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23.10.19

OS SONHOS DE GIL GASPAR - PARTE V


A mãe de Sara morrera muito jovem, e o pai, por desgosto ou por falta de trabalho no seu próprio país, que lhe permitisse dar uma vida digna à filha, emigrou para França, deixando a menina com a sua mãe.
A jovem, fora então levada para casa da avó paterna, por quem fora criada e para quem era a menina dos seus olhos. Mas o amor de uma velha avó, não é decerto o suficiente para fazer uma criança feliz e formar uma personalidade forte e segura, por muito grande que seja. Certo que materialmente nunca lhe faltou nada, pois o pai mandava rigorosamente todos os meses, a maior parte do que ganhava, a fim de que avó e neta não tivessem necessidades, mas a nível emocional faltou-lhe o apoio seguro dos pais, e isso fez dela uma jovem tímida e insegura.
 Essa terá sido a razão de não ter singrado na carreira de modelo.
Curiosamente essa mesma timidez e insegurança que a fragilizavam e a afastaram de uma possível grande carreira, foram o catalisador que fizeram com que ele se tivesse apaixonado por ela. Não por uma questão de domínio, mas porque ele, tinha desenvolvido um grande sentido de proteção aos mais fracos, e sentia-se feliz amando-os e protegendo-os. Era assim com os seus irmãos, foi assim com Sara.  
Todavia o casamento mudou por completo a jovem Sara. Gil não sabia se tinha sido o seu amor, se a grande visibilidade, que o facto de ter casado com ele lhe trouxera, mas a verdade é que Sara se transformara numa mulher arrogante e convencida, o que o desgostara e fizera arrefecer a relação. Depois vieram as suas lesões, a decisão de se retirar, a recusa em aceitar uma proposta para comentador desportivo na televisão, a decisão de ir para a universidade, e de levar uma vida anónima de empresário em sociedade com o seu irmão, fazendo da pequena loja de artigos desportivos, a maior do país, e conseguindo a representação nacional de algumas marcas. Todavia a machadada final no casamento, acontecera quando Gil  descobrira que a mulher não engravidava, porque contrariamente aquilo que sempre lhe afirmara, andava a tomar a pílula. Ela não queria ser mãe, para não estragar a figura, mas afirmava que o seu ginecologista lhe dizia que estava tudo bem com ela, que nada a impedia de engravidar, passando-lhe a ideia de que se isso não acontecia, a culpa era dele, que talvez fosse estéril.
Sentiu-se traído e decidiu divorciar-se, mas nessa altura a avó dela morreu, e ele decidiu guardar essa decisão, para outra época menos dolorosa.
Para compensar o fracasso do seu casamento, dedicou-se com mais afinco aos estudos. 
Quando era criança, Gil tinha muitos sonhos. O principal, era poder estudar, ir para a Universidade, formar-se e dedicar-se à escrita. Ele tinha consciência que era um sonho irrealizável, pois era o mais velho dos três irmãos, o que se esperava dele, era que arranjasse um emprego e ajudasse a mãe a criar os irmãos. Para esquecer, Gil dedicava o tempo livre a jogar à bola e depressa o seu incrível talento foi notado pelo olheiro de um clube. As promessas de sucesso, fizeram-no desviar-se do seu sonho principal e dedicar-se de corpo e alma ao futebol, conseguindo apenas terminar o secundário. 
Muitos anos mais tarde, com o fim da carreira e o afastamento dos relvados, podia enfim dedicar-se aos estudos e à escrita. 
 Sempre gostara de escrever, e decidiu escrever um livro que contava a história de vida de dez miúdos de uma rua nos arredores da cidade. Embora os nomes e a localidade fossem ficção era uma história autobiográfica, aqueles miúdos eram os seus amigos de infância. Ele conhecia as suas vidas de quase miséria, os sonhos de cada um, as lutas diárias, as desistências da escola, a violência doméstica, a entrega às drogas, o roubo e por fim a desistência da própria vida, como se conhecia a si mesmo. Dos dez apenas dois tiveram sucesso, ele e Raul Flores que graças ao seu enorme talento para a música, e ao interesse de um professor,  conseguira uma bolsa de estudo e a entrada no Conservatório. E atualmente dirigia uma orquestra em Londres. Dos restantes, um suicidara-se com apenas dezasseis anos, outro estava preso, dois morreram com uma overdose, dois emigraram para França, um estava desaparecido há mais de dois anos, e o último, era o seu irmão Marco, apenas dois anos mais novo do que ele.



11 comentários:

noname disse...

Todas as vidas, mais do que dar uma história, são por si uma história.
BOa noite, Elvira

Pedro Coimbra disse...

O filho mais velho trabalha para os outros poderem estudar.
Quem não conhece episódios semelhantes??

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Eis a historia de alguém que sofreu bastante para singrar na vida , e que quando pode , não esqueceu os seus queridos e fez e ainda faz tudo para os ajudar.
É de louvar estes gestos , pois infelizmente não abundam muitas pessoas com esse dom .

JAFR

João Santana Pinto disse...

Momentos muito reais, poucas são as famílias que não "sentiram" casos semelhantes.

Gostei muito, abraço

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Estou a gostar e aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Cidália Ferreira disse...

Antigamente era assim.! Estou a gostar!

-
Pode existir outono sem melancolia
Beijo e um excelente dia!

chica disse...

Histórias de vidas e tu as conta muito bem! bjs, chica

_ Gil António _ disse...

Olá:- Existem outros Gil na terra e na vida não é mesmo?
.
POEMA ** A criança, a chuva, a liberdade **
.
Desejando uma semana feliz

esteban lob disse...

Tremenda historia, amiga Elvira, con luces y sombras habituales en la vida, que es muchas veces una ruleta.

Os olhares da Gracinha! disse...

Momentos que fazem parte de um viver e eu gostei de ler! Bj

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Um capítulo recheado de boa leitura.
Vidas difíceis...
Um beijinho.
Ailime