A primeira coisa que os seus olhos viram, foi a urna, iluminada por duas lamparinas. No chão uma coroa de flores. A um canto duas mulheres conversavam baixinho, enquanto velavam o corpo que ele reconhecera imediatamente como sendo a “sua” Esperança. As duas mulheres olharam-no, e depois trocaram um olhar entre si como quem pergunta:
-“Quem será?”
Não lhes ligou. Com passos vacilantes aproximou-se da urna. Olhando a imensidão de rugas no rosto feminino, bem como a pobreza à sua volta, pensou que a vida não tinha sido nada fácil para ela. Sentiu uma punhalada no peito, e um nó na garganta, porque ele sabia, que fora o causador daquele infortúnio.
E pensar nos sonhos que arquitectou no caminho até ali. Tinha chegado tarde, para pedir perdão, tarde para tentar compensá-la dos anos de espera, tarde para viver enfim o sonho da juventude. Havia chegado atrasado. Era como um castigo do céu. Já era tarde quando se arrependeu do casamento, e era tarde ao chegar ali.
Como num filme, passou-lhe pela memória a recordação de todos aqueles anos desde que a conhecera. Uma lágrima rolou pelas suas faces. Nem sequer podia ter o consolo do seu perdão.
Os olhos da morta intensamente verdes pareciam dois lagos de água. Verdes? Mas não eram castanhos os olhos da Esperança? Ele tinha a certeza de que eram castanhos, um quente e belo castanho dourado. E no entanto agora eram verdes. Como podia ser? Seria que até a cor dos olhos da mulher que tanto amou, não recordava direito? Até ele chegou o murmúrio da mulher mais velha.
- Faz-me aflição ver assim a pobrezinha. Mas não consegui fechar-lhe os olhos.
- Eu também tentei, e não consegui. É como se ela esperasse por alguma coisa ou alguém – respondeu a outra mulher, bem mais jovem.
Chico estremeceu. Ela o esperara toda a vida e continuava à sua espera mesmo na eternidade.
O remorso foi tão grande que cambaleou.
- Sente-se mal, senhor?
Era a mulher jovem que vira ao entrar. A outra também se aproximou. Olhou para ele, olhou para a morta e soltou uma exclamação abafada.
- Santo Deus!
Havia tal espanto na sua voz que a jovem olhou. O homem também o fez. E o que viu encheu a sua alma de espanto. Os olhos da Esperança, tinham voltado a ser castanhos, tal como ele os recordava. Um castanho quente e amendoado a que nem a frieza da morte retirava encanto. Assustado, fugiu dali como se fosse perseguido, por todos os demónios do Inferno, enquanto a jovem cerrava suavemente os olhos da defunta, dizendo:
- O Chico. Só podia ser o Chico. Meu Deus porque não me ocorreu logo?
12 comentários:
Que tristeza tão grande! Pobre Esmeralda. O danado do Chico podia ter ao menos ganho coragem e ser ele a cerrar os olhos a quem tanto o amou, a ponto de os manter abertos, até à sua chegada.
Não sei que mais diga, Elvira. Apenas que gostei muito, apesar de triste. Parece-me que o FIM , ainda não chegou. Vou aguardar, ainda que a Esmeralda não ressuscite, claro. Que descanse em Paz.
Um abraço.
Pois foi o Chico, chegou tarde ... demasiado tarde!
Uma narrativa irrepreensível, por isso só posso deixar os parabéns.
BJ, amiga ☺
O Chico foi atrás da ambição. Com a fortuna tarde de mais voltou. Perdeu o amor do seu coração. Pela última vez, dentro do caixão, para os olhos castanhos da sua amada Esperança olhou! O dinheiro não dá felicidade. Quem, ainda, tiver duvidas pergunte o Chico?
Tenha um boa noite amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.
O remorso vai nos cozinhando por dentro até a morte, tal o amor mal resolvido.
Beijos
Minicontista2
Já as nossas avós diziam aquela lengalenga que começava assim: “à morte ninguém escapa, nem o rei, nem o papa…”, mas foi triste o fim da Esperança.
Passe uma boa semana, Elvira.
Tarde demais. Uma vida desperdiçada, aliás, duas...
Tristemente belo.
Boa semana
A passar por cá para acompanhar a história e desejar uma ótima semana!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Uma história com um fim triste,mas nem tudo são rosas nesta vida.
Bjn
Márcia
De certa forma, o Chico recebeu o que merecia, com certeza, jamais esquecerá o acorrido e terá paz na consciência.
Abraços,
Furtado
Enviar um comentário