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2.3.16

MANEL DA LENHA - PARTE XXII




No final de Setembro chegou o Gazela, e poucos dias depois, o Argus, o Crioula, e por fim o Hortense. A Seca encheu-se de trabalhadores e a vida ganhou outro colorido para quem esperava esta época, com um misto de desespero e esperança, como o condenado que espera o perdão.
 A meio de  Outubro,Piedade se foi. De manhã enquanto tomava o pequeno-almoço, simplesmente deixou de respirar. Vítima de um ataque cardíaco, dissera o médico. O Manuel mandou as crianças para casa do cunhado, José Varandas, para que não vissem o funeral da avó. O João o irmão que felizmente vivia bem melhor, e a irmã Laurinda, trataram das despesas, e o féretro partiu numa fria e seca manhã, na carroça do ti’Abel, a urna coberta com uma colcha de algodão rosa, e todo o pessoal da Seca em cortejo a pé, até ao cemitério do Lavradio.  À noite, as crianças voltaram para casa, sem entender a tristeza dos pais, nem a ausência da avó. Agora para que o casal, pudesse continuar a trabalhar, deixavam os três filhos fechados num dos quartos, pois se o gerente permitia que pudessem levar para o trabalho, uma criança de peito, ou uma já crescidinha, não deixavam que fossem os três. E deixá-los soltos  na rua era perigoso por causa da proximidade do rio. Fechar apenas a porta da rua, e ficarem soltos no salão também era perigoso. Havia facas, martelo, serra, fósforos, e a casa como bem se lembram era um barracão de madeira. A solução era ficarem fechados no quarto. 
Mas o que não lembra ao diabo, lembra às crianças . E um dia a mais velha descobriu que puxando a ponta da porta para ela, a porta feita de tábuas finas, abria um buraco. Então ela e a irmã puxavam a ponta da porta em baixo, utilizando toda a sua força, e o irmãozito mais pequeno e magrinho passava por esse buraco para o lado de fora. Aí punha um banco e em cima sele corria o fecho que fechava a porta, pois que não haviam quartos com fechadura, eles fechavam por dentro ou por fora, com um fecho de correr, muito utilizado na época, em vez das fechaduras, pois eram bem mais baratos. 
À solta as três crianças mexiam em tudo, desarrumavam tudo. 
Perto da hora do almoço, as irmãs metiam-se no quarto, e procediam à operação inversa. 
Fizeram isto durante mais duma semana, perante a apreensão cada vez maior dos pais, que encontravam os filhos fechados como os deixaram e a casa toda mexida. Até que um dia, a Gravelina pediu ao capataz para ir a casa a meio da manhã, expondo-lhe o problema. E claro veio encontrar os três filhos na maior brincadeira, fora do quarto. 







16 comentários:

Anete disse...

Novo capítulo por aqui e a Piedade se foi... Puxa! Suavemente e deixando saudades...
As emoções continuam na vida do Manuel...
Prossigamos p ver como será...
Abraço e boa 4a feira.

chica disse...

Sem a avó, ficou mais difícil pra eles. Mas acharam um meio de sair, escapulir do quarto.Ah! crianças,rs...

Mas já descobertas.E agora? beijos, chica

Emília Pinto disse...

Espertas as crianças, Elvira! E, coitadas, metidas num quarto pequeno tinham de descobrir um modo de dar asas a sua imaginação e libertar a energia própria da idade. Voltarei para continuar a deliciar-me com os teus contos que me levam aos anos dificeis da minha infância. Nao havia seca do bacalhau, mas havis os capos de lavradores ricos que tratavam os seus empregados quase como escravos. A merenda era um naco de broa recessa e um copo de água pé. Dificuldades por todo o lado. Beijinhos, Elvira e muita saúde.
Emilia

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

As crianças sempre dão um jeitinho para fazerem artes e brincarem!
Quero ver agora!
Um abraço!
Mariangela

Edum@nes disse...

Gostei dessa, das crianças. Curiosas, inocentes, sem maldade, elas são mesmo assim, conseguem descobrir tudo, sem entenderem o perigo que correm!

Cheguei aqui imaginando ver outra imagem, do Cristo Rei, e não a imagem do Gazela,

Não sou, nem fui marinheiro, desse velho Cacilheiro, pequeno berço do povo.
Numa noite de luar, ia eu a navegar e pé junto à proa, vi ou então sonhei que os braços do Cristo Rei estavam a abraçar Lisboa!

Boa tarde amiga Elvira, um abraço.
Eduardo.

Mar Arável disse...

Venham mais cinco

Tintinaine disse...

Olá Elvira!
O seu blog também não faz o que manda?
Mostra-nos o Cristo-Rei e depois dá-nos um bacalhoeiro!

Rosemildo Sales Furtado disse...

Criança sapeca é sempre um bom sinal, é saúde das boas. Rsrs.

Abraços,

Furtado.

Portuguesinha disse...

Crianças trancadas num quarto e deixadas sós... Hoje seria considerado negligência. Se ocorresse um incêndio... esses pais iam para a forca. Não havia mesmo uma alminha que fosse que pudesse vigiá-los? Uma mulher idosa que já cuidasse de outras crianças, uma que por algum motivo tivesse em casa? Adelaide "partiu cedo" nesse sentido. Se ao menos a filha mais velha fosse de mais idade, ela própria se encarregava de tomar conta dos mais novos. Tenho cá a sensação que não faltará muito e terá de ser esse o caso.



Andre Mansim disse...

Muito bem escrito.
Estás cada vez melhor.

Elisa disse...

Sempre por aqui presente a acompanhar esta linda história.
Beijinhos
elisaumarapariganormal.blogspot.pt

Pedro Coimbra disse...

Esse pormenor de crianças sozinhas em casa, fechadas num quarto, é aterrador.

Laura Santos disse...

O que se espera de crianças?!...Não poderiam ficar fechadas num quarto muito tempo.
xx

Unknown disse...

Crianças não gostam de se sentirem presas. Gostei muito.
Beijo*

Zilani Célia disse...

CRIANÇAS, SOZINHAS, QUE PERIGO.

http://zilanicelia.blogspot.com.br/

jorge esteves disse...

Lembro-me de ver o Gazela e o Argus, em Viana do Castelo, creio, aí pelos finais dos anos cinquenta...

jorge