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28.12.18

O ESPÍRITO DE NATAL





Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os presentes que passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas pessoas com quem fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso e magro, que prontamente obteve dele esta resposta:
— Comigo não perca tempo porque não tenho dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
— Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor Teotónio e a sua bazófia de novo-rico.
— Então se não me quer pedir nada, por que motivo está tão perto de mim enquanto eu carrego o meu carro? — perguntou o Senhor Teotónio entre duas baforadas de charuto que fizeram o homem idoso e magro tossir convulsivamente.
— Estou aqui, meu caro senhor — respondeu ele, já refeito da tosse — para tentar perceber o que as pessoas dão umas às outras no Natal.
— Com que então — concluiu ironicamente o Senhor Teotónio, grande construtor civil com interesses de norte a sul do País — temos aqui um observador! Deve ser, certamente, de uma dessas organizações internacionais que nós pagamos com o nosso dinheiro e que não sabemos bem para que servem.
— Está muito enganado. Mas já agora responda à minha pergunta: o que é que as pessoas dão umas às outras no Natal? — insistiu o homem pobre, idoso e magro.
— Bem, se quer mesmo saber, eu digo-lhe. Quem tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando toda a gente feliz, a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes. Quem é pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença?
O homem magro e idoso reflectiu uns instantes sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois respondeu-lhe com uma nova pergunta:
— Então e o espírito do Natal?
— O que vem a ser isso do espírito do Natal? — quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio.
— O espírito do Natal — respondeu o homem idoso e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano e que está muito para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode ser um telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só.
— Era só o que me faltava agora — desabafou, enfastiado, o Senhor Teotónio, enquanto arrumava os últimos presentes na mala do automóvel — ter agora um filósofo, ainda por cima vagabundo, para aqui a debitar sentenças.
O homem magro e idoso afastou-se do carro, mostrando que não queria esmolas nem qualquer outra coisa que lhe pudesse ser dada pelo Senhor Teotónio, e encaminhou-se para um grupo de crianças que o esperavam.
Quando o Senhor Teotónio passou por eles no carro, ouviu uma voz de criança a dizer:
— Vamos, Espírito do Natal, porque hoje ainda temos muito que fazer.
Dizendo isto, o grupo ergueu-se no ar a esvoaçar com destino incerto, largando um pó luminoso enquanto ganhava altura no céu cinzento de Dezembro.



José Jorge Letria
A Árvore das Histórias de Natal
Porto, Ambar, 2006



Este é o último conto de Natal de 2018. Ainda tinha programados mais três mas ficarão para o próximo Natal.
Para que pergunta pelo meu olho, estou melhor mas não tanto quanto gostaria. Já não ando perdida no nevoeiro e deixei de ver em duplicado, mas ainda vejo desfocado. Continuo a sentir a impressão de ter uma areia no olho mas já não dói.
Obrigada a todos pelo vosso carinho. Bem Hajam

10 comentários:

Roselia Bezerra disse...

"A Paz no coração é o paraíso dos homens".

Boa oitava de Natal, querida amiga Elvira!
Que o espírito de Natal nunca se afaste de nós!
Precisamos dele para termos qualidade de vida.
Tenha dias natalinos felizes e abençoados junto aos seus amados!
Bjm fraterno e carinhoso de paz e bem
🎈🎀🎁

Toninho disse...

Querida Elvira, logo esta situação do olho se normalizará com os devidos procedimentos.
Lindo conto amiga, que faz reflexão perfeita de tantas pessoas ocupadas apenas com seu mundo.
Hoje agradeço pela amável companhia neste ano e por me inspirar em suas imagens.
Que possamos em 2019 entrar em sintonia
mmmmmmmmmmmmmmm
Carinhoso abraço amiga.

Pedro Coimbra disse...

Que 2019 seja simplesmente Maravilhoso!
Bjs

Joaquim Rosario disse...

Bom dia
Há muita gente que infelizmente não tem espirito !!
A recuperação vai vir com certeza !!
JAFR

chica disse...

Foi muito lindo acompanhar os contos de Natal! Que bom estás melhorando e desejo que fiques completamente boa! beijos, chica

Maria João Brito de Sousa disse...

Fico feliz por saber que está um pouco melhor, apesar desses restinhos de nevoeiro que, espero, se venham a dissipar em breve.

Não conhecia este belo conto do José Jorge Letria e fico a aguardar o que nos oferecerá agora em termos literários.

Voltarei sempre, Elvira.

Abraço.

Luis Eme disse...

Que bom ter sido Natal tantos dias na Sexta-feira. E que venham mais melhoras, até o céu ficar azul, limpo.

abraço Elvira

Larissa Santos disse...

Bom dia. O importante é a recuperação ainda que, lentamente...
O conto é mais um, Divino. Muito obrigada por tudo. :))

Continuação de boas festas
Bjos
Óptima Sexta- Feira

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Mais um belo conto e aproveito para desejar a continuação de umas Boas Festas. 🎄

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Ailime disse...

Boa noite Elvira,
Outro conto lindíssimo de uma série com que nos presenteou neste Natal.
Muito obrigada.
Desejo que recupere o mais breve possível da sua visão.
Beijinhos,
Ailime