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4.12.16

A TI'ESPERANÇA DOS OLHOS VERDES - PARTE X







A primeira coisa que os seus olhos viram, foi a urna, iluminada por duas lamparinas. No chão uma coroa de flores. A um canto duas mulheres conversavam baixinho, enquanto velavam o corpo que ele reconhecera imediatamente como sendo a “sua” Esperança. As duas mulheres olharam-no, e depois trocaram um olhar entre si como quem pergunta:
-“Quem será?”
Não lhes ligou. Com passos vacilantes aproximou-se da urna. Olhando a imensidão de rugas no rosto feminino, bem como a pobreza à sua volta, pensou que a vida não tinha sido nada fácil para ela. Sentiu uma punhalada no peito, e um nó na garganta, porque ele sabia, que fora o causador daquele infortúnio. 
E pensar nos sonhos que arquitectou no caminho até ali. Tinha chegado tarde, para pedir perdão, tarde para tentar compensá-la dos anos de espera, tarde para viver enfim o sonho da juventude. Havia chegado atrasado. Era como um castigo do céu. Já era tarde quando se arrependeu do casamento, e era tarde ao chegar ali.
Como num filme, passou-lhe pela memória a recordação de todos aqueles anos desde que a conhecera. Uma lágrima rolou pelas suas faces. Nem sequer podia ter o consolo do seu perdão.
Os olhos da morta intensamente verdes pareciam dois lagos de água. Verdes? Mas não eram castanhos os olhos da Esperança? Ele tinha a certeza de que eram castanhos, um quente e belo castanho dourado. E no entanto agora eram verdes. Como podia ser? Seria que até a cor dos olhos da mulher que tanto amou, não recordava direito? Até ele chegou o murmúrio da mulher mais velha.
- Faz-me aflição ver assim a pobrezinha. Mas não consegui fechar-lhe os olhos.
 - Eu também tentei, e não consegui. É como se ela esperasse por alguma coisa ou alguém – respondeu a outra mulher, bem mais jovem.
Chico estremeceu. Ela o esperara toda a vida e continuava à sua espera mesmo na eternidade.
O remorso foi tão grande que cambaleou.
- Sente-se mal, senhor?
Era a mulher jovem que vira ao entrar. A outra também se aproximou. Olhou para ele, olhou para a morta e soltou uma exclamação abafada.
- Santo Deus!
Havia tal espanto na sua voz que a jovem olhou. O homem também o fez. E o que viu encheu a sua alma de espanto. Os olhos da Esperança, tinham voltado a ser castanhos, tal como ele os recordava. Um castanho quente e amendoado a que nem a frieza da morte retirava encanto. Assustado, fugiu dali como se fosse perseguido, por todos os demónios do Inferno, enquanto a jovem cerrava suavemente os olhos da defunta, dizendo:
- O Chico. Só podia ser o Chico. Meu Deus porque não me ocorreu logo?

12 comentários:

Janita disse...

Que tristeza tão grande! Pobre Esmeralda. O danado do Chico podia ter ao menos ganho coragem e ser ele a cerrar os olhos a quem tanto o amou, a ponto de os manter abertos, até à sua chegada.

Não sei que mais diga, Elvira. Apenas que gostei muito, apesar de triste. Parece-me que o FIM , ainda não chegou. Vou aguardar, ainda que a Esmeralda não ressuscite, claro. Que descanse em Paz.

Um abraço.

maria disse...

Pois foi o Chico, chegou tarde ... demasiado tarde!

Odete Ferreira disse...

Uma narrativa irrepreensível, por isso só posso deixar os parabéns.
BJ, amiga ☺

Edum@nes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edum@nes disse...

O Chico foi atrás da ambição. Com a fortuna tarde de mais voltou. Perdeu o amor do seu coração. Pela última vez, dentro do caixão, para os olhos castanhos da sua amada Esperança olhou! O dinheiro não dá felicidade. Quem, ainda, tiver duvidas pergunte o Chico?

Tenha um boa noite amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

Dorli Ramos disse...

O remorso vai nos cozinhando por dentro até a morte, tal o amor mal resolvido.
Beijos
Minicontista2

aluap disse...

Já as nossas avós diziam aquela lengalenga que começava assim: “à morte ninguém escapa, nem o rei, nem o papa…”, mas foi triste o fim da Esperança.
Passe uma boa semana, Elvira.

Gaja Maria disse...

Tarde demais. Uma vida desperdiçada, aliás, duas...

Pedro Coimbra disse...

Tristemente belo.
Boa semana

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história e desejar uma ótima semana!



Isabel Sá
Brilhos da Moda

Prata da casa disse...

Uma história com um fim triste,mas nem tudo são rosas nesta vida.
Bjn
Márcia

Rosemildo Sales Furtado disse...

De certa forma, o Chico recebeu o que merecia, com certeza, jamais esquecerá o acorrido e terá paz na consciência.

Abraços,

Furtado