desculpa, não quis ofender-te.
Um dia quando saímos, ele disse que me ia levar a sua casa, para me apresentar aos pais. Eu não vi mal nisso, pelo contrário pensei que era um sinal de seriedade da sua parte. Era tão ingénua! Os seus pais não estavam, em casa, nem sequer na cidade, tinham ido ao interior visitar a avó dele, mas eu só o soube, quando já era tarde demais. Assim que entrámos em casa, ele fechou a porta, guardou a chave no bolso, e começou a beijar-me e a despir-me. Lutei, com todas as minhas forças, mas quanto mais eu lutava mais ele se excitava. Parecia um animal raivoso. Eu, não estava preparada, para nada assim. A dor foi tão intensa, que perdi os sentidos. Quando acordei ele disse-me que me ia levar a casa, mas que dava cabo de mim, se eu contasse a alguém o que tinha acontecido. Quando ele abriu a porta para sairmos, fugi. Fui a pé para casa, tentando acalmar-me para que os meus pais não dessem por nada. Nunca mais o vi, mas durante um bom tempo vivi no terror de poder estar grávida. Graças a Deus isso não aconteceu. Nunca contei isto a ninguém nem sequer à minha irmã, tal a dor e a vergonha que sentia.
Desde então, nunca mais quis saber de namoros. Levei anos a reviver aquela dor, em pesadelos que me deixavam quase louca. Sentia pavor cada vez que algum homem, se aproximava de mim, até que desisti de pensar no futuro ao lado de alguém, e me dediquei só à minha profissão. Contigo foi diferente.  Apesar do meu medo, a primeira vez que me beijaste, não senti vontade de fugir, pelo contrário, gostei do beijo. E como já se passaram dez anos, pensei que tinha conseguido superar o trauma. Também não tinha voltado a ter o pesadelo. Até à noite passada. Talvez pela aproximação do casamento o pesadelo voltou, e o terror também.
Durante todo o tempo que ela falou, Pedro manteve-se em silêncio a mão direita acariciando-lhe a cabeça o punho esquerdo cerrado, a raiva fervilhando no peito contra aquele tipo asqueroso. Porém quando falou, o seu tom de voz foi tão suave, tão terno,  que foi como um bálsamo para a alma atormentada da jovem.
- Chora, se isso te faz sentir melhor, mas pensa que já passou e não voltará a acontecer. Confia em mim.
-Deixaste bem claro que o casamento seria completo,e eu devia ter-te contado logo na altura, mas não é fácil falar de uma violação. A dor e a vergonha, são como um espinho cravado na alma.
- A dor compreendo, a vergonha não. És a vítima, não a culpada. Quanto à nossa vida matrimonial, não penses nisso agora. Ela acontecerá amanhã, depois, ou noutro dia qualquer, quando estiveres mais calma e relaxada, e tiveres interiorizado, que não te irei forçar a nada e que tal como hoje pararei ao menor sinal de desconforto da tua parte.Tenho a certeza de que vamos ultrapassar isto, juntos, mas se assim não for, procuraremos ajuda especializada. Agora dorme, - disse puxando-lhe as alças da camisa para o sítio, e depositando-lhe um beijo nas pálpebras molhadas.
Algum tempo depois, sentiu como o corpo dela ia relaxando, enquanto a respiração se suavizava e finalmente adormecia. Ele ficou ainda um longo tempo acordado, aquietado corpo e alma, na certeza de ter agido como devia.


8.6.17

JOGO PERIGOSO - PARTE XXII








Às quinze horas, entraram juntos no refeitório, e depois de pedir que se sentassem, Daniela disse.
-Como sabem, há dois meses que esta empresa, passou a ter um novo sócio. O senhor David Ribeiro aqui presente, e que já vos apresentei informalmente. Acontece que o senhor Ribeiro, vai investir um bom capital na fábrica, acaba de comprar novas máquinas de tecelagem, a primeira das quais será montada já para a semana. Vai criar mais postos de trabalho, e como tal é justo que vá assumir a gerência da fábrica, motivo pelo qual, a partir deste momento, todo e qualquer assunto referente à laboração, deve ser comunicado ao senhor Ribeiro. 
Calou-se e recuou, esperando o que ele poderia dizer, mas David, limitou-se a fazer um gesto com a mão e acrescentou.
- Espero que a nossa relação laboral continue a ser boa para ambas as partes. Podem voltar aos vossos postos de trabalho.
Virou-lhes as costas e ela apressou-se a segui-lo.
Uma vez no gabinete, ela sentou-se e disse:
-Vamos lá então tratar disto. Aqui estão as pastas com as encomendas, e o prazo de entregas estipulado para cada uma. O livro de cheques, a chave do cofre, e o endereço eletrônico da firma. A pasta do pessoal, dos Fornecedores, da Segurança Social, e das Finanças. Qualquer informação adicional, a Madalena dar-ta-á. É uma excelente secretária está na firma há muitos anos, sabe de tudo o que a ela diz respeito. Há três anos que não tiro férias. Uma vez que tomaste conta de tudo posso ir descansada.
Encarou-a com raiva.
-Não podes, fazer isso.
-Porque não? É um direito que me assiste.
- Mas posso precisar de ti.
- Para quê? Para alguma assinatura legal? Posso passar-te uma procuração.
- Faz isso e diz adeus às tuas ações na fábrica.
- Confio em ti. Sei que não o farás, - sorriu com tristeza.
Engoliu em seco. Como podia confiar nele, depois de conhecer o seu desejo de vingança? Que se passava com ela? Era muito ingénua, ou demasiado estúpida?
-Para onde vais?
- Estou a pensar ir até Moçambique. Há muito tempo não vejo o meu irmão. É a minha única família, estou com saudades.
Ele quis ser mordaz, dizer alguma coisa que a ferisse tanto, quanto ele se sentia, mas por qualquer razão não foi capaz. Voltou-lhe as costas, e por isso não pode ver o olhar de tristeza com que ela o brindou, antes de se dirigir  para a saída.



7.1.16

AMANHECER TARDIO - PARTE XXII

                                               foto do google
Fez uma pausa. Passou a mão pela testa num gesto habitual quando algo a incomodava. Depois continuou
- Sabes que adoro crianças, e sempre sonhei ser mãe. Talvez seja o meu relógio biológico que alterou o meu equilíbrio hormonal e emocional, ou quem sabe o facto de me encontrar sozinha no mundo, pois como sabes sou filha única de pais que também não tinham irmãos. O certo é que ultimamente tenho-me sentido diferente. E de vez em quando, dou comigo a pensar como seria diferente se tivesse um homem a meu lado. Um homem que partilhasse o meu amor, as minhas preocupações, os meus sonhos, e a minha loucura. Claro que tento compensar com o trabalho, é nele escondo as minhas fraquezas, e os meus desejos.
Calou-se e por breves instantes escondeu o rosto entre as mãos. Amélia foi até junto dela e poisou a mão sobre o seu ombro.
- As férias estavam quase a acabar – prosseguiu Isabel. No Sábado esbarrei na praia com um homem que me segurou nos seus braços por breves instantes. E não sei o que me aconteceu mas esse homem mexeu comigo. Santo Deus como mexeu. Penso nele de dia, sonho com ele de noite. Estou desorientada.
- E depois? Não falaram? Não trocaram número de telefone? Não sabes como encontrá-lo?
Isabel abanou a cabeça e então contou o encontro do dia anterior, e de como ela fugira da estação de serviço de Palmela.
-Ó Isabel, tu estás irremediavelmente apaixonada - sentenciou Amélia.
- Estás louca! - Como posso estar apaixonada por um homem que mal conheço? De quem, nem o nome conheço?
- Sempre achei que a tua fortaleza, a tua indiferença para as coisas do coração, era mais aparente que real. És uma mulher dedicada e sensível. Basta ver como cuidaste dos teus pais. Julgaste viver um grande amor…
- Não julguei. Eu vivi um grande amor – interrompeu Isabel
- Será Isabel? Eras uma menina ingénua e sonhadora que nada sabia da vida. Aos dezoito anos, não nos apaixonamos pelo homem. Enamoramos-nos do próprio amor. O homem, vem por acréscimo. E se muitas vezes é o companheiro ideal, que nos vai acompanhar pelo resto da vida, na maior parte das vezes transforma-se num pesadelo antes dos primeiros dez anos. Culpa deles, ou nossa? Que interessa. Consegues olhar para esse tempo e comparar-te à Isabel que eras nesse tempo? Claro que não. Quem nos diz, que se o Fernando não tivesse partido,  teria acompanhado a tua evolução? Ou quem sabe, não ficaria lá atrás no seu cantinho? Quem sabe se vocês, seriam hoje um casal feliz, ou se estariam divorciados? Ninguém.